Sentou, pediu, pagou
Em janeiro de 2019, a participante de uma pesquisa que eu estava realizando sugeriu uma das lojas da Starbucks, em São Paulo, para realizarmos a entrevista. Cheguei mais cedo ao local, garanti uma mesa e esperei a convidada por uma hora – o trânsito paulistano, traiçoeiro mesmo em época de férias escolares, atrasou-a. Conversamos por mais de 80 minutos, nos despedimos e então me dei conta: nem eu nem ela consumimos sequer um copo d'água nas quase três horas em que ocupei o espaço. A Starbucks consagrou-se como o terceiro lugar dos norte-americanos urbanos, aquele espaço diferente da casa ou do trabalho em que a socialização ocorre – e, por tabela, o consumo de bebidas e guloseimas. Mas a tolerância com clientes que, assim como eu e minha entrevistada, ignoram os apelos gastronômicos do local, está acabando - ao menos nos Estados Unidos.
Desde que o novo CEO assumiu, no início deste ano, a rede aboliu cortesias como água filtrada e acesso livre aos banheiros. "Agora, clientes passarão a ser definidos como pessoas que fazem compras. Aqueles que não comprarem podem ser convidados a se retirar", declarou a empresa (Financial Times/Valor Econômico, 29/01/2025). Uma política que contraria sua própria definição, tornada pública sete anos atrás, de que "qualquer visitante é um cliente, não importa se fizesse compra ou não" (idem).
A medida soa antipática, mas é compreensível. Cafés costumam oferecer jornais, revistas, ambiente climatizado e wi-fi grátis na expectativa de que, em contrapartida, exista consumo de seus produtos. A convivialidade e o relaxamento são a isca para o comércio, e não um fim em si, e do equilíbrio entre ocupação de assentos e gastos individuais depende a sobrevivência do estabelecimento. O problema é que o sucesso da Starbucks a tornou um lugar frequentado, cultuado e até icônico – mas aparentemente não tão rentável quanto poderia.
Daí a rede ter chegado a um meio-termo; ela não fixa um limite de tempo para o visitante beber ou comer algo, especialmente se a loja estiver vazia, mas em caso de lotação e fila de espera, ele "pode ser abordado e instado a fazer uma compra" (ibidem). Parece justo.
Há dois aspectos interessantes nessa decisão. O primeiro, a provável dificuldade em tomá-la, uma vez que contraria o espírito que deu notoriedade à marca, tão bem resumido no título de um livro a seu respeito: "Tudo, menos café" (sem edição em português). Até aqui, acreditava-se que o sucesso da Starbucks se devesse à obliquidade de seus objetivos: ao franquear um ambiente agradável, ganhava dinheiro. Não parece ser mais o caso.
O segundo, seu curioso impacto sobre stakeholders improváveis. As lojas da Starbucks nos EUA eram "um local de amparo para pessoas em situação de rua pela manhã, no período entre o fechamento dos abrigos e a abertura das bibliotecas" (ibidem). Ou seja, pontos de venda climatizados, copos d'água gratuitos e acesso liberado a toilettes eram mais do que benefícios a potenciais compradores – eram um refúgio para aqueles que jamais poderiam pagar por nada.
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