"O setor elétrico precisa de um grande freio de arrumação"
De volta a Curitiba — onde viveu entre 2001 e 2016 — desde outubro, Diogo Mac Cord assumiu a vice-presidência de estratégia, novos negócios e transformação digital da Copel com a missão de implementar um sistema de TI que guiará as decisões estratégicas da empresa. Tendo no currículo passagens pelo governo federal, onde liderou o processo de privatização da Eletrobras como secretário de desestatização, desinvestimento e mercados do ministério da economia de agosto de 2020 a julho de 2022, ele conta nesta entrevista como a Copel está se preparando para o futuro. Mac Cord ainda antecipa que a partir do ano que vem a empresa poderá ir às compras, caso algo faça sentido para a sinergia dos negócios. O executivo também desaprova o atual modelo nacional do setor elétrico que, em plena realização da COP30 no país, tem dado um mau exemplo ao eleger fontes não-renováveis para o leilão de capacidade que deverá ocorrer em novembro. Confira.
Você assumiu como vice-presidente de estratégia, novos negócios e transformação digital da Copel em outubro do ano passado. Quais são os planos mais importantes e estratégicos, na sua visão, para o crescimento da companhia?
A Copel é uma empresa que fez 70 anos em 2024. Ela tem uma história longa, mas foi uma das últimas empresas do setor elétrico no Brasil a serem privatizadas. Hoje só sobraram a Cemig, em Minas Gerais, e a Celesc, em Santa Catarina, como estatais. Todas as outras foram privatizadas. Qual que é o efeito da privatização ser tão recente? A gente passou por décadas de falta de investimento e acabamos tendo uma tensão dupla com o acionista e com os consumidores. Em 2019, quando o Daniel [Slaviero] assumiu a empresa, a Copel tinha a segunda base de remuneração mais depreciada do Brasil, ou seja, os ativos depreciaram ao longo do tempo. Você coloca um transformador, coloca um poste e, ao longo do tempo, aquilo vai ficando velho. Nesse período de cinco anos, conseguimos realizar o maior investimento de todas as distribuidoras do país. Entre 2020 e 2025, que é um ciclo de revisão tarifária da Aneel, a Copel investiu mais de R$ 11 bilhões. Não existe outra distribuidora no país que tenha feito um investimento dessa magnitude. E o efeito disso é que a Copel hoje tem uma das melhores qualidades de atendimento. Começamos em num patamar muito baixo e conseguimos correr muito rápido. Em termos de atenção ao cliente do estado do Paraná, a Copel está fazendo um trabalho absolutamente formidável.
E do ponto de vista do investidor?
A Copel foi uma das primeiras empresas do Brasil a abrir capital e também foi a primeira empresa do setor elétrico no Brasil a emitir ADRs na Bolsa de Nova Iorque. Então a gente precisava, obviamente, dar uma atenção maior aos investidores. Até o finalzinho de 2018, a Copel tinha uma base de 8 mil acionistas. Hoje, totaliza alguma coisa em torno de 360 mil pessoas. Se fazer uma pesquisa no Google sobre o comportamento das ações, vai ser possível notar que nos últimos 20, 25 anos, até 2019, a empresa andou de lado, pois não devolveu para o acionista nem a inflação [do período]. Agora, de 2019 para cá, a Copel aumentou em quatro vezes seu valor de mercado. Significa que entregamos muito mais qualidade para o cliente, fizemos o maior investimento do país nesses últimos cinco anos e ainda conseguimos multiplicar o valor da companhia por quatro. Foi um um movimento que, apesar de ser absolutamente extraordinário, nos impõe novos desafios. O nosso compromisso agora é continuar nesse ciclo virtuoso iniciado em 2019 para transformar realmente a Copel numa empresa de referência para todo o país.
O fato de a Copel ter se tornado uma Corporation fará com que o atingimento desses objetivos seja mais fácil ou mais rápido?
