Nome aos bois – e aos cheques e aos venenos
Duas pequenas batalhas em torno dos nomes a serem atribuídos a determinados produtos e serviços vêm sendo travadas recentemente no Brasil – e acompanhá-las é uma pequena lição da importância do rótulo que se empresta àquilo que circula no mercado.
A primeira, mais longa e polêmica, diz respeito à identificação de defensivos agrícolas na legislação que os regulamenta. De “agrotóxicos”, sua denominação tradicional, passariam a se chamar “pesticidas”, embora a proposta inicial fosse designá-los como “produtos fitossanitários”. A intenção declarada é retirar-lhes a pecha negativa e adequar a legislação brasileira às denominações mais comuns no exterior (um ótimo resumo do assunto aqui).
O tema opõe, basicamente, o agronegócio e as entidades ambientalistas e de proteção à saúde. O termo “agrotóxico”, popular e amplamente utilizado, foi criado por Adilson Paschoal, agrônomo da USP, justamente para caracterizar as substâncias como perigosas à saúde – e alertar quem as aplica na lavoura e quem as consome, por tabela, nos alimentos do dia a dia (saiba mais aqui).
Enquanto isso, os bancos se reuniram para discutir uma eventual nova denominação para o cheque especial – aquele que cobre saldos negativos a taxas de juros altíssimas. As instituições não chegaram a um consenso, mas o Santander, que era favorável à mudança, decidiu lançar uma campanha publicitária “alertando” os consumidores: “Aviso aos bancos: parem de chamar de especial o crédito mais caro do mercado. Vocês não vão fazer seu cliente se sentir especial com isso” (mais aqui).
Por que tamanha preocupação com a nomenclatura legal de um insumo agrícola e a designação comercial de um serviço financeiro?
Basicamente porque nossa mente funciona por atalhos. Se ouvimos ou lemos uma palavra repetidas vezes, nosso cérebro passa a associá-la ao contexto na qual está inserida, seja ele bom, ruim ou neutro. Assim, a simples menção de um termo, expressão ou nome passa a se tornar sinônimo de uma ideia ou um sentimento.
“Agrotóxico” é um bom exemplo. A palavra não foi concebida de maneira gratuita, aleatória, e o professor responsável por cunhá-la é bastante claro a esse respeito: “Se eu falo que é tóxico, (...) você vai tomar muito mais cuidado”.
O mesmo princípio serviu para nomear “cheque especial”, só que no sentido oposto. O serviço foi pensado como um eufemismo para permitir que os correntistas gastem mais do que têm, em um suposto privilégio concedido a clientes “especiais”, e não como um recurso emergencial – algo, aliás, que o Santander lembra em outra peça da campanha.
A tentativa de rotular as coisas, sugerindo uma interpretação, chama-se “framing”, e é sobejamente utilizada na política. Nas próximas eleições veremos uma penca delas – e, em última análise, a corrida eleitoral, assim como a mercadológica, constitui uma grande disputa de rótulos. E no caso da política, quase sempre “tóxica” e muito pouco “especial”.
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