Batalhas camufladas
Academia de ginástica concorre com Netflix, que concorre com cinema, que concorre com bares e restaurantes, que concorrem com as bets, que concorrem com todo mundo. Graças à tecnologia, a mudanças comportamentais e a algumas características intrínsecas à competição nos negócios, a disputa entre players atravessa fronteiras setoriais sem pedir licença e torna a velha tarefa de identificar adversários mais difícil.
A forma tradicional de detectar concorrentes é por meio da análise da oferta, cotejando produtos e serviços semelhantes ou substitutos. Assim, uma academia de ginástica rivalizaria com outras de preço, localização e infraestruturas parecidas, sob a primeira ótica; ou com os espaços e aparelhos disponibilizados gratuitamente em parques, praças ou condomínios, sob a segunda.
Há, contudo, o lado da demanda também. Praticar atividade física não é obrigatório e, quiçá, nem desejável pela maior parte da população. Daí que o sedentarismo e a atração exercida pelo lazer dentro de casa, simbolizados pelo streaming de filmes e séries, representem opositores tão ferrenhos quanto qualquer estabelecimento vizinho na tentativa de despertar interesse pelo shape perfeito. Na briga pelo tempo e esforço do consumidor, o sofá e o controle remoto são inimigos duros e quase ocultos.
Tão invisíveis quanto as apostas online. Quando a economia brasileira já dava sinais de recuperação, lá por meados de 2023 e 2024, economistas perceberam que o aumento de renda não havia se transformado em consumo, poupança ou pagamento de dívidas. Tais quais encanadores em busca de um vazamento, concluíram que os trocados que sobravam do orçamento doméstico estavam pingando na conta das bets - e fazendo falta no caixa de supermercados, grandes redes de vestuário e negócios gastronômicos. A luta pela renda discricionária das famílias estava sendo vencida pelo gambling digital.
O que é possível fazer para evitar ser pego desprevenido? Monitorar concorrentes diretos, indiretos ou potenciais, a resposta tradicional, é relativamente simples. Mais difícil é entender os padrões de substituição do consumidor, aferíveis apenas via sondagens de comportamento e de percepção. Desse modo, se Kopenhagen, Cacau Show e outras chocolaterias se digladiam pela preferência dos fissurados no doce, quando o assunto é presentear alguém, seu cardápio de antagonistas aumenta, abrangendo perfumarias – Boticário, Natura etc. -, floriculturas e bazares, por exemplo. É como se uma mesma empresa tivesse boxeadores em diferentes ringues, trocando golpes com adversários diferentes, em categorias diferentes, tentando somar pontos para uma hipotética equipe de lutas. É da pontuação de cada lutador ao fim de um round que dependerá a chance de o conjunto ganhar uma medalha. Dificilmente o desempenho será homogêneo em todos os tablados; em alguns se bate, em outros se apanha, e é da análise dessas performances que virão as estratégias de investimento e desinvestimento de uma companhia.
Versão resumida da última coluna Sr. Consumidor da edição impressa de AMANHÃ. Leia na íntegra aqui.
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