A Corporation tem um desenho sem controle definido. Quando você tem uma empresa de dono, se esse dono for um cara absolutamente extraordinário, digamos, de visão, ele faz o negócio acontecer e, bom, é muito difícil que apenas uma pessoa consiga ser perfeita ao longo de décadas. A grande vantagem de uma Corporation é você ter uma governança muito mais sólida, pois como não há um dono definido, quem garante que as decisões que a administração toma são as melhores? Por isso temos algumas premissas que estamos começando a disseminar dentro da companhia e uma delas é que precisamos ser uma empresa orientada por dados. Ou seja, nossas decisões precisam ser tomadas por dados, não por achismo, não por intuição. Acho que confio na minha intuição, assim como acho que o Daniel tem certeza que confio na intuição dele e, ao final, precisamos provar que as nossas decisões têm amparo na realidade. No programa de transformação digital que está sendo conduzindo agora, que é o maior programa de transformação digital das utilities do Brasil, estamos atualizando todos os nossos grandes sistemas, como o ERP, o SAP, que é a espinha dorsal de tudo o que acontece na empresa. O ERP interliga os nossos sistemas contábeis com tudo o que acontece realmente na ponta. Seremos a primeira distribuidora do Brasil a colocar o S4HANA, que é a última versão da SAP com Inteligência Artificial embutida, um negócio formidável. Também temos um sistema de georreferenciamento. Imagine que as empresas de energia, de maneira geral, representam o serviço mais capitalizado e mais universalizado do Brasil. Cada lugar que você vai, tem um poste enfiado ali. Para controlar alguns milhões de postes e algumas dezenas de milhares de transformadores há uma base georreferenciada. Estamos fazendo uma coisa bem interessante que ninguém mais no Brasil está fazendo, inclusive. Identificamos uma startup que está fazendo algumas provas de conceito e melhorando o trabalho que eles oferecem. Essa startup tem uma câmera, como essas do Google Street View, em um carrinho que percorre toda a rede da Copel. Esse equipamento faz uma análise por Inteligência Artificial de todas as imagens e consegue identificar, por exemplo, um poste que esteja trincado, que precisa ser substituído, um gato na rede elétrica, uma vegetação que está próxima e que possa ser derrubada por causa de um temporal etc. Esse carrinho faz o trabalho muito melhor e muito mais rápido isento de falhas do que um ser humano pudesse fazer. Além do mais, o nosso sistema é conectado com imagens por satélite que dá uma precisão de até 15 centímetros. É um exemplo de como temos trabalhado a inovação e a transformação digital para continuar elevando ainda mais aqui o padrão do serviço.
Quando a Copel prevê que se tornará uma das três maiores empresas do Brasil em seu segmento?
O nosso padrão agora não é de crescimento pelo crescimento. No passado, as estatais tinham muito custo, havia uma necessidade para crescer e não importava o custo. Se considerássemos que há cinco anos nosso market cap [valor total de mercado de uma empresa, calculado multiplicando o preço de cada ação pelo número total de papéis em circulação] era de R$ 8 bilhões e hoje é R$ 32 bilhões, o multiplicamos por quatro. Acho que não existe outra empresa que tenha conseguido correr tão rápido quanto a Copel. Começamos lá embaixo, conseguimos chegar em um patamar muito grande e um fator interessante desse processo todo é que a Copel não comprou ninguém. O crescimento não foi por meio de aquisição de empresas novas. Foi melhorando o que a gente já tem. E temos vontade de continuar crescendo, sem dúvida, mas com responsabilidade e razoabilidade. Não vamos crescer por crescer, não vamos comprar qualquer coisa. Obviamente que a hora que identificarmos uma boa oportunidade, o faremos. Um exemplo disso é o descruzamento recente de ativos que fizemos com a Eletrobras, onde éramos sócios de alguns negócios. Passamos para a Eletrobras uma usina que tínhamos no Mato Grosso, pois a Eletrobras era dona de outras usinas no Rio Teles Pires, algo que teria uma maior sinergia para ela. Já nós compramos Mauá, uma usina de grande porte aqui no Paraná, juntamente com uma linha de transmissão que conecta o Paraná a São Paulo que se chama Mata de Santa Genebra. Foi uma oportunidade muito boa e agregou um valor muito importante. Como uma Corporation, nesse caso, conseguimos agir muito rápido para fechar um negócio que foi muito bom para a empresa. Nosso momento é de reflexão interna. Neste ano estamos olhando da porta para dentro e vendo como a Copel consegue ficar cada vez melhor. A partir de 2026 começaremos realmente um ciclo de expansão, caso encontremos boas oportunidades, e acho que vamos encontrar. O setor elétrico hoje no Brasil está passando por um momento onde existem muitas empresas que desistiram do consumidor, onde a qualidade fica muito aquém do que deveria. Enxergamos que brevemente elas tendem a perder o contrato e serão obrigadas a repassarem esse controle a quem saiba fazer o serviço.
