Desenvolvimento além da economia
A evolução das economias dos países de 2020 para 2024, aferida pelo Banco Mundial com o conceito de "Paridade do Poder de Compra" (em inglês Purchasing Power Parities, ou simplesmente PPP), serve para esclarecer várias questões, inclusive as distorções históricas resultantes da comparação tradicional realizada unicamente com o dólar, também conhecida como "paridade cambial". De acordo com os dados publicados no site do Banco Mundial, o PIB de todos os países no ano passado atingiu um total (em PPP) de US$ 197,4 trilhões – salto de US$ 70 trilhões em relação aos US$ 127 trilhões de 2020, ou 55% de aumento.
A revelação mais interessante do levantamento do Banco Mundial é que o PIB da China, pela PPP, chegou a US$ 38,2 trilhões, muito distante dos US$ 29,2 trilhões alcançados pelos Estados Unidos (EUA), e mais do que o dobro do da Índia (US$ 16,2 trilhões) – país com população maior do que a chinesa desde 2023. Esse trio no topo deixa longe todos os demais países. Pela PPP, a Rússia é a quarta maior economia mundial, com US$ 6,9 trilhões, seguida de perto pelo Japão (US$ 6,4 trilhões) e a Alemanha (US$ 6 trilhões). Na sequência, pasmem, o Brasil (7º lugar!), com US$ 4,7 trilhões, e a Indonésia (US$ 4,6 trilhões), França e Itália (ambos empatados com US$ 4,2 trilhões).
Os cinco países que originalmente formaram o BRICs (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), representaram 34% do PIB (PPP) mundial em 2024, de acordo com o Banco Mundial. Com o ingresso dos Emirados Árabes Unidos, Egito, Etiópia, Indonésia e Irã, a participação do bloco deverá alcançar 41% da economia mundial neste ano. Ainda que tenham tanta força, não se dispõem, por enquanto, a ter moeda própria, a exemplo do que a União Europeia fez há 26 anos, com o euro. Tais números explicam – mas não justificam, obviamente – os ataques do governo Trump aos BRICs e, em particular, ao Brasil, que teima em crescer a sua economia e o comércio bilateral com a China (US$ 188 bilhões em 2024). O grande temor manifestado por Trump, de abandonarem o dólar, faz todo o sentido. Afinal, os EUA viveram às custas do mundo, nos últimos 80 anos, desde que o dólar virou moeda mundial, a partir do acordo de Breton Woods, em 1944, e o "desmame" custará muito caro, para a economia do país e finanças do governo Trump, dado o tamanho de sua dívida pública. Haverá grande impacto para os EUA quando (e não "se") a China resolver operar o seu US$ 1 trilhão de superávit comercial somente em Renminbi e, progressivamente, ampliar o uso da sua moeda, para os US$ 6 trilhões de comércio com o mundo.
Para analisar esse contexto, o Grupo de Líderes Empresariais e o Consulado da China em São Paulo, realizaram na capital paulista, dia 24 de julho, o evento "BRICS 2025: Cooperação Estratégica em um Mundo Multipolar", para o qual fui convidado a falar sobre o papel dos BRICs na nova ordem econômica. Trabalhamos com relações institucionais entre a China e o Brasil há 28 anos. Aprendi, logo no início, que não existe "certo" nem "errado" nos hábitos culturais de outros povos. Eles são diferentes dos nossos, apenas isso. Precisamos conhecer e aprender a respeitar as diferenças. Entendo que a cooperação econômica e financeira será cada vez maior e mais significativa nos países integrantes dos BRICs, quanto mais intensa for a aproximação cultural entre os seus povos, e menor o domínio da língua inglesa e da propaganda dos Estados Unidos, através dos seus livros, cinema, música e, cada vez mais, do Instagram, Facebook, WhatsApp etc etc.
Quanto melhor conhecermos as características culturais dos parceiros, mais negócios acontecerão, mais infraestruturas serão construídas e maior será a renda per capita; e quanto maior o poder de compra, melhor a qualidade de vida. A cooperação econômica e financeira será ainda mais intensa com o desenvolvimento da Economia Criativa, que permite às atividades culturais a geração de empregos e renda em grande escala. A diversidade e a riqueza cultural da China, Brasil, Índia, Rússia, África do Sul e demais países integrantes do BRICs, precisam ser mais conhecidas e valorizadas. Intensificar o intercâmbio cultural contribuirá decisivamente para que o desenvolvimento alcançado vá além do econômico.
Há muitas possibilidades, em termos culturais, para aproximar mais os nossos povos: festivais, feiras, roteiros gastronômicos, cursos, documentários, livros, teatro, músicas. Concursos de fotografias, pintura, filmes, as mil e uma utilidades do bambu – agora inclusive substituição do plástico. O Instituto Confúcio investe no Brasil e em mais de 100 países no mundo para difundir o mandarim e a cultura chinesa. O Novo Banco de Desenvolvimento (mais conhecido como "Banco do BRICs") e o Banco de Infraestrutura da Ásia podem contribuir financeiramente para que os demais países integrantes do bloco do BRICs também promovam as suas línguas e culturas.
Por exemplo, 2026 será o "Ano da Cultura China-Brasil". Se as capitais, e pelo menos mais uma grande cidade de cada estado brasileiro promoverem atividades culturais no primeiro semestre (lembrando que no segundo semestre haverá a concorrência das campanhas eleitorais), teremos um saldo significativo de contato com a cultura chinesa. Não custa sonhar que a reciprocidade resulte também, do lado chinês, em atividades sobre a cultura brasileira em pelo menos 50 grandes cidades do país. Da nossa parte, continuamos peleando: em 2026 lançaremos dois livros de fotos, um da Cultura da China, e o outro da Cultura do Brasil, e um documentário sobre o Instituto Confúcio, no Pará e em Shandong. Eles serão distribuídos gratuitamente, em meio digital, para muitos milhões de pessoas na China e no Brasil. Chegará o dia no qual todos os BRICs farão também um conjunto de ações recíprocas sobre a cultura de cada um, com edições digitais nas línguas que quiserem. Quando isso acontecer, mais de 3 bilhões de pessoas poderão ser culturalmente atingidas, o que certamente será muito mais agradável do que sanções tarifárias, expulsão de migrantes e gastos com armamentos.
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Comentários: 1
Parabéns querido prof. Milton Pomar, suas colocações são perfeitas!