Crises na China e impactos no Brasil

Apesar das crises, o país segue seus planos de desenvolvimento e avança ano após ano
Crise, crise mesmo, além da de energia, há mais duas na China, há pelo menos 40 anos: a da água e a populacional

Observando a turbulência na China, com reflexos diretos em toda a Ásia e repercussões maiores ou menores no mundo inteiro, a impressão que se tem é de que uma nova crise mundial à la 2008 está chegando, dessa vez com o epicentro no "império do centro" e coincidindo com o aniversário de 72 anos da proclamação da República Popular da China, dia 1º de outubro. Como datas históricas ensejam reflexão, e expectativas de crise nos obrigam a descobrir soluções e os possíveis impactos sobre nós, arrisco comentários sobre algumas questões.

Primeiro, desde que acompanhamos o noticiário sobre a China, ela sempre esteve em crise. Algumas vezes, várias crises ao mesmo tempo, como agora. Segundo que, apesar das crises, ela segue seus planos de desenvolvimento e avança ano após ano, inclusive com mudanças de patamar, como o da modernização científica, tecnológica e em inovação da indústria ("Made in China 2025") e da agropecuária ("Vitalização Rural").

Sobre a crise financeira e imobiliária, resultante do colapso da empresa "grande demais para quebrar", é importante lembrar que a bolha imobiliária na China começou a ser furada pelo governo há algum tempo. Por isso, e conhecendo como funciona o governo central do país, é de se imaginar que eles já sabiam que iria ocorrer o problema, talvez só não soubessem quando. Como lá é o Estado quem controla o setor financeiro e não o contrário, é bem possível que consigam restringir os efeitos dessa crise, impedindo que ela afete muito a economia mundial.

Sobre a crise energética na China, ela está escrita há alguns anos – o consumo de carvão é uma das vulnerabilidades do país, há esforço permanente para substitui-lo por fontes renováveis, como a solar e a eólica, mas, apesar disso, ele ainda segue dominante na matriz energética. Em 2020, a China manteve o seu consumo de carvão em quantidade equivalente ao triplo do total das economias avançadas, e mais do que o dobro da soma de todos os outros países, segundo a Agência Internacional de Energia. Nesse ritmo, suas reservas acabarão antes de 2050.

Dada a magnitude do consumo de energia chinês, que passou de quarto para o primeiro maior do mundo, de 1980 para 2018, saltando de 19,5 quatrilhões de BTU para 117,8 quatrilhões de BTU (os Estados Unidos, no mesmo período, caíram da liderança para o segundo lugar, passando o consumo de 61,1 quatrilhões de BTU para 95,8 quatrilhões de BTU), alterar a matriz energética, enquanto a economia do país cresce 6% ao ano, é como trocar o pneu de um carro em movimento.

Crise, crise mesmo, além da de energia, há mais duas na China, há pelo menos 40 anos: a da água e a populacional. Como resolver o drama da água, que sempre foi insuficiente e mal distribuída, em um país cuja população fixa, desde 1980, aumentou 40%, mais 10% a flutuante – 500 milhões de consumidores a mais? Mais gente, mais comida, mais água para irrigação: a produção de grãos passou de 304 milhões de toneladas para 660 milhões de toneladas, no período 1978/2020.

Ainda que pareça surreal o raciocínio, é bem possível que a crise da água seja indiretamente resolvida pela crise populacional: especialistas estimam que a China chegue em 2100 com 1 bilhão de habitantes, a mesma quantidade que havia em 1981, quando foi instituída a política demográfica que ficou conhecida como "política do filho único". Redução de 400 milhões de pessoas no século 21, já explicitada no ano passado, quando nasceram 12 milhões de crianças, menor quantidade em 60 anos.

Há o agravante do envelhecimento acelerado: em 2050, espera-se que 35% da população chinesa sejam pessoas idosas, algo como 400 milhões de pessoas. Significa que a parcela considerada ativa em termos econômicos (PEA) diminuirá muito – ou o conceito será alterado, ampliando-se a faixa de idade de 65 para 70 anos, por exemplo.

Difícil será conciliar os tempos de cada crise dessas, porque a urgente demanda hídrica não espera a lenta redução da população. Por isso, foi construído um imenso e caro (US$ 81 bilhões) canal para levar água da província de Hubei para a de Hebei (onde ficam Beijing e Tianjin), transferindo a escassez da região sul para a região norte. Essa imensa obra emergencial é criticada por seu custo, pelo custo da água, e pelos impactos ambientais, mas pelo que se sabe, não havia outra alternativa a curto prazo.

Em compensação, a médio prazo, a situação deverá ser resolvida com a "plantação de água", investimento que resultou até agora em 64 bilhões de árvores plantadas, elevando a cobertura florestal da China de 134 milhões de hectares (14% da sua área), em 1981, para 220 milhões de hectares em 2020 (23%) – a meta para 2035 é atingirem 26% da área do país com cobertura florestal, quase o dobro do que havia quando começaram a "plantar água".

Tudo isso certamente contribuiu para diminuir o interesse chinês em investir no Brasil – e deverá se manter assim até 2023 –, mas não diminuiu a importância estratégica do país para a China. As exportações seguem como dantes, mas a situação se agravará, como resultado da "crise dos containers", a dificuldade de se obter navios, e os preços dos fretes marítimos nas alturas – e esse estrangulamento da logística mundial inevitavelmente nos afetará, inclusive importações, que ficarão mais demoradas e caras.

Uma coisa é certa: apesar das crises – lá e cá – e dos seus impactos negativos, nunca a nossa relação com a China esteve tão intensa, em todos os aspectos. Como impacto positivo, interesse de governos, universidades, empresas e cooperativas do Brasil de iniciar ou dinamizar relações institucionais e comerciais com seus equivalentes na China.

O câmbio, a pandemia e os custos altos de modo geral atrapalham, mas não há alternativa, quem pensa estrategicamente a relação com a Ásia, e a China em particular, tem de ir para lá em 2022: participar de feiras, visitar empresas e governos, fazer promoção de municípios, produtos e oportunidades de investimento. 

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Quinta, 28 Março 2024

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