Então existe a perspectiva de entrada em novas regiões, além de onde já está presente? E no exterior, também é possível?
Em termos de presença em estados, não é um problema. Agora, em se tratando de sinergia, será que faz sentido ter uma linha de 200 quilômetros no Amapá ou uma Pequena Central Hidrelétrica no Rio Grande do Sul? Talvez sim, talvez não. Depende. Recentemente desinvestimos de nossos ativos de pequeno porte. Quando você tem um ativo de grande porte, ele justifica ter uma operação em outro lugar. Agora, quando a operação é muito pulverizada, não há como absorver sinergia. Por essas razões estamos buscando operações que justifiquem nossa atuação. Em se tratando de movimento internacional, é a mesma lógica, mas com um fator ainda mais importante, que é a complexidade do cenário regulatório. O setor elétrico é muito complexo em todos os lugares do mundo. No Brasil você tem pessoas com décadas de experiência no setor elétrico. Eu fui coordenador do MBA do setor elétrico da Fundação Getúlio Vargas. Eu criei esse MBA há muitos anos quando eu quis me especializar no setor e não existia uma especialização. Depois foi um sucesso enorme, mas já saí já faz bastante tempo. Vou ilustrar um caso, um drama dentro do Brasil. Se eu for atuar na Colômbia, no Peru, vou ter de aprender tudo de novo. Então, talvez eu ainda tenha muitas boas oportunidades dentro do Brasil, onde já conheço a regulação, onde já sei jogar o jogo, pois veja, livre mercado é livre mercado. Então, que vença o melhor. Quando você vai para um ambiente regulado, você tem várias nuances que não necessariamente refletem a realidade de um ambiente 100% livre. Você acha que faz muito sentido buscar fazer o melhor possível, dentro de alguma perspectiva, mas a Aneel entende que aquilo não é positivo e, no limite, a regulação pode até mesmo tirar valor da sua companhia. Se você faz algo que para que é bom para a empresa, não tem de fazer um negócio pelo fato de o regulador estar dizendo para você que aquilo não é importante. Aqui dentro [do Brasil] a gente conhece bem os botões onde precisa apertar, onde não precisa apertar e lá fora não necessariamente. É um fator importante que consideramos. Gostaríamos de um dia atuar fora do Brasil? Sem dúvida, mas talvez agora seja muito cedo para pensar nisso.
Especialistas têm afirmado que futuramente o uso massivo de Inteligência Artificial, assim como a manutenção do funcionamento dos data centers e carros eletrificados, demandarão muita energia. A Copel está se preparando para esse cenário?
A Inteligência Artificial é uma grande demandante de energia. Em março, estive no CERAWeek, o maior evento de energia do mundo, em Houston, nos Estados Unidos, e não se falava de outra coisa, além de IA. Os datacenters de hoje exigem pouco processamento e pouca demanda por energia. Já os datacenters para IA muitas vezes consomem mais energia do que cidades inteiras. E hoje não existe energia para isso. Essa sobreoferta que se fala muito no setor elétrico, na verdade ela é uma sobreoferta de energia intermitente, eólica e solar. Não posso informar ao Google e que o datacenter dele só vai funcionar quando estiver ventando ou só pode funcionar de dia, quando tiver sol. O fornecimento, nesse caso, tem de ser 24 por 7. Por isso que o Bill Gates está investindo em energia nuclear nos Estados Unidos, pois é [uma fonte] não intermitente e sem emissões. O Brasil não tem infraestrutura suficiente para atrair os grandes datacenters nesse volume que tem se noticiado. Parece muito mais um devaneio no padrão do hidrogênio verde de um, dois anos atrás do que propriamente uma realidade. Com relação ao veículo elétrico, há uma demanda de curto prazo já. A Copel foi pioneira no estabelecimento de uma eletrovia, que corta inclusive o estado todo do Paraná, mas a demanda ainda é muito pequena. Estamos colocando alguns eletropostos em centros urbanos, nos centros comerciais ou nos grandes prédios, para que possamos ter uma demanda mais perene e testar. A Copel tem um projeto grande junto com o Lactec, o maior centro de pesquisa e desenvolvimento do setor elétrico do Brasil que aqui no Paraná, dentro da Universidade Federal (UFPR). Esse projeto é para desenvolver um carregador que tenha a capacidade de fazer com que um automóvel seja carregado em até 20 ou 30 minutos.
