Dá uma licencinha aí?
Sempre fui meio ortodoxo com extensões de marca, collabs, cobrandings e licenciamentos. Talvez impactado pelos cases negativos da Pierre Cardin e da Bic, acostumei-me a acreditar que uma marca será tão mais forte quanto mais próxima de seu core business permanecer. Mas experiências recentes de quem contraria a minha expectativa mostram que marcas podem ser, também, uma abstração, um imaginário esperando por tradução concreta sob a forma de produtos e serviços.
Não fosse assim a Kodak, aquela mesma de câmeras e filmes de fotografia analógicos, não estaria fazendo sucesso com sua linha de vestuário. Em lojas exclusivas, especialmente na Coreia do Sul, mas também em multimarcas dos Estados Unidos e do Brasil, é possível encontrar camisetas, moletons, mochilas, óculos de sol e bonés, entre outros produtos. O apelo retrô que atrai os jovens permite à histórica companhia vislumbrar uma nova encarnação, desta vez, não como up-to-date tecnologicamente, e sim o seu inverso: símbolo de uma época menos veloz em novidades.
Outro objeto em vias de extinção, o relógio, foi responsável por formar filas de interessados em uma edição limitada endossada por uma marca de...refrigerantes. Expliquemo-nos, pois é meio complicadinho: um dos modelos da Rolex tem aro vermelho e azul, o que lhe rendeu o apelido de "Pepsi", em função das cores coincidentes com as da marca de refresco. A japonesa Seiko aproveitou-se da fama alheia e criou uma linha de seus produtos com as mesmas cores, além do logotipo da companhia norte-americana no mostrador. E para não deixar dúvidas, embalou-o em latas do icônico refri. Resultado: estoque esgotado em questão de horas, senão minutos.
E se olfato e paladar são sentidos interligados (ou quase sobrepostos), não haveria por que não tentar levar sabores para cosméticos ou aromas para guloseimas. Pensando assim, a Granado, de sabonetes, cremes e xampus, criou sua própria sorveteria, onde comercializa gelatos com sabor inspirado em suas fragrâncias. Por aqui, os gauchíssimos chocolates da Neugebauer e o doce de leite da Mumu viraram hidratantes labiais, em parceria com a Panvel. Decerto basearam-se em parcerias bem-sucedidas entre as balas Fini e a farmacêutica Cimed, e em outras menos ortodoxas, como a que uniu uma grife de roupas adolescentes e a Bauducco (!).
Há outros casos interessantes, antigos e novos. A Caterpillar aproveitou-se da imagem de robustez de seu maquinário pesado para vender botinas e outros itens de uso outdoor, enquanto a Pirelli, graças a seu know-how em borracha, licenciou tênis de corrida com sua assinatura. Parece estranho? E que tal sair de boné, agasalho e copo térmico do Metrô de São Paulo?
Marcas representam objetos, expertises e histórias, claro, mas são também emblemas culturais. Se, por um lado, extensões, collabs e licenciamentos exigem sempre a chamada 'autoridade' para serem colocados na rua, por outro reconheço que a melhor maneira de construí-la, muitas vezes, é tentando.
E, como se vê, tentativas não têm faltado por aí.
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