O dia em que tive orgulho de Francisco
Foi em Erevan, na Armênia, num lindo dia de primavera, há quase dez anos. Eu estava na Praça da República de lá e a orquestra entretinha a multidão com "Spartacus", de Aram Kharatutchian. Francisco chegou num carro pequeno, todo sorrisos, sem segurança visível. O patriarca da Armênia chegou num Bentley enorme e sem sorrisos. Dava bênçãos abusadas e se vestia como Clovis Bornay num baile de Carnaval dos anos 1970. Fez uma pregação um tanto enfurecida ao falar dos armênios ilhados pelo Islã no Iraque, no Egito, na Síria e no Azerbadjjão. Francisco não tirou por menos. Tive um frisson quando ele disse com clareza didática, para o mundo todo ouvir, algo que enfureceu a Turquia e Erdogan: o Genocídio Armênio, disse ele, incontestavelmente perpetrado pelos turcos, acendeu o pavio de todos os morticínios do século 20. Naquele momento, o Vaticano reconhecia a procedência de falar de genocídio.
Quando o tradutor verteu para o armênio o que o Papa acabara de dizer em italiano, houve enorme comoção na praça. Pessoas desmaiavam de emoção, como se ao ouvir aquela simples verdade, as barbaridades cometidas pelos otomanos contra seus ancestrais ganhassem uma atenuante. Tive orgulho dele naquela hora – um sul-americano como eu, um vizinho divertido que aceitou com grandeza uma missão descomunal, num Conclave em que chegara como azarão. Na saída dessa tarde, com os damascos desabrochando em toda árvore, num dos países mais lindos do mundo, nossos olhares se cruzaram por um átimo. Ele me acenou, como se fôssemos conhecidos antigos. Eu retribui com alegria. Jamais esquecerei.
Que ele parta sem sofrimento, com paz de espírito. Se possível, sorrindo.
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