Lances de craque
"Pouca gente no esporte usa a faculdade de pensar com a lucidez e o equilíbrio de Ruy Carlos Ostermann", escreveu Armando Nogueira (1927-2010). Morto na última sexta-feira 27, aos 90 anos, Ruy, de fato, distinguiu-se por conferir tratos elaborados à crônica de futebol, fazendo o jogo e seus bastidores parecerem maiores e mais interessantes do que à primeira vista. Diferentemente do próprio Armando, contudo, não era romântico nem saudosista; não estacionara na Copa de 1970, ápice da estética brasileira. Via mérito e beleza na disciplina tática, na estratégia e na imposição física, pois sabia que, em uma partida, confrontam-se múltiplas capacidades, e não só a habilidade técnica.
Foi, em retrospecto, o jornalista que marcou a transição da crônica esportiva literária, de Nelson Rodrigues e Armando Nogueira, para a estatístico-esquemática, de Paulo Vinícius Coelho . Da primeira, herdou o apreço pelo rebuscamento dado a elucubrações; à segunda, antecipou a capacidade analítica e o uso da informação como matéria-prima. Saía-se especialmente bem quando fazia do futebol um portal para reflexões e interesses diversos. Tanto que nunca pareceu um fanático pelo esporte, aquele que assiste a todos os jogos, memoriza datas, placares e personagens e, obtuso, faz da bola o seu planeta. Com Ruy, ao contrário, a bola conduzia ao planeta; era um caminho para observar a vida e compreendê-la. Não por acaso lecionou, ocupou cargos públicos e comandou em rádio e TV programas de assuntos variados: a polivalência do cérebro era o melhor recurso de que dispunha.
Seu estilo de falar e, especialmente, de escrever, são inapelavelmente datados – e aí vai uma constatação e um elogio. Ruy já não militava com regularidade no jornalismo há mais de uma década e, por isso, escapou da era de textos diminutos, locuções curtas e histrionismo influencer. Naquele que talvez tenha sido o melhor momento de sua carreira, lá pelos idos dos anos 1990, era conhecido e respeitado por colegas de Rio e São Paulo, mas praticamente desconhecido do grande público do centro do país – seu momento de maior destaque nacional, como debatedor de mesa-redonda da Globo na Copa de 1982, já distava no tempo. No fim de sua trajetória, foi participante fixo do programa de Galvão Bueno na TV a cabo. Mas jamais um comunicador popular fora daqui, como Galvão e outras figuras erigidas pelas emissoras paulistas e cariocas.
E nem como os atuais youtubers, dados a arroubos clubísticos, exageros verbais e encenações indignadas. Repare: os melhores comentaristas esportivos gaúchos são os mais sóbrios e ponderados, não revelam seus times de preferência e atuam nos veículos tradicionais; resistem bravamente à tentação caça-like e emprestam respeitabilidade ao ofício de falar e escrever sobre futebol.
Honram o legado de Ruy, portanto.
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