A viagem dos símbolos
Jean Baudrillard gostaria de saber desta.
O filósofo francês notabilizou-se, no início da década de 1980, por descrever a sociedade de consumo como um grande mercado de símbolos e imagens. No estágio em que já se encontrava o capitalismo à época, a função prática dos produtos, segundo ele, era apenas o pretexto para compras calcadas em elementos abstratos – especialmente o significado da mercadoria no contexto social. Daí que alguns produtos tivessem preços aparentemente acintosos frente aos seus custos de produção; cobrava-se não pelo objeto em si, e sim por sua representação no imaginário.
Pois bem: um comerciante francês chamado Amah Ayivi percorre os mercados populares de países africanos em busca de pechinchas, que podem ser desde artesanato até bijuterias e roupas. Esses produtos, vendidos a preços baixos, são oriundos de doações ou comprados de segunda mão pelas lojas, e cumprem o objetivo de abastecer o paupérrimo consumidor local. Ayvi escolhe as mercadorias que lhe interessam e, em sua loja parisiense, revende-as com sua própria marca, como produtos vintage, a preços bem mais salgados do que aqueles praticados nos feirões africanos.
“O valor das peças muda com a mudança de contexto”, afirma o New York Times na matéria a respeito de Ayivi (aqui). Aquilo que o Times chama de “contexto”, Baudrillard chamaria de “sistema de símbolos” ou algo do tipo, provavelmente. E, muito embora o jornal provavelmente esteja utilizando a palavra “valor” como sinônimo de “preço”, marqueteiros sabem se tratar de conceitos diferentes – mas que, nesse caso, podem ser incorporados à mesma palavra: o benefício, a importância e o significado que a mercadoria tem na África e em Paris – seu valor, portanto – diferem enormemente, o que acaba se refletindo em seu preço.
Por quê? Possivelmente os franceses vejam nas peças vindas do Togo, da Nigéria e de plagas afins como “exóticas”, “originais” e “autênticas”, para usar alguns adjetivos bem ao gosto do mundinho da moda, ou simplesmente diferentes daquelas que encontram nas lojas convencionais. Enquanto isso, para os africanos, trata-se tão somente de panos para cobrir o corpo.
O mais curioso é que as roupas de segunda mão que chegam à África podem ter vindo, em tese, de qualquer lugar do mundo – inclusive da Europa e da França. O que significa dizer que parisienses e turistas desembolsam quantias elevadas para adquirir peças que talvez estivessem no guarda-roupa do vizinho meses ou anos atrás – e que se tornam subitamente interessantes depois de viajar para um continente pobre e ser repatriadas por um comerciante de verniz retrô.
Pois é, o “sistema de símbolos” a que Baudrillard se referia também é repleto de ironia.
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