O recente pedido da ampliação da capacidade de geração das usinas de Segredo e Foz do Areia já vai ao encontro dessa estratégia de oferecer mais energia? Ou é algo mais pontual com o leilão que deverá ser realizado em novembro?
O governo precisa contratar energia não intermitente. Esse é o objetivo desse leilão. É como se fosse um jogador reserva, que fica aquecido, forte e bem treinado. Quando o titular sair de campo, entra imediatamente o reserva que mantém o ritmo do jogo. O leilão de reserva de capacidade é feito para que o sistema tenha uma boa base segura, de modo que possamos atrair os datacenters. Atualmente não temos essa segurança. E o Operador Nacional do Sistema (ONS) já identificou que poderemos ter um problema de potência a partir de 2029. O Brasil pode enfrentar blackouts a partir de 2029. Isso é fato. Se não tivéssemos leilão neste ano, estaríamos contratando blackouts para o próximo governo. Essa será a colaboração da Copel com Foz do Areia e Segredo: oferecer segurança ao sistema. Só que tem de ter leilão, pois no modelo brasileiro não é o que se chama de energy only no mundo, onde uma empresa pode construir e sair vendendo. É o governo que tem de organizar um leilão. Na portaria que chegou a ser publicada, mas que foi cancelada depois, a fonte hidráulica foi a última das outras nove que foi citada. Ou seja, se não tivessem contratado tudo o que precisavam com termoelétrica, aí sim, quem sabe, talvez, avaliariam contratar uma hidrelétrica. Isso em ano de COP no Brasil. Essa é a realidade de hoje. A Copel acredita em energias renováveis, tanto é que vendemos a distribuidora de gás [Compagas] e duas termoelétricas. O parque que temos é 100% renovável. Mas precisamos que o governo acredite também que [a energia] renovável é melhor. E que a gente precisa de potência. Precisamos que o leilão aconteça neste ano e que realmente seja dada prioridade às fontes renováveis.
Quais são as possibilidades de inovação no campo da energia elétrica atualmente? Ficaram famosos os capacetes com sensor da Copel e, mais recentemente, os medidores inteligentes.
Somos pioneiros em se tratando de nosso parque de medição inteligente. Quem tem esse equipamento em casa pode, por exemplo, por meio do aplicativo da Copel, saber quanto consumiu em determinado mês, comparar esse dado com os vizinhos. Ninguém oferece isso no Brasil. É algo diferente, porque hoje a experiência que as distribuidoras de energia tem com o seu cliente se resume a um débito automático no final do mês. Ou se você não tem débito automático, entra no aplicativo, emite uma fatura e paga. Pronto. A pessoa só liga para sua distribuidora reclamando quando falta luz. E é um relacionamento ruim. Imagina só ligar para o namorado ou namorada quando tiver alguma coisa errada. Tem de ligar quando acontece alguma coisa boa, tem de ter um relacionamento legal. Estamos investindo muito no relacionamento com o cliente. Ele tem de enxergar valor nessa parceria que ele tem com a Copel, muito além de um débito automático no final do mês. Então a gente tem investido muito na experiência do cliente, mas ainda tem muito a ser feito.
É possível inovar também abrindo novas frentes de negócio? Há quem defenda que as distribuidoras possam oferecer para a base de seus clientes serviços como seguros ou microcrédito. A Copel vê uma oportunidade como esses modelos?
