Dinheiro em caixa é vendaval
Dois CEOs, de companhias e setores completamente diferentes, bem que poderiam se juntar para compor uma paródia do samba "Pecado capital", de Paulinho da Viola, aquele que diz "dinheiro na mão é vendaval".
Rafael Sales, presidente da Allos, maior administradora de shopping centers do Brasil, e Gustavo Lembert, que dirige a Tag Livros, clube do livro criado há poucos anos na esteira do chamado marketing de recorrência, deram entrevistas recentes afirmando coisas parecidas: recurso em caixa pode ser mau conselheiro. A diferença é que o primeiro, mais experiente, evitou a tentação do bolso cheio; o segundo, novato, não.
Ao explicar por que a sua empresa entrará num momento de frear investimentos, buscar eficiência operacional e distribuir dividendos aos acionistas, Sales foi bem direto: "o risco de uma empresa rica (...) é fazer bobagem. (...) Empresa rica vira arrogante. (...) Tem que distribuir um pouco de caixa para a empresa ficar esperta".
Já Lembert, impulsionado por uma captação de R$ 7 milhões para um negócio embrionário e promissor, viu-se estimulado a bancar novos projetos e a aumentar a folha de pagamento. O dinheiro "acabou antes do tempo", levou a um layoff e exigiu uma nova rodada de investimentos para colocar a casa em ordem. "Hoje vejo o perigo que é ter muita grana em caixa", confessou.
Conclusões semelhantes para circunstâncias e horizontes de tempo distintos. A Allos, com meio século de história e mais de 50 empreendimentos sob operação, é uma empresa grande, consolidada e que prospecta projetos de longo prazo. Tem de atentar especialmente ao cenário macroeconômico, tido como pouco claro atualmente, segundo seu líder. A Tag, uma startup que surfou a onda dos livros por assinatura, precisava ganhar musculatura para sobreviver ao inevitável pau-de-sebo que adviria da explosão do formato. E, ao que parece, confundiu músculos com inchaço, a ponto de "vender o almoço para pagar a janta", conforme seu cofundador.
A oposição entre longo e curto prazos explica boa parte da cautela de um CEO e da impetuosidade frustrada de outro. Como shoppings são negócios maduros e de ciclos demorados, da concepção ao payback, seu presidente sabe que será possível levantar capital "quando surgir a oportunidade (...)". Ou, em suas palavras, "ir de pouquinho em pouquinho", a fim de cumprir a maratona, mesmo que sem liderá-la. A literatura a domicílio, por sua vez, ainda precisava se provar, e só os que superassem os primeiros metros se cacifariam para o restante da prova. E foi nessa arrancada que a Tag perdeu o fôlego.
A economia é conhecida como a ciência da escassez, e a administração, como a da decisão. Escolher a alocação do insuficiente é o que define o dia a dia das duas atividades.
E a capacidade de transformar tudo isso em verso, o talento de Paulinho da Viola.
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