A demanda por carnes na Ásia continuará crescendo
Se tem uma coisa que o pessoal da área não aguenta mais nem ouvir falar é a demanda chinesa por patas de frango. Empresas da China querem milhares de toneladas de patas de frango, além das que já compram, e os negócios não acontecem por dificuldades – e desconfianças – de parte a parte. Volta e meia somos procurados por alguém que tem um conhecido que quer comprar patas de frango. Pedem para "ajudarmos", nessa que já é uma "missão impossível" há alguns anos.
As dificuldades na comercialização de patas de frango não se limitam à escassez do produto ou à sua demanda excessiva. Elas constituem um conjunto difícil de equacionar, começando pela exigência de o frigorífico estar habilitado para exportar para a China. Mais padrão (querem "tipo A", que é a pata com a canela), preço, quantidade e o desejo, quase impossível de atender, de compra direto do frigorífico produtor, e não de uma trade. Como as quantidades solicitadas são sempre muito grandes, é necessário mais de um frigorífico para dar conta de atender a encomenda, e aí entram as empresas exportadoras. No entanto, na hora de fechar o negócio, a empresa chinesa desiste, pois a determinação é a compra direta. E nos casos em que tudo está de acordo, a concretização do negócio emperra no pagamento, pois quem vende só embarca o produto se receber primeiro, e quem compra só paga depois de conferir se o produto recebido está de acordo.
Mas o mercado mundial desses produtos, dominado pela China, Brasil, Estados Unidos e Tailândia, promete surpreender em 2025, tal o alvoroço produzido pelos anúncios do presidente Donald Trump impondo tarifas, principalmente para produtos made in China, que chegaram a ser anunciadas em inacreditáveis 245%. Os números de produção, comercialização e consumo de carne de frango e, em particular, de patas de frango, nos últimos anos, do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), divulgados nos relatórios "Poultry and Products Annual", de 19 de agosto de 2024, e "Poultry and Products Semi-Annual", de 21 de fevereiro de 2025, revelam que a China é o maior importador – e o Brasil o seu maior fornecedor, com dois terços do total (veja gráfico na página seguinte). Espera-se que os números do Brasil melhorem em 2025, retornando ao patamar de meio milhão de toneladas exportadas para a China em 2023. Muito dependerá da produção e consumo chinês, e da capacidade de produção dos frigoríficos brasileiros, em especial os sediados no Rio Grande do Sul.
A diferença em 2025 é que a China, com demanda retraída justo quando aumentou a sua produção, tentará vender o excedente no mercado mundial de frango, aumentando a sua importância como concorrente do Brasil, Estados Unidos e Tailândia. Com as vantagens que o país tem, em custos de transporte e em agressividade comercial, certamente conseguirá vender para mercados tradicionais brasileiros – puxando para baixo os preços praticados. Espera-se que a demanda chinesa por patas de frango permaneça estável neste ano e que seja atendida pela produção doméstica, reduzindo a importação e, por consequência, os preços. Os valores cobrados pelo produto pelos Estados Unidos e pela Tailândia são bem superiores aos do Brasil e Rússia. O que explica a diferença? O Brasil é disparado o maior exportador de patas de frango para a China. As empresas norte-americanas recebem US$ 1,10 por quilo na China, pois as patas de frango que vendem são maiores do que as do Brasil e de outros países. Em 2023, essas companhias faturaram US$ 460 milhões, seis vezes mais do que em 2014, no mercado chinês, com mais de 201 mil toneladas de patas de frango.
Carne suína barata
O relatório do USDA, intitulado "Livestock and Poultry: World Markets and Trade", de 10 de abril, revela que as exportações de carne suína do Brasil devem crescer 5%, pois neste ano haverá forte demanda internacional e o Brasil é um "fornecedor de carne suína barata", condição que lhe permitirá ganhar participação de mercado onde os preços sejam o diferencial, como o Japão e o México, grandes importadores. Traduzindo: exportaremos mais porque cobramos menos. Segundo o mesmo relatório, a China teria imposto tarifas retaliatórias ao Canadá e Estados Unidos, diminuindo a sua importação de carne suína dos dois países. Já a Europa, as Filipinas, o Vietnã e a Coreia do Sul, com surtos de peste suína africana, terão de reduzir sua produção.
