O caminho acaba aqui

Gostei de Francisco, que, nos últimos anos, foi uma espécie de vigilante da decência

Francisco morreu. Pudera. Depois de uma recuperação vertiginosa, deu-se ao desprazer de receber o vice de Trump, o mesmo idiota que disse há um mês em Munique que "havia um xerife novo na cidade". No lugar dele, eu teria me poupado desse despautério. Mas daí talvez advinha a grandeza dele. Com a morte de Francisco, perdemos a última referência de alcance global que inspirava-nos a nutrir bons sentimentos. Pode-se dizer que ainda temos o Dalai Lama. Mas a tração política do Vaticano é sabidamente outra.

É difícil imaginar uma época da humanidade em que tenhamos soçobrado num vazio de lideranças tão grande. Para complicar mais o panorama, vivemos no limiar de incertezas abissais de dois tipos. Umas são estruturais, comportamentais, de valores - o que é esperável, na esteira do embalo tecnológico que nos abraça desde o século passado. Outras derivam da incompetência, da desarticulação, da incúria. À mercê de palermas com poderes abissais, engolfados pela Inteligência Artificial, reféns de empresas de tecnologia que manipulam meio mundo, o planeta se prepara para sua pior quadra recente. 

Assim sendo, com o virtual alheamento dos Estados Unidos do panorama global, já não poderemos desenvolver vacinas em tempo recorde. E vários países partem para armar-se nuclearmente, como Coreia e Alemanha. Até da Polônia já se fala, para não mencionarmos o Irã. Francisco morreu trabalhando. Circulando entre fiéis, animando o mundo da cristandade, o que quer que isso signifique hoje. Valorizou o hábito, disse não à preguiça, não se contentou com o sermão online ou virtual. Não trabalhou "remoto", como esses ardilosos pós-pandêmicos.

O ano de 2025 não será facilmente esquecido. Ao seu modo, assinala a cristalização da liderança facínora, soez, enfermiça, burra com viés apocalíptico. 21 de abril não é bom para o Brasil: Tiradentes; a Inauguração de Brasília - uma espécie de mãe de todos os males. E Tancredo. Com Francisco ou sem ele, estaríamos fadados a viver tempos ferozes. E os viveremos, os que ficarem por aqui. Para mim, a Terceira Guerra já começou. Hoje demos talvez o último passo no patíbulo. Gostei de Francisco, que, nos últimos anos, foi uma espécie de vigilante da decência.

Ao próximo papa caberá uma quadra atribulada diante da qual seus poderes serão mínimos. Falta darmos um passo. Para sentir o hálito azinhavrado do vazio.

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Terça, 22 Abril 2025

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