Esse aqui é o aplicativo da Copel (Diogo mostra a tela do app). Inauguramos uma nova área dentro do App para justamente oferecer seguros. A Copel nunca tinha vendido esse tipo de cobertura. Oferecemos dois tipos de seguro, que é o Protege Casa e o Protege Vida. No seguro residencial, o cliente consegue encontrar serviços que necessita, como um eletricista. Por qual razão fizemos? A gente ganha muito ou a gente ganha pouco com isso? Primeiro há um potencial para escalar, pois temos uma base de mais de 5 milhões de unidades consumidoras em todo o Paraná. Nessa linha, queremos oferecer algumas coisas que melhorem a vida de nossos clientes. É a primeira experiência que estamos fazendo nesse sentido, mas estamos estudando outras possibilidades, ainda de maneira conceitual.
Como o você avalia o atual panorama do setor elétrico brasileiro? Algo falhou na concepção das regras do sistema e no planejamento dos investimentos ao longo do tempo?
O setor elétrico brasileiro começou muito bem planejado, bem organizado, com engenheiros dizendo o que precisava e o que não precisava ser feito. Em algum momento, os lobistas tomaram conta. E acabou se perdendo. Precisamos de um freio de arrumação hoje, pois os subsídios são impagáveis. E aí é aquilo, quando todo mundo paga a metade, todo mundo paga o dobro. E da maneira mais disfuncional possível, pois quando existe o mercado livre, as decisões são racionais. A partir do momento que existe um regulador, um legislador começando a definir um monte de regras em condições normais de temperatura e pressão, onde você não tomaria aquela decisão, o mercado se torna disfuncional. Hoje o nosso mercado é muito disfuncional em geração distribuída. Como isso tem sido viabilizado? Lembro que orientei um aluno de MBA quando fui professor da Fundação Getulio Vargas, cujo TCC era sobre geração distribuída em Curitiba, mais precisamente sobre viabilidade do uso de painéis solares na cidade. Pasmem que a conclusão foi que não valeria a pena porque não tem sol aqui. Geração solar em um lugar que não tem sol costuma ser difícil [implementar]. Mas se tiver um mecanismo dentro do setor elétrico que pague cinco vezes o valor da energia? Desse modo, o negócio começa a ser viabilizado, mas de modo artificial. Hoje a geração distribuída é uma solução artificialmente viável. No Ceará deveria parar de pé, mas em Curitiba não. Então você cria distorções muito grandes. O setor elétrico hoje precisa de um grande freio de arrumação. Há várias coisas que precisam ser revisitadas para que retornemos a ter racionalidade econômica no setor elétrico.
Qual sua opinião sobre a proposta de reforma do setor elétrico? É mesmo uma reforma ou parece mais um "puxadinho" diante do cenário que você acaba de expor?
Ela tem alguns avanços importantes, como a abertura do mercado. Isso fará com que as pessoas consigam escolher o fornecedor de energia. Claro, o fio vai continuar sendo da distribuidora local, mas em termos de qualidade de atendimento é muito importante que se tenha uma boa distribuidora, pois a infraestrutura física continuará sendo um monopólio natural. Mas pelo menos em termos de preço, o consumidor conseguirá encontrar fornecedores que tenham valores mais interessantes ou produtos que sejam mais adequados. Ou se a pessoa aceita pagar mais por uma energia renovável ou fóssil, enfim. A partir disso, os brasileiros começarão a ter alguma consciência que talvez até hoje não tivessem, pois não chega até eles a sinalização de preço. O valor vai todo para um bolo e torna-se um prato cheio para os lobistas. Porque quando o consumidor final não sabe o que está por trás da tarifa de energia dele, aquilo dali pode virar o que quiser. Por isso a abertura do mercado é muito positiva. Está longe de ser uma reforma estrutural do setor, mas tem alguns mecanismos que são importantes.
Qual sua opinião sobre a proposta de reforma do setor elétrico? É mesmo uma reforma ou parece mais um "puxadinho" diante do cenário que você acaba de expor?