A China respondeu por mais da metade (55%) das exportações de carne suína do Brasil em 2020, mas essa participação caiu para 18% no ano passado. Para o USDA, que monitora de perto o Brasil e todos os demais concorrentes do agro norte-americano, o crescimento das exportações brasileiras de carne suína resulta de duas características principais: "a capacidade de mudar de mercado rapidamente" e "a posição do Brasil como fornecedor de carne suína de baixo custo." Graças a essas características, em 2024 o Brasil teria ganho acesso "a 17 novos mercados de exportação de carne suína", exportado "para mais de 100 diferentes países", compensado as quedas nas exportações para a China em 2024, "com embarques mais altos para as Filipinas, Chile e Japão." E concluem: "(...) o Brasil aumentou as exportações em quase 20% para países fora de seus cinco principais mercados de exportação, com aumentos notáveis para Cingapura, México, Coreia do Sul, Argentina e República Dominicana." Para o USDA, "a capacidade do Brasil de mudar rapidamente os mercados de exportação será fundamental para sustentar o crescimento das exportações em 2025."
Aurora Coop na China
Nesse contexto bastante complexo do comércio mundial de carnes de frango e de suíno, a catarinense Aurora Coop se instalará em Shanghai, para, nas palavras do seu presidente Neivor Canton, "estar perto dos clientes já atendidos pela empresa. Lá tem porto, logística". Não apenas, evidentemente. Ao fincar a bandeira do "terceiro maior grupo agroindustrial brasileiro de proteína animal" na mais importante cidade da China, em termos comerciais e de logística, certamente a Aurora Coop o faz a partir de sua estratégia de crescimento no mercado mundial de carnes. A partir de Shanghai, os produtos da Aurora Coop poderão ser transportados de trem e por rios para toda a China. E graças ao Programa "Cinturão e Rota", de trem para todos os países da Ásia Central e Europa, e de navio e trem para mais de uma centena de países da Ásia, África e Oriente Médio. Ou seja, além dos clientes atuais, a Aurora Coop ficará perto também do imenso mercado atendido direta e indiretamente pela China.
Haverá produção para tanta demanda?
Com esperadas 57 milhões de toneladas de carne de suíno em 2025, a China precisará comprar apenas 1,3 milhão de toneladas (pouco mais de 2% do que produz) para atender o mercado doméstico. Os demais países asiáticos que consomem carne de porco dependem da melhora do poder aquisitivo de suas populações para aumentarem o consumo de proteína animal. Com 115 milhões de habitantes, as Filipinas são mercado importante para a Aurora Coop, porque produzem apenas 1 milhão de toneladas por ano de carne suína, praticamente 25% das 3,9 milhões de toneladas que o Vietnã (que tem 100 milhões de habitantes) produzirá em 2025. De acordo com o relatório do USDA, as Filipinas devem consumir 1,6 milhão de toneladas esse ano, o que coloca o país como grande importador, no mesmo patamar de necessidade (700 mil toneladas) da Coreia do Sul (52 milhões de habitantes).
Chamam a atenção as diferenças populacionais e de poder aquisitivo entre os três países: com menos da metade da população das Filipinas, a Coreia do Sul consome 500 mil toneladas de carne suína a mais. O Vietnã consome 2,3 milhões de toneladas a mais, apesar de ter 15 milhões de habitantes a menos. Pode-se supor, pelos números, que a demanda reprimida de carne suína nas Filipinas seja de 2,5 milhões de toneladas. Transformar essa quantidade em consumo efetivo de carne suína depende de aumento expressivo do poder aquisitivo, fenômeno ocorrido intensamente na China na década de 1990.
A agência das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) realizou estudo sobre as alterações ocorridas na alimentação da população da China, de 1961 a 2007. Na categoria de carnes em geral, houve um salto. Passou de 8,7 quilos per capita em 1961 para 37,7 em 1990. Uma década depois esse número dobrou e em 2007 chegou a 74,1 quilos. A estimativa para 2031 é que chegue a 94 quilos per capita, cerca de 11 vezes mais em 70 anos. O mesmo ocorreu com as carnes suína e de frango. O consumo de carne suína foi de 2,4 quilos per capita em 1961 para 20,6 quilos em 1990. Em 2000 já era 32,2 quilos e aumentou para 32,9 quilos em 2007. Em 2023 teria atingido 72 quilos per capita, ou seja, um salto de quase 30 vezes em 62 anos. No ano passado, o consumo per capita de frango na China teria sido de 19 quilos por pessoa, praticamente 19 vezes mais em 63 anos. Conforme aumentou o poder aquisitivo da população chinesa, ano após ano, diminuiu o consumo de grãos e elevou o de proteína animal, reduzindo a demanda reprimida por carnes. Como os países vizinhos ainda estão longe da renda per capita da China (a da Índia é apenas um terço, por exemplo), vale dizer que a tendência de toda a região é de grande crescimento do consumo de carnes nos próximos anos.
