Méritos adulterados

Outra crise de imagem do Tylenol, 43 anos depois

O Tylenol, um dos mais conhecidos analgésicos do mundo, está sendo processado pelo estado do Texas (EUA) por supostamente causar autismo em crianças cujas mães o utilizaram durante a gravidez. A alegação, para variar, não tem base científica, segundo dizem médicos e estudiosos do assunto. É mais um daqueles episódios que, sabe-se lá como e por quê, disseminam-se pelas redes sociais e invadem a pauta política. Mas serve como pretexto para lembrar outra polêmica em que o mesmo medicamento esteve envolvido 43 anos atrás e que até hoje é considerada um case de marketing.

Em 1982, algumas pessoas morreram ao ingerir cápsulas de Tylenol contaminadas por cianeto, um tipo de veneno. Como moravam em uma mesma região de Chicago, suspeitou-se de uma ação criminosa dentro das farmácias, visto que, à época, os frascos dos medicamentos ficavam à mão dos consumidores e não continham nenhum dispositivo antivolação.

De maneira relativamente rápida, chegou-se a um suspeito e a Johnson & Johnson, fabricante do fármaco, recolheu os lotes ainda à venda. Relançou o produto tempos depois, com uma forte campanha publicitária e embalagens mais seguras, com lacres duplos. A agilidade, a transparência e a diligência renderam à empresa, ao longo do tempo, menções repetidas como exemplo de gestão de crise de imagem.

No entanto, o episódio Tylenol ganhou fama em uma época em que a informação a respeito do assunto restringia-se à imprensa, e as relações entre empresas e governos eram mais opacas. Tanto que houve novos casos de contaminação pelo mesmo veneno, em 1986, quando o suspeito principal seguia na cadeia e os invólucros contavam com os novos recursos de proteção.

Investigações posteriores mostraram que a J&J manipulava cianeto em instalações próximas àquelas em que fabricava a droga, para testes de qualidade – fato ignorado em 1982 em prol da incriminação de um candidato talhado ao posto de assassino e do business as usual.

O que tornou a recuperação da imagem do Tylenol bem-sucedida foi menos a pronta resposta aos consumidores, com a retirada do produto de circulação e as mudanças em sua embalagem, do que esforços de lobby junto às autoridades de saúde dos Estados Unidos e a altas esferas do executivo – Ronald Reagan, quando presidente, homenageou o CEO da companhia em evento na Casa Branca, aliás.

Ao contrário do que se pensa, não foi a transparência que fez a marca sobreviver ao cianetogate, e sim o seu oposto, a invisível atuação nos gabinetes. Fica a dúvida se as escolas de negócios e os acadêmicos engoliram a versão oficial do episódio por boa-fé ou na intenção oculta de preservar um ícone americano.

Para conhecer a história do case Tylenol, assista a esta série documental na Netflix clicando aqui.

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Terça, 18 Novembro 2025

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