Ela tem alguns avanços importantes, como a abertura do mercado. Isso fará com que as pessoas consigam escolher o fornecedor de energia. Claro, o fio vai continuar sendo da distribuidora local, mas em termos de qualidade de atendimento é muito importante que se tenha uma boa distribuidora, pois a infraestrutura física continuará sendo um monopólio natural. Mas pelo menos em termos de preço, o consumidor conseguirá encontrar fornecedores que tenham valores mais interessantes ou produtos que sejam mais adequados. Ou se a pessoa aceita pagar mais por uma energia renovável ou fóssil, enfim. A partir disso, os brasileiros começarão a ter alguma consciência que talvez até hoje não tivessem, pois não chega até eles a sinalização de preço. O valor vai todo para um bolo e torna-se um prato cheio para os lobistas. Porque quando o consumidor final não sabe o que está por trás da tarifa de energia dele, aquilo dali pode virar o que quiser. Por isso a abertura do mercado é muito positiva. Está longe de ser uma reforma estrutural do setor, mas tem alguns mecanismos que são importantes.
O que é necessário fazer para melhorar o marco regulatório do setor? Onde estão as principais falhas?
Tem muita coisa [a fazer], mas talvez o principal seja garantir que o legislador e o regulador parem de selecionar fontes. O tripé do setor elétrico é formado por confiabilidade, que é segurança, modicidade e sustentabilidade. É preciso garantir, no final das contas, esses pilares. Nos últimos anos o foco foi muito dirigido para a sustentabilidade, onde os lobistas aproveitaram muito dando vantagens para as fontes eólica e solar que são intermitentes. E a intermitência exige redundância. Imagina um restaurante onde alguns garçons só aparecem para trabalhar quando está ventando. O que resta a fazer? Contratar outro garçom que vá trabalhar todos os dias. Significa que o restaurante acaba pagando dois garçons. A redundância custa muito, por isso que a tarifa explodiu no mundo todo, pois esqueceram o pilarzinho de modicidade tarifária. E aí quando você fala em ESG, puxa vida, será que não é ESG garantir que os mais pobres consigam pagar a própria conta de luz? Estão tentando um gol de mão agora, pois querem isentar a tarifa, para ser de graça. O que vai acontecer? Vai aumentar ainda mais os encargos. A gente tem de pensar nesse tripé. Por isso que o Brasil é um país muito abençoado, pois temos fonte confiável que atende ao pilar de segurança. Ela é barata e atende ao pilar de modicidade. E ela é renovável, que é hidráulica. Só três países grandes no mundo têm um parque hidráulico do porte do Brasil. É o Brasil, a Noruega e o Canadá. E os três não estão entrando em um leilão de reserva de capacidade para contratar termoelétrica. Os Estados Unidos, sim, porque tiveram a revolução do shale gas. Eles têm gás muito barato, coisa que no Brasil é proibido, você não pode ter exploração de shale gas no Brasil, pois é proibido por lei. Os Estados Unidos têm gás muito abundante, muito barato e eles não têm hidroelétrica. O Brasil tem. Temos de parar com esse complexo de vira lata, de olhar para outros países. Ah, mas a Alemanha está avançando em eólica. Sim, porque eles não têm outra opção. Eles dependem do gás da Rússia e não tem hidráulica. Ah, mas os Estados Unidos agora estão avançando em gás, temos de copiar. Sim, porque eles não têm hidráulica. Quando você tenta copiar a solução de um país que tem um problema diferente do seu, a chance de você copiar a solução errada é enorme. A gente tem outro tipo de problema, e a gente obviamente tem outro tipo de solução. Precisamos avançar muito mais na geração hidráulica, que trouxe o setor elétrico até aqui, ou até 20 anos atrás, e aí acabou se perdendo. O ponto mais importante que precisamos mudar do setor elétrico é parar de tentar escolher fonte. Preciso de energia neste momento. Quem me oferece essa energia? E se coloca um adicional de preço para quem for poluente. É como tirar mais R$ 100 o megawatt-hora para compensar as externalidades negativas. Pronto. E aí que vença o melhor, que vença o mais barato, aquele que tenha energia disponível no momento e que seja competitivo em termos de emissão. Isso dá maior orientação ao mercado tendo menos intervenção e com um olhar mais livre. Isso é o mais importante que precisamos.
A nova ordem econômica do comércio global, após o anúncio das tarifas dos Estados Unidos, vai impactar de algum modo o setor elétrico brasileiro, na sua visão?