Considerando-se que nos próximos anos aumentará muito a demanda asiática (e de outras regiões) por carnes suína e de frango – com crise tarifária ou sem ela –, faz todo o sentido a "Marcha para o Oeste" empreendida pelas cooperativas catarinenses Alfa, Copérdia e a própria Aurora, buscando reduzir custos do transporte de grãos para a alimentação, aproximando os animais das plantações. Essa é a solução lógica na falta de transporte ferroviário ligando os estados do Mato Grosso do Sul e Mato Grosso às regiões produtoras dos estados do Sul.
Beneficiadas pelo Programa Estadual de Desenvolvimento e Fortalecimento do Cooperativismo do Mato Grosso do Sul (Procoop), as três cooperativas catarinenses estão investindo um total de R$ 587 milhões para conseguirem ficar mais competitivas e poderem assim encarar a concorrência internacional, que conta com transporte fluvial e ferroviário e custos financeiros bem menores do que os cobrados no Brasil. Canton, presidente da Aurora Coop, relata que o projeto da ferrovia não conseguiu adeptos em quantidade suficiente no meio político, e que oito organizações cooperativistas e empresariais de Santa Catarina, entre 2023 e 2024, contrataram um estudo de viabilidade para subsidiar o projeto da ferrovia Leste-Oeste em elaboração pelo governo de Santa Catarina, ligando as regiões produtoras de carnes aos portos no litoral.
Com a construção de estrutura industrial e de produção de animais no Mato Grosso do Sul, a Aurora Coop e as cooperativas filiadas a ela poderão aumentar bastante a produção e assim atender às novas demandas dos países asiáticos. Canton é cauteloso em relação à entrada da Aurora na Ásia. "Queremos conhecer esse mercado primeiro para avaliar a possibilidade de vender alimentos prontos", revela ao Conexão Ásia por ocasião da visita que fiz à sede da cooperativa recentemente. Mas não haverá como escapar à oferta de alimentos, substituindo parcialmente a exportação de carcaças.
O desafio das carnes diferentes
Feiras de alimentos na China costumam ofertar carnes e peixes diferentes, de criações tecnificadas, como cervos, por exemplo. As populações das províncias de Xinjiang (etnia Uigur) e Ningxia (etnia Hui) comem muita carne de cabrito, mas não consomem porco por restrição religiosa. Assim é também em vários países da Ásia Central, alguns deles muito populosos.
Migrando parte da produção em grande escala de suínos e aves do Oeste de Santa Catarina para o Mato Grosso do Sul, e com a construção de abatedouros modernos em São Gabriel do Oeste, é possível que criações de outras espécies animais, como cabrito e cervo, que não consomem grãos como suínos e frangos e podem proporcionar renda para as famílias que continuarem na região. O investimento da Aurora no Mato Grosso do Sul foi autorizado pelos associados da cooperativa, sem dúvidas, mas é preciso se antecipar aos cenários possíveis no Oeste de Santa Catarina para 2030/2040, ainda mais sabendo-se que a população idosa, nos municípios da região com menos de 10 mil habitantes, atingirá proporções inéditas, e que nas propriedades rurais haverá poucos jovens trabalhando.
Outro desafio será lidar com a automação, o avanço digital em máquinas e equipamentos, e o baixo nível de escolaridade da população nas áreas rurais. A China e outros países da Ásia hoje utilizam drones em "n" atividades, e grande parte das atividades agrícolas estão mecanizadas. A velocidade com que a China moderniza a sua agricultura é muito maior do que se imagina. E a competitividade da China tem de ser utilizada como parâmetro pelos cooperados, para que seja possível vender mais produtos da Aurora na Ásia (não apenas na China), África e Oriente Médio. Afinal, sendo mais competitivos que os chineses, vende-se para eles e para os clientes deles.
Esse conteúdo é parte integrante da edição 349 de AMANHÃ. Acesse a publicação completa clicando aqui.
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