Estranha-se ou entranha-se?
A KTO, site de apostas esportivas, passou a assinar seus anúncios em rádio com seu slogan internacional ("Know the odds"), em detrimento do que utilizava anteriormente, em português ("Conheça as probabilidades"). A decisão surpreendeu um pouco. Afinal, o mais comum entre multinacionais é adaptar o bordão a cada país, tentando uma tradução de boa sonoridade e fiel ao espírito do posicionamento. Foi assim com o McDonald's ("I'm loving it" virou "Amo muito tudo isso"), Mastercard ("Priceless" virou "Não tem preço") e, historicamente, com a Coca-Cola ("Always", "Coke is it!", "Open Happiness" que se tornaram "Sempre", "Coca-Cola é isso aí" e "Abra a felicidade", por exemplo). Por que não seguir por essa linha?
Imagino que por dois motivos. Primeiro, porque se trata de uma empresa mundial com operação em vários países e, a fim de evitar uma multiplicação de slogans proporcional ao número de nações em que atua, é possível que tenha optado pela língua franca dos nossos tempos, o inglês. E, antes que alguém diga que as assinaturas de anúncios poderiam se repetir de acordo com o idioma, e não necessariamente com os territórios de atuação, lembro que parte das frases-ícone da Coca-Cola já diferiu entre Portugal e Brasil. Se apenas duas nações, que compartilham uma "língua secreta" como o português, provocaram necessidade de adaptação, o que dizer do espanhol e do francês, que contam com falantes espalhados em um número muito maior de países, para não mencionar o inglês, provavelmente dotado de sutilezas e ambiguidades das quais nem desconfiamos?
Segunda razão: a barreira para um slogan em língua estrangeira, ao menos no Brasil, ficou sensivelmente menor com a disseminação do estudo do inglês em escolas particulares desde os primeiros anos. E, para os não familiarizados com o idioma, não há nada que a internet não resolva. Ao digitar o bordão da KTO no Google, automaticamente vem a tradução, num sinal de que o consumidor foi às buscas devido a um estranhamento inicial – devidamente sanado pelo Oráculo de Mountain View. Cabe a KTO, agora, torcer para que a tática dê certo, e o "Know the odds" vire uma espécie de "Just Do It", da Nike – universal, facilmente associável à marca e nunca traduzido – e não um "Das Auto" ("O carro"), da Volkswagen, felizmente abandonado. Chegar ao nível de "The Citi never sleeps" ("O Citi nunca dorme", do Citibank), compreensível mesmo para os pouco iniciados no idioma, também não ficaria ruim.
Problema, mesmo, seria fazer o caminho contrário e tentar internacionalizar um bordão em português, especialmente se concebido por um poeta, e não um publicitário. Convocado pela Coca-Cola para criar uma assinatura para o lançamento do refrigerante em Portugal, em 1927, Fernando Pessoa saiu-se com esta pérola: "Primeiro estranha-se; depois, entranha-se". Agora, cabe ao público saber se "Know the odds" será por demais estranhado ou acabará entranhado.
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