Quando as culturas colidem
Desde os atentados de 11 de setembro, uma tese do economista americano Samuel Huntington ganhou repercussão: a do choque das civilizações. Segundo o autor, após as vitórias do capitalismo sobre o socialismo, e da democracia sobre o totalitarismo, a origem dos próximos conflitos entre os povos seria cultural. Valores, visões de mundo e estágios civilizacionais acabariam por opor as nações laicas, hedônicas e democráticos àquelas religiosas, cerceadoras das liberdades individuais e autoritárias. Uma hipótese elaborada no início dos anos 1990 e que o nine eleven parecia corroborar, segundo muitos.
A ideia tornou-se controversa entre os acadêmicos, mas serve de inspiração para falar de choques culturais nos negócios. Numa sociedade tida como globalizada, imagina-se que a fronteira para bens, serviços e ações de marketing e comunicação devessem ser mais abertas, mas não é exatamente assim que a realidade tem se mostrado.
Que o diga o Walmart, maior varejista do mundo. No Brasil há quase 21 anos, suas primeiras lojas seguiam o modelo do Sam’s Club (foto), equipamentos imensos distantes dos centros das cidades aos quais os consumidores precisavam se associar para poder frequentar. Em um país em que a maior parte da população não tem carro, o modelo de lojas adotado tornou-se um mico, só agravado pelas escolhas comicamente infelizes para o mix de produtos dos pontos de venda, que contemplava tacos de beisebol e casacos de neve. A replicação cega de um formato de negócios que ignorava peculiaridades locais custou e ainda custa caro à companhia fundada por Sam Walton, enfiada em prejuízos e no fechamento de operações no país.
Quando não são os hábitos a gerar uma dissonância cultural, é a religião. Uma fábrica chinesa de caminhões pretendia se instalar na Índia. Escolheu um terreno nas proximidades de uma montanha tida como sagrada pelos hindus, pois nela residem várias gerações de monges. Estava armado o banzé. “Em ambiciosa expansão, as companhias chinesas (...) toparam com complexas dinâmicas culturais, políticas e competitivas que lhes eram inéditas”, escreveu o New York Times sobre o episódio, acrescentando que falta às organizações chinesas “a experiências de suas homólogas ocidentais. Na China, as empresas ligadas ao Partido Comunista têm carta branca para arrasar comunidades e sítios religiosos (...). Já no além-mar, existe uma onda de resistência”.
E quanto ao Uber, uma empresa do pujante e contemporâneo capitalismo californiano, semeadora de polêmicas por onde passa? Pois é, depois de um ano e meio, deixou de operar na Alemanha. Por lá, o estilo agressivo da companhia digital desagradou não apenas órgãos reguladores, políticos e taxistas, mas consumidores também. “Se você quer fazer sucesso na Alemanha, tem de entender as leis”, disse um professor de administração entrevistado pelo NYT. O desembarque triunfal do aplicativo de transporte, que mais se assemelha a um rolo compressor onde quer que vá, foi reprovado inclusive pelo cidadão comum, supostamente seu maior beneficiário: “Isso pode funcionar nos Estados Unidos, mas não é como fazemos as coisas na Alemanha. Todo mundo precisa respeitar as leis”, opinou um deles (matéria completa aqui).
Diante desses casos, parece óbvio que levar em consideração a cultura do país de destino torna-se uma recomendação óbvia para empresas com pretensões internacionais. Mas o que isso significa na prática, nas decisões a serem tomadas pelos gestores logo que desembarcam em um novo território?
Esse é o tema do post da próxima semana.
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