Atlanta, we have a problem
Talvez nenhum case de sucesso em marketing tenha ficado tão conhecido quanto aquele que é tido como o maior case de fracasso na área: o da New Coke, que completou 40 anos em abril. Em linhas gerais, aconteceu o seguinte. Assustada com o crescimento da Pepsi e com uma campanha publicitária da rival que mostrava, por testes-cegos, que era a preferida dos consumidores, a Coca-Cola reagiu mudando sua fórmula e chamando-a de "New Coke".
A reação entrou para a história: clientes rejeitaram publicamente a nova versão do refrigerante, deixando-se filmar pelas câmeras de televisão derramando a bebida na sarjeta. A Pepsi, que não era boba, aproveitou-se do fracasso adversário para declarar vitória na guerra das colas. E, setenta e sete dias depois, a 'velha' Coca-Cola retornou às prateleiras, acompanhada do rótulo "Classic" (sem desalojar New Coke, que permaneceria disponível por mais algum tempo — vendendo melhor que antes, diga-se de passagem).
Mas por que, afinal, este é um case tão marcante?
Primeiro, porque mostrou os riscos de uma líder de mercado deixar-se levar pela pauta de uma rival. A Pepsi foi quem começou com os testes-cegos. Mas estes impactaram tanto a Coca-Cola que ela mesma passou a conduzi-los, para certificar-se de que as alegações adversárias eram verdadeiras. Ao descobrir que sim, entrou numa nóia de mudar o próprio sabor, o que fez por meio de... testes-cegos. Foram 190 mil deles (!!!) até chegar à execrada New Coke.
Sabe-se que pesquisas são ótimos recursos para tomar decisões, desde que contextualizadas e analisadas criticamente. E isso parece ter faltado à sobressaltada Coca-Cola. Ela ignorou que: 1) sabores que parecem melhores em amostras de um gole podem parecer enjoativos quando bebidos em porções maiores; e 2) o público compra refrigerante de olhos abertos" (A história que construímos - ÉPOCA | Especial 1985, p. 70). Levou tudo ao pé-da-letra, em resumo.
Daí o terceiro elemento que torna esse episódio tão emblemático e uma espécie de inauguração do branding moderno. A Coca-Cola aprendeu, de forma traumática, que não vende refrigerante, e sim uma marca, uma sensação gustativa que evoca memórias. Ou seja, algo intangível, com o que é difícil mexer. Melhor acrescentar novos produtos ao portfólio, mesmo correndo o risco de fracassar em boa parte deles, do que substituir um que é tão icônico. A sobrevida da New Coke foi um indicador nessa direção.
Finalmente, a história registra uma curiosidade adicional: um pedido de desculpas da companhia a seus clientes, definidos como os "verdadeiros chefes" do negócio. Considerando que não se tratou de nenhuma tragédia envolvendo vidas humanas, e sim uma mera substituição de sabor de refrigerante, a manifestação teve um peso simbólico notável.
Ah, sim, e ainda é possível extrair uma última liçãozinha do imbróglio todo. O CMO da Coca-Cola na época, o mexicano Sergio Zyman, que liderou todo o projeto de mudança malsucedido, não foi proscrito do marketing nem obrigado a se esconder numa caverna no Afeganistão. Pelo contrário: virou consultor de grandes empresas, palestrante, autor de livros e, veja só, reconhecido pela sua disposição em correr riscos.
Faz sentido: se a Coca-Cola teve uma segunda chance, por que o mentor de seu desastrado movimento não teria?
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