Não sei como que estão essas tarifas, pois todo dia parece que agora tem tarifa, agora não tem, agora tem de novo, agora tem metade, agora tem. Agora, assumindo que a gente tem um patamar alto de tarifa, principalmente para a China, qual que é o efeito de curto prazo que você teria no Brasil? Redução dos custos de equipamentos. A China passaria a direcionar os equipamentos dela para o Brasil, para vários outros lugares do mundo, e o Brasil é um grande mercado consumidor. Teríamos uma redução dos custos de equipamento, o que é bom, pelo menos no curto prazo. Um outro fator são os veículos elétricos. Se a China não tem mais um mercado americano pra exportar as baterias dela, as fábricas estão lá, com custo afundado, ela terá de achar outros mercados consumidores. A gente ainda teria uma enxurrada daqueles navios cheios de carro elétrico chegando ao Brasil. Esse seria um efeito imediato, caso as tarifas continuem no patamar elevado, que não sei se vão ficar.
"O setor elétrico precisa de um grande freio de arrumação. Há várias coisas que precisam passar por revisão para que voltemos a ter racionalidade econômica"
Diogo Mac Cord, vice-presidente de estratégia, novos negócios e transformação digital da Copel
Qual que é a sua expectativa para a realização da COP30 no Brasil?
A sinalização que estamos dando é a oposta que deveríamos dar. Acho que andamos para trás. A tarifa atualmente, de novo, não é ESG que se quer tarifar. E não é com o gol de mão que resolve. É com isenção. Tem de resolver de maneira estrutural. Essa contratação de termoelétricas, inclusive a óleo diesel existente, foram projetos que foram criados para resolver o problema do racionamento de 2001. Não é possível que em 2025 a gente chegue à brilhante conclusão que a salvação do setor elétrico é prorrogar por mais de dez anos os contratos das termoelétricas que salvaram o Brasil do racionamento de 2001. É impensável isso. Mas é exatamente o que estamos fazendo. A sinalização é muito ruim.
Como você avalia o momento da economia da região Sul como um todo e a economia paranaense em particular?
O Sul está indo muito bem. O agronegócio está indo bem, por consequência o Sul vai bem. Aqui no Paraná só a Copel, com sua distribuidora, investiu nos últimos anos mais de R$ 11 bilhões. Neste ano estamos investindo mais R$ 3 bilhões, sendo R$ 2,5 bilhões na distribuidora e mais R$ 500 milhões em nossas usinas. Temos um programa de revitalização das rodovias aqui no Paraná que vai injetar mais R$ 50 bilhões na economia. Isso aumenta a produtividade do agro, tem muita coisa legal acontecendo no Paraná. A economia do Paraná tem crescido de maneira recorrente acima da média do PIB nacional. E isso tem sido muito positivo para nós. Inclusive, a economia paranaense passou o Rio Grande do Sul. Felizmente, isso ocorreu ainda antes da tragédia do ano passado. Mas isso não significa que o Rio Grande do Sul esteja indo mal, pelo contrário. O Sul todo, Santa Catarina também, tem avançado muito. E isso torna o mercado muito bom para o setor elétrico, porque é uma população com baixíssima inadimplência. O sulista é um bom pagador. Ninguém gosta de dever. Não tem gato. O furto de energia é muito baixo. É um ambiente muito positivo para negócios de maneira geral e para o setor elétrico não podia ser diferente. E como a economia tem corrido aí a passos largos, tem sido um mercado muito bom. Agora, dito tudo isso, e aí o Rio Grande do Sul pode falar isso melhor do que todos os outros estados, mas a região Sul é muito mais exposta aos eventos climáticos extremos. Devemos reaprender a fazer o trabalho de serviços públicos de maneira geral, não é só energia elétrica. A ponte não pode cair quando ocorrer um evento climático acima da média, pois eles serão cada vez mais comuns. Da mesma forma a rede elétrica. Estamos fazendo um trabalho de pesquisa para desenvolver uma plataforma junto com várias outras distribuidoras do Brasil. É um trabalho que desenhei até antes de entrar aqui. A Copel é uma das patrocinadoras, mas é um trabalho feito pela Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee). Através de imagens por satélite conseguimos identificar uma série de alertas para posicionar equipes nos lugares corretos, no caso iminente de um evento climático extremo, iniciativa que ajuda a nos preparar muito melhor.
Esse conteúdo é parte integrante da edição 349 de AMANHÃ. Acesse a publicação completa clicando aqui.
Comentários: