A profissão paralela
Entre os anos 1980 e 1990, com o país à beira da hiperinflação, meu pai se queixava que o Brasil obrigava todo e qualquer cidadão a exercer duas profissões: a sua própria e a de economista. Aprender a levar o dinheiro até o fim do mês ou protegê-lo em aplicações de correção monetária diária não eram tarefas exclusivas de gestoras do lar ou financistas sofisticados – eram mandatórias para quem quisesse sobreviver naquele cenário caótico.
Da nossa época atual pode-se dizer algo semelhante. À formação devidamente registrada em diploma, conselho profissional ou sindicato, recomenda-se acrescentar outra: a de social media. De si ou da empresa em que trabalha, não importa. Publicar em Instagram, TikTok e LinkedIn tornou-se fundamental para vender a própria força de trabalho ou cumprir com os requisitos de manutenção no emprego.
O fenômeno é amplo. Há desde diaristas adotando linguagem publicitária para se definirem como "personal cleaners", afirmando que seus serviços "têm valor, e não preço", até médicos, geralmente de especialidades estéticas, como dermatologia e cirurgia plástica, posando e postando. Há também alguns CEOs pressionados por suas companhias a fazer papel de garotos-propaganda, enquanto outros se sentem bem à vontade no papel de divulgar a si mesmos e aos negócios que conduzem. Todos são alguma coisa + potenciais influencers.
Há um lado positivo. Profissionais liberais e/ou que atuam em ramos com acesso restrito à mídia tradicional, por exemplo, podem construir uma base de contatos e clientes a partir de uma ferramenta simples e barata, obtendo divulgação que, de outro modo, não conseguiriam (Como profissionais com presença digital estão mudando a dinâmica do mercado de trabalho | GZH). O talento em "produzir conteúdo" é que vai determinar o alcance e, em última análise, as chances de repercussão na web – o que é menos dispendioso e mais meritocrático do que a publicidade convencional, ao menos em tese.
Há, contudo, alguns poréns. O primeiro deles é que a capacidade de fazer ressoar uma publicação pode demandar certa apelação, seja por meio da exibição da vida pessoal, seja pela banalização de um tema ou a simples rendição ao formato ligeiro que as redes consagraram. Segundo: a maior parte dos trabalhadores despenderá o próprio tempo ao postar, o que implica sacrificar outras atividades – algumas das quais provavelmente mais relacionadas à profissão que exercem, como frequentar congressos, atualizar-se etc.
Existe, finalmente, um terceiro problema: o desgaste. As redes demandam frequência de publicação e intensa carga emocional para garantir alguma relevância, o que não se alcança sem um mínimo de esforço físico e psi ao produzir as postagens. Recentemente, uma cantora espanhola afastou-se dos palcos devido à exaustão com as exigências da autopromoção digital. Quantos não têm experimentado algo parecido?
Com o Plano Real, em 1994, brasileiros puderam, enfim, abandonar sua "carreira paralela" de economista – apenas para trocá-la, 30 anos depois, pela de criador de conteúdo sobre si mesmos.
Feliz 1º de maio.
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