Falta investir de verdade na relação com a China

Reduzir a solução de continuidade das relações institucionais com o país asiático significará muito para o Brasil em todas as áreas
Uma das razões para essa solução de continuidade é a falta de gente especializada, não apenas em relações internacionais e comércio exterior, mas especificamente em China

Os vários acontecimentos importantes na relação Brasil-China, agora em maio, são resultado de muito trabalho e investimento realizados desde o início do século 21. Um dos fatos marcantes desse período foi o seminário ocorrido em outubro de 2003, no auditório do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais, em Belo Horizonte, promovido por Wladimir Pomar, com o vice-presidente da República, José Alencar, e dezenas de empresários, para debater como aumentar a participação brasileira no mercado chinês, para o qual na época o Brasil exportava menos de US$ 4 bilhões. Desse evento em Belo Horizonte, resultou a primeira grande comitiva empresarial à China, com cerca de 400 participantes, em maio de 2004.

Nesses 21 anos, entre as comitivas de 2004 e essa agora de 2025, houve grande quantidade de comitivas, empresariais e governamentais, intercâmbios universitários, aumento exponencial das exportações e importações, investimentos chineses no Brasil – e, em menor escala, também de empresas brasileiras na China –, algumas poucas atividades culturais lá e cá, e irmanamentos de cidades e de províncias e estados. Foram assinados muitos acordos, conforme relatamos aqui, mas assim como não é público o balanço do que foi feito em relação a cada item acordado, não se sabe também o que já fizeram as cidades brasileiras que estabeleceram relações de irmanamento com cidades chinesas. Ou não fizeram, como parece ser o caso da grande maioria que tivemos a oportunidade de acompanhar.

Esse balanço – não publicado – das cidades-irmãs do lado brasileiro caracteriza uma situação generalizada de solução de continuidade nas relações institucionais com a China, por parte de administrações municipais. No caso dos governos estaduais, ocorreu uma boa melhora em 2023/2024, com quase todos fazendo acontecer o irmanamento com províncias chinesas, movidos pela necessidade de atrair investimentos e de aumentar as exportações. Dado o caráter nacional do fenômeno, pode-se concluir haver cultura de solução de continuidade na relação brasileira com a China, o que não apenas se traduz em desperdício de recursos, mas, mais grave, em desperdício de oportunidades, do que se deixa de fazer e de conseguir, em quase todas as áreas, principalmente a nível municipal e regional (via consórcios de desenvolvimento).

Uma das razões para essa solução de continuidade é a falta de gente especializada, não apenas em relações internacionais e comércio exterior, mas especificamente em China.

Falta conhecimento em China, teórico e prático – é preciso conhecer mesmo a cidade/província-irmã. Falta também relacionamento com as instituições e entidades da cidade/província e com as pessoas que nelas atuam. Ou seja, falta investir de verdade na relação com a China. Um exemplo prático: foi lançado em março o "Plano de Ação Especial para Impulsionar o Consumo", pelo PCCh e o Conselho de Estado, para estimular os gastos de consumidores(as) e assim elevar a demanda doméstica, inclusive de produtos importados – em particular, alimentos e produtos agropecuários. Constituído por 30 medidas com o objetivo de aumentar o consumo, o plano vai de subsídios para creches para bebês à expansão dos serviços de assistência para pessoas idosas, e incentivos ao turismo e a aumentos salariais.

Sairá na frente no atendimento a esse aumento de demanda da China quem tem relacionamento e conhece bem a cidade da qual a sua cidade é "irmã", ou a província da qual seu estado é "irmão". Sim, são relações assimétricas, nas quais o melhor é olhar o lado bom da coisa: a cidade chinesa de 11 milhões de habitantes "irmã" de uma cidade no Brasil com 500 mil habitantes, ou a província de 90 milhões de habitantes e um PIB que equivale a metade do PIB do Brasil... Essa lógica vale para universidades, instituições culturais, entidades esportivas, cooperativas centrais de agricultura familiar, agroindústrias de pequeno e médio portes etc.

Precisamos correr, porque boa parte do mundo quer a sua fatia no mercadão chinês. Principalmente os Estados Unidos, que precisam vender para a China produtos agropecuários que têm em excesso, e já chegaram a comprar do país US$ 481 bilhões em 2016 – o que lhes causa déficits enormes na balança comercial – em 2024, a diferença negativa foi de US$ 300 bilhões. Justiça seja feita, estamos fazendo a lição de casa, via Apex e embaixada/consulados/adidos agrícolas do Brasil na China, com intensa participação empresarial em feiras e outros eventos. Mas, ainda insuficiente, frente às dimensões e complexidade do mercado e da cultura de negócios da China. E há o outro lado da moeda: o que sabemos a respeito das empresas chinesas instaladas no Brasil, atuantes nos setores de energia, veículos e recursos naturais?

Teremos em 2026 o "Ano da Cultura Brasil-China", que poderá se limitar a alguns poucos eventos em São Paulo, Rio e Brasília (e em Beijing e Shanghai) ou, se os governos municipais e estaduais se agilizarem e investirem, um total de mais de 100 eventos culturais significativos em todas as capitais e maiores cidades dos interiores. Reduzir a solução de continuidade das relações institucionais com a China, nos três níveis de governo, significará muito para o Brasil em todas as áreas, porque o que há de "portas abertas" para nós na China não está escrito. Nos falta levantar o que há de mais importante acordado e em andamento, nos governos federal, estaduais e das 50 maiores cidades; universidades e institutos federais; centros de pesquisa; e fazer aqui como os governos chineses fazem lá: ter a visão do conjunto, definir estratégias e acompanhar, cobrar e estimular.

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Segunda, 19 Mai 2025

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