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Passou despercebida, em janeiro deste ano, uma matéria da BBC Internacional sobre as dificuldades comerciais da Rússia em meio a seu conflito com a Ucrânia. Atingida por bloqueios, sanções e cortes no fornecimento de produtos e serviços por parte de multinacionais e nações que se opõem à invasão do território vizinho, o país tem recorrido ao escambo para abastecer-se de itens de primeira necessidade, como alimentos. Assim, exporta grão-de-bico e lentilha para o Paquistão, que, em troca, envia tangerinas, batatas e arroz. O governo Putin teria até publicado um guia do escambo, tratado na reportagem como a "mais antiga forma de comércio conhecida".
"Conhecida" ou "inventada"? Sim, porque pesquisadores que se aventuraram nas regiões mais inóspitas do globo nos últimos 100 anos, observando e convivendo com povos tidos como primitivos, jamais flagraram tal tipo de transação – o que os levou a acreditar que as trocas de mercadorias sem intermediação monetária nunca tenham existido, e que sua onipresença na literatura econômica tenha se dado mais em nome da simplificação didática do que do rigor histórico.
Assim como o escambo, que é um senso comum sem comprovação factual, outros mitos estão espalhados por aí, em livros, aulas e palestras – de marketing, inclusive. Exemplos não faltam.
A teoria que descreve o chamado ciclo de vida do produto é um deles. A trajetória de introdução, crescimento, maturidade e declínio comprovou-se empiricamente apenas em algumas circunstâncias. Na maior parte das vezes, os caminhos traçados por produtos e serviços são mais diversos, formando curvas bem diferentes daquele 'S' estilizado do modelo original que, por conveniência pedagógica, segue nas páginas dos livros-textos e das aulas de introdução à disciplina.
E o que dizer do modelo de difusão de novidades, que divide os consumidores em inovadores, adotantes iniciais, maioria e retardatários? É aplicado a modas, modismos, tecnologias e tudo o mais em que parecer apropriado, enquanto sua origem é bem menos fashion ou high-tech: remonta ao padrão de adoção de novas variedades de sementes entre fazendeiros de Iowa (EUA) nos anos 1930 e 1940. Mas, no mundinho do coolhunting, a explicação "tem a força e o poder de uma lei da natureza: universal, abrangente e irresistível" (Coolhunting: Aristotle's Insights) – tanto que continua por aí, vivíssima.
E quantas vezes você ouviu o case do supermercado inglês que, com base em sua poderosa base de dados, posicionou cervejas e fraldas em prateleiras lado a lado para facilitar a vida de pais que assistiam futebol na TV sábado à noite enquanto cuidavam de recém-nascidos? "Ótima história; mas infelizmente foi inventada por um consultor na tentativa de 'vender'(...)" serviços de CRM. "Nenhum varejista jamais fez tal descoberta".
Uma pena. Assim como no anedotário popular, a versão às vezes é muito mais interessante do que os fatos.
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