Reis dos mares

Clientes devem ter todas as suas vontades atendidas, como em "Vida a Bordo"?
É a lei do iatismo: se o pedido não representa risco de segurança para a embarcação ou seus convidados, deve ser prontamente providenciado. O que levanta uma questão: o cliente é sempre o rei?

Reality shows não são a coisa mais edificante do mundo, mas se você quiser uma desculpa para assistir a um deles "por motivos profissionais", pode escolher Below Deck ("Vida a Bordo"), disponível na Netflix. Nele, acompanha-se a rotina das tripulações responsáveis por receber hóspedes endinheirados em veleiros e iates particulares que navegam por cenários paradisíacos do Caribe e da Europa. E, claro, por atender a todos os seus caprichos em busca do suprassumo das recompensas: gorjetas generosas.

Então, dê-lhe preparar piqueniques em praias, jantares românticos, festas com decorações extravagantes, bolos de formato fálico e brinquedos aquáticos variados e tudo o mais que os guests exigirem. É a lei do iatismo: se o pedido não representa risco de segurança para a embarcação ou seus convidados, deve ser prontamente providenciado. O que levanta uma questão: o cliente é sempre o rei? A resposta negativa parece óbvia, mas até meados da década de 1990, não era. Embalado pelos movimentos de qualidade total e o acirramento da concorrência com empresas orientais, o slogan "o consumidor tem sempre razão" espalhou-se como mandamento irrefutável, dando margem a decisões contrárias à viabilidade operacional e econômica dos negócios.

No caso dos serviços prestados por pessoas, mais especificamente, a mentalidade de atender a todos os reclamos de quem paga gera dois problemas. Primeiro, de execução. Equipes são dimensionadas para atender a um determinado número de clientes dentro de um padrão de interação mais ou menos pré-estabelecido. Se em nome de suas idiossincrasias o consumidor demanda excessivamente um profissional ou sai do script com elevada frequência, a experiência de todos fica comprometida. Daí que tenha de vigorar uma espécie de acordo tácito de "me ajuda a te ajudar": o cliente se adapta para facilitar a vida de quem o atende, seja trazendo os documentos previamente organizados para um procedimento burocrático, fazendo o pedido todo de uma vez para o garçom ou sendo objetivo em suas queixas com um médico de agenda cheia. Em retribuição, as coisas tendem a fluir melhor e o serviço, a ser prestado com maior qualidade.

Outra questão que torna o reinado do cliente discutível é a própria gestão dos recursos humanos encarregados de atendê-lo – como mostra o recente caso de abusos contra funcionários narrado nesta reportagem sobre o Japão. A famosa cadeia hoteleira Ritz-Carlton, por exemplo, recusa o ditado de que o cliente tem sempre razão, pois entende "quão humilhante pode ser viver sob este preceito (...). É muito mais fácil tratar os hóspedes como 'damas e cavalheiros' quando você mesmo (empregado) é tratado dessa maneira", afirma Clotaire Rapaille em "The Culture Code" (2006, p. 117). O resultado? "Os funcionários do Ritz-Carlton tendem a ser muito fiéis e orgulhosos do que fazem". E provavelmente bem menos dependentes das gorjetas para ganhar a vida.

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Segunda, 02 Dezembro 2024

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