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Em 2008, quando subiu ao palco para receber o Prêmio Eisner, o mais importante da indústria dos quadrinhos, o roteirista norte-americano Brad Meltzer dedicou-o "não aos heróis, mas àqueles que tentam; a todos os nerds, geeks e losers, e a caras como os autores do Brasil, que continuaram tentando". Referia-se a três ilustradores brasileiros que, naquela ocasião, traziam o troféu pela primeira vez para o país.
Nos últimos 15 anos da Fórmula 1, ninguém tentou tanto, e continuou tentando, quanto Nico Hülkenberg. Entre idas e vindas na categoria, o alemão passou por meia dúzia de equipes e disputou 239 grandes prêmios para, somente no domingo retrasado, em Silverstone, pôr fim à escrita que o tornava o piloto com mais corridas sem alcançar o pódio. Nico chegou em terceiro lugar a bordo de uma modesta Sauber e foi efusivamente saudado pelos integrantes de seu time, na pista, e por outros pilotos, nas redes sociais.
Não foi piedade; foi reconhecimento. O incômodo recorde negativo que o acompanhava não fazia jus a um profissional que, longe de ser brilhante, demonstrara competência suficiente para manter-se na elite do automobilismo por mais de uma década, enquanto jovens promissores surgiam a todo momento reivindicando um assento. Haviam, sim, lhe faltado carros mais competitivos e uma pitada de sorte, embora vez ou outra seus próprios erros o tivessem tirado as chances de levantar um troféu.
O mais interessante, contudo, é que a pecha acompanhava Nico há muito tempo, a ponto de ter se tornado um aposto obrigatório a qualquer menção a seu respeito. E como recentemente sua permanência na categoria vinha acompanhada de um previsível downgrade de equipes, a perspectiva lógica era de jamais quebrar o tabu, e sim ampliá-lo, tornando-o mais vexatório.
"Vexatório"? Derrapada imperdoável do blogueiro. "Nos primórdios da América", escreve o historiador Scott Sandage, "o fracasso era um incidente, não uma identidade". Nada mais estranho aos dias de hoje, de culto à meritocracia, e nada mais diferente daquilo em que Nico acreditava. O alemão recusou-se a definir a si e a sua carreira por uma marca infeliz ou pelo rótulo de perdedor. Vexatório seria não tentar.
O automobilismo é caprichoso. Embora a máquina seja mais determinante que o condutor para os resultados, é sempre o piloto quem se cobre de glórias e espinhos. O costume de enaltecer ou desacreditar um único personagem oculta o fato de que um somatório de competências produz o que se enxerga de melhor e pior nas pistas. Mais ou menos como nas empresas, com seus CEOs-heróis (ou vilões) e uma multidão de trabalhadores anônimos.
Ao contrário do que se poderia imaginar, Nico não fez de sua comemoração um desabafo ou uma catarse amargurada. Não chorou e foi até comedido no pódio e nas entrevistas pós-corrida. Por mais que sonhasse com o momento, talvez também intuísse que sua trajetória era a prova mais evidente de que "vencer na vida não é ganhar. É levantar-se e voltar a começar cada vez que se cai".
José 'Pepe' Mujica sabia bem do que estava falando.
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