Criação publicitária: nem paradoxo, nem dilema

Pesquisas e algoritmos são inputs, não imposições
Os profissionais criativos deveriam ficar felizes por ter mais dados do consumidor

Semana passada, comentei o desgosto do premiado publicitário Marcello Serpa com os rumos que a propaganda vem tomando no Brasil, segundo ele excessivamente pautada pela pesquisa de mercado e pelos algoritmos (relembre aqui). E questionei se a criação publicitária, nessas condições, estaria por acaso diante de um paradoxo ou de um dilema. O primeiro presume capacidade conciliação de pretensos opostos (criação vs. informação de pesquisas ou algoritmos), enquanto o segundo, não.

Pesquisas e algoritmos trazem um tipo de informação especificamente direcionada a pautar a criação. E é aparentemente contra isso que Serpa – e outros publicitários, provavelmente – se insurgem.

Porém, não há criação desprovida de informação, nem que seja aquela oriunda do briefing ou das áreas de atendimento e de planejamento de uma agência. Pesquisas e métricas de internet ajudam a estabelecer parâmetros, limites, caminhos para a criação, e não a determiná-la pura e simplesmente. A não ser, claro, que publicitários queiram dar razão a quem os vê como artistas frustrados que "desprezam intimamente a profissão", como escreveu Roberto Menna Barreto ("Agência de propaganda e as engrenagens da história", Summus Editorial, 2006, p.7), e emulem uma espécie de "criação pela criação", mais preocupada com prêmios e vaidades pessoais.

Ora, nos Estados Unidos e até no Brasil, faz-se pesquisa para definir a montagem de filmes, tornando-os mais próximos do gosto do consumidor. Por que logo a publicidade estaria isenta de se valer de ferramentas semelhantes?

"Para garantir a surpresa, o insight, a verdadeira diferenciação da marca", poder-se-ia responder. Verdade. Mas existe um porém: a surpresa e o insight precisam gerar resultados.

Marcio Moreira, o mais bem-sucedido publicitário brasileiro no exterior, morto há seis anos, certa vez afirmou: no Brasil, "faz-se uma publicidade enormemente criativa, mas ela não é, do ponto de vista estratégico, a melhor [...]. A criação domina o processo no Brasil. O processo não é dominado pela estratégia [...]. O que existe no Brasil é a arte pela arte. A criação pela criação. 'Que grande sacada!' E daí? Qual a relevância da sacada para o produto, para o mercado, para a marca? No Brasil, falta um pouco mais de responsabilidade estratégica".

Quem sabe as pesquisas e os algoritmos não ajudem a oferecer um pouco dessa tal "responsabilidade estratégica"? Jim Collins concordaria, acredito, pois para ele "a disciplina é a única maneira de progredir. 'Acredito que ser criativo é ser humano, é algo natural a todos nós. O difícil é ser disciplinado, e é isso que diferencia uma pessoa. (...) [A] criatividade é o estado natural do ser humano, mas a maioria das pessoas não é disciplinada'" (HSM Management, mar-abr 2012).

Por isso, não se trata nem de um paradoxo, nem de um dilema: o segundo, porque não é uma escolha excludente. E o primeiro, porque sem um mínimo de informação, ninguém cria nada. Como diz o presidente da Abap (Associação Brasileira das Agências de Publicidade), Mario d'Andrea, "os profissionais criativos deveriam ficar felizes por ter mais dados do consumidor. 'Isso propicia melhores insights para a criação'" (Valor Econômico, 16/10/2020).

Para a criação disciplinada, poderíamos completar.

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Quarta, 11 Dezembro 2024

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