Um futuro de “marcas diabo”?
Uma antiga expressão popular teve, finalmente, sua provável origem revelada. Gaúchos costumam chamar de “marca diabo” produtos desconhecidos ou de procedência duvidosa. Pois o jornalista Ricardo Chaves registrou, na Zero Hora de 13 de outubro, a existência de uma fabricante de cigarros pelotense do início do século passado chamada justamente ”Marca Diabo” (reprodução acima), cujo nome teria sido inventado para contrastar com os de suas rivais já estabelecidas, que evocavam santos: Santa Bárbara, São Rafael e Santa Cruz. A empresa, ao que tudo indica, não teve vida longa – mas a expressão que originou, sim.
A descoberta serve de mote para tratar da importância das marcas atualmente, especificamente no território digital. No princípio dos anos 2000, quando o e-commerce engatinhava e a banda larga era privilégio de poucos, duas convicções predominavam entre os estudiosos. A primeira, a de que o comércio on-line serviria para vender produtos padronizados e de preço pouco variável, além de não dependentes do tato ou da experimentação para ser adquiridos – caso dos livros, CDs e DVDs que marcaram o início da Amazon. Comercializar itens de supermercado pela internet, ou mesmo vestuário e calçados, nem pensar.
A segunda, a de que as chances das operações on-line dependiam da existência física de uma fábrica ou loja, dado que a confiança no site vendedor seria fundamental para conquistar a preferência do cliente – e desfazer o temor de revelar o número de cartão de crédito e de não receber a mercadoria comprada. Era o chamado modelo “bricks & clicks”, tijolos e cliques, em que a reputação off-line alicerçava os negócios virtuais.
O futuro tratou de contrariar ambas as expectativas, e os motivos foram cinco:
1) o surgimento de sites de busca, especialmente Google, que permitiram a pesquisa de produtos e serviços a partir de suas descrições ou de palavras-chave – mais tarde rentabilizada nos famosos links patrocinados;
2) os marketplaces digitais, tipo Mercado Livre, que no início intermediavam a venda de produtos usados de pessoas físicas, mas, com o tempo, passaram a funcionar como shoppings para fabricantes e varejistas de micro, pequeno e médio porte;
3) o sistema de avaliação e/ou testagem de produtos e serviços por usuários, nos próprios sites dos varejistas digitais, bem como em blogs independentes ou vídeos no YouTube;
4) a possibilidade de devolver produtos comprados on-line, que estimulou a compra por impulso e desfez parte do medo de adquirir itens como roupas e sapatos sem tocá-los, experimentá-los ou mesmo vê-los ao vivo – prática na qual a norte-americana Zappos foi pioneira; e, finalmente,
5) as redes sociais e seu sistema de postagens, pagas ou gratuitas, que acabaram matando os classificados de jornais e as páginas amarelas das listas telefônicas.
Isoladamente ou combinados, esses cinco movimentos tornaram o cenário digital propício para que marcas pequenas ou pouco conhecidas disputassem a preferência dos clientes – e
colocassem em dúvida a recente aposta do fundo de investimentos 3G, dono de grifes como Budweiser, Heinz e Burger King, de que à medida que a venda digital crescer “as marcas ficarão mais relevantes”. Quando se examina a explicação de tal raciocínio – a de que, “quando consome via canais digitais, o cliente não tem a experiência de olhar vários produtos, e [por isso] a memória das marcas conhecidas tende a ganhar peso” (Valor Econômico, 28/05/18) –, o estranhamento só aumenta, visto que a realidade tem desmentido essa premissa desde agora.
Isso não quer dizer que “marcas diabo” dominarão o mundo, claro; apenas que o prêmio dos investimentos em branding, ao menos da maneira tradicional, pode estar começando a diminuir – e a exigir, por consequência, a transformação dessa importante atribuição do marketing.
Veja mais notícias sobre Marketing.
Comentários: