“É preciso contar com o inesperado”
Ao ser alçado à presidência da PwC no Brasil aos 54 anos, Marco Castro se viu diante de um desafio: iniciar sua gestão em um período de distanciamento social, durante o qual o contato com a equipe e os clientes só seria possível via canais digitais. No entanto, o sócio-presidente de uma das maiores consultorias e auditorias do mundo e parceira de AMANHÃ na elaboração de 500 MAIORES DO SUL tem levado sua missão adiante por meio de um diálogo constante com os profissionais. Conforme revelou nesta entrevista, o caminho foi facilitado graças ao know how da PwC em várias frentes, além da área de auditoria, o serviço mais conhecido. Convicto de que ainda há muito aprendizado a se tirar da crise sanitária, ele destaca que os líderes empresariais devem enquadrar em suas estratégias a figura do imponderado. "É preciso estar preparado contando com que algo inesperado aconteça, de modo a ter uma capacidade de resposta rápida para determinado evento", ensina, lembrando que a gestão de risco também foi levada a outro patamar. Confira.
O distanciamento social obrigou as empresas a se reinventarem ao abraçar o digital de forma ainda mais acelerada. Como você avalia a adaptação das empresas a esse cenário?
Percebemos a capacidade de resposta de alguns setores de forma impressionante. No início de março os gestores tiveram de lidar com as rápidas mudanças e as empresas começaram a repensar e adaptar suas rotinas do presencial para o virtual. Alguns setores experimentaram alguma dificuldade inicial, mas no geral foi possível manter a qualidade dos principais produtos e serviços oferecidos. Há setores crescendo de maneira exponencial, como varejo, bancos e o e-commerce. Alguns setores foram mais impactados, como o turismo e companhias aéreas, por exemplo, mas disso tudo ficou a capacidade de resposta e resiliência que tiveram nesse momento. A PwC avaliou a situação e também conseguiu rapidamente, em questão de uma semana, colocar todos os profissionais trabalhando remotamente. Era o fechamento dos balanços do primeiro trimestre, um período de revisões para a área de auditoria, uma das nossas principais áreas de atuação. Tivemos de fazer isso remotamente e conseguimos cumprir os prazos e os compromissos com nossos clientes até o começo de maio, sem nenhuma frustração.
Qual o ponto mais nevrálgico dessa mudança tão repentina?
Tem muito aprendizado a ser extraído de um episódio tão inédito como esse: a necessidade de avaliar cenários possíveis e extremados é um deles. Lembro de uma variedade de publicações sobre as tendências e riscos para 2020, emitidas entre dezembro de 2019 e início de 2020, mas nenhuma delas abordava o risco do contágio ou qualquer outra possibilidade que se aproximasse do ocorrido. A partir de agora, todos entendem que é preciso estar preparado para que algo inesperado aconteça, de modo a ter uma capacidade de resposta rápida para determinado evento. Num cenário futuro a convivência social voltará e, em parte, o ambiente de trabalho. Todos estão cansados desse afastamento. A convivência é fundamental para preservar os negócios, os valores e a inovação. O modelo híbrido é a solução e será adaptado em cada empresa. Tenho certeza de que algum equilíbrio deverá ser encontrado e haverá ganhos fenomenais para a economia. O mundo aprendeu com todo esse movimento e tirará proveito permanente disso.
Quais devem ser as prioridades das organizações para se adequarem a essa economia digital e seus meandros?
Até pela impossibilidade de colocar em prática o modelo híbrido no momento, viu-se uma oportunidade de tornar essa convivência virtual mais saudável. Como a PwC tem presença global em 155 países, algumas economias sofreram antes e compartilharam essa experiência conosco. Existirão vários modos de implantar essa nova rotina. Há empresas que pedem a presença dois dias da semana e nos outros três se trabalha em casa. Há uma diversidade impressionante de organizações que acham que não precisarão mais de espaços físicos. Porém, o cuidado com as pessoas é fundamental, principalmente em relação à saúde mental. Por isso é importante considerar o equilíbrio para um modelo híbrido, de modo que um funcionário não fique escravizado diante de uma tela. O afastamento tirou a possibilidade daquele convívio cotidiano, de poder entrar na sala do outro, tomar um café, almoçar com as equipes, isso desapareceu. Mas mesmo em um ambiente virtual é bom estabelecer rotinas para falar do trabalho, coisas que precisam de soluções criativas, um coffee break virtual, um happy hour virtual, uma série de coisas. Assumi a presidência da PwC em 1º de julho. Desde então, e até antes disso, trabalhei de modo virtual e ainda não tive o prazer de estar numa sala com minhas lideranças. São interações necessárias e confesso ter uma pequena ponta de frustração de não poder estar compartilhando com elas. O distanciamento ora necessário deve ser físico e não precisa e não deve ser afetivo. É uma grande oportunidade usar esse momento para fortalecer relacionamentos que nos são caros. Cada um de nós pode fazer isso, mesmo distanciados. Marque um contato para saber como alguém está, isso faz uma diferença gigantesca. Temos de primar pelo relacionamento, cultivar do mesmo modo que era. Se tiver oportunidade, ligue para um cliente seu para bater um papo ameno, que não atrapalhe a rotina dele. Isso vai marcá-lo.
Uma das bandeiras da PwC em nível global é o alerta sobre a necessidade de qualificação digital da força de trabalho. Quais ações a PwC Brasil vem realizando nesse sentido?
Esse movimento vislumbrou a necessidade urgente de requalificar nossas pessoas no estado da arte do que é digital. Já vai algum tempo que uma grande tendência antecipada anos atrás era a disrupção digital e todos serão impactados. Por essa razão, nossas pessoas são permanentemente atualizadas. E aproveitamos a conversão do físico para o virtual para ampliar o nosso programa que denominamos Digital Upskilling; ampliamos o escopo e a abrangência: hoje todos estão impactados – assistentes, sócios, técnicos. Oferecemos cobertura geral para que eles entendam os impactos das novas tecnologias na nossa operação e nos negócios de nossos clientes. Ferramentas como Analytics e ciência de dados vão tornar os negócios muito versáteis. E como forma de marcar essa onda digital, recentemente promovemos uma nova edição de nossa Digital Week. Foi uma semana inteira com especialistas em TI e outros convidados que aprofundaram o tema com toda nossa equipe.
A governança, o compliance e a gestão de riscos, que vinham ganhando espaço na agenda, também ficaram no centro das atenções diante da crise sanitária. Quais as lições aprendidas desse período tão delicado para os líderes?
A gestão de risco deve levar em conta que o cenário precisa ser ampliado. É preciso uma avaliação que traga para a agenda até mesmo possibilidades mais remotas para que se saibam as respostas quando determinado fato se materializar. Os boards devem levar isso em consideração. O compliance continua fundamental e, agora com a operação remota, ele vai garantir que tudo funcionará. Ou seja, o compliance ganha realismo e passa por toda uma transformação, tendo licença para operar independentemente de onde esteja sendo feito. No âmbito da governança, a crise sanitária derrubou algumas resistências do passado e mostrou a importância de tentar novos modelos. Foi necessário ter arrojo para avaliar o que dá certo. A realidade agora passa por inovar e passar a aceitar erros. Ter disposição para tolerar deslizes com experimentos permitindo um erro – desde que não deliberado – é outro ganho importante conquistado nessa pandemia. O produto final não pode ter erro, mas o processo de criá-lo tem de dar margem para que o erro ocorra.
A pandemia evidenciou uma preocupação dos líderes empresariais com os impactos sociais. Essa atitude veio para ficar, na sua opinião?
Sim. Nos últimos anos tem havido esse movimento da sociedade proporcionado pelas mídias sociais em que todo mundo pode participar e que até causou, em parte, a multiplicação das fake news. Mas esse movimento fez com que as pessoas começassem – principalmente os jovens – a deixar claro as atitudes que esperam das empresas e da sociedade. Daí muitas companhias começaram a redefinir seus propósitos com mais transparência, uma onda natural que já vinha crescendo. E as empresas foram motivadas a trabalhar suas ações com mais afinco, como o meio ambiente, por exemplo. A crise sanitária também evidenciou as grandes mazelas de uma sociedade tão desigual como a nossa ao impactar dos mais privilegiados até os mais vulneráveis, esses últimos de uma forma muito mais avassaladora. Um dos legados deixados pelo coronavírus foi essa capacidade que os líderes precisaram ter para ajudar a reduzir as necessidades dos mais vulneráveis – e fizeram de forma estruturada. Vimos um volume enorme de doações, empresas que passaram a disponibilizar coisas que eram até então cobradas. Quando o governo de São Paulo iniciou um movimento para doações, nós mesmos aqui na PwC oferecemos nossa especialidade para acompanhar e ajudar a garantir que tudo estava sendo feito de forma correta. Fizemos um movimento nacional com nossos técnicos que ajudaram médicos que estavam na linha de frente a preparar seu imposto de renda. Também disponibilizamos uma ferramenta para uso aberto e gratuito para jovens se qualificarem em temas ligados a tecnologia.
Um outro tema que ganhou relevância nos últimos meses são as práticas ambientais, sociais e de governança, conhecidas pela sigla ESG. Quando, exatamente, esses temas passaram a ganhar relevância? E como está o nível de mobilização das empresas brasileiras?
Temas dessa natureza já vinham ganhando espaço edição após edição do Fórum Econômico Mundial, em Davos. Todos se lembram de episódios onde adolescentes chamaram a atenção de líderes globais para que desenvolvessem essa agenda do Environmental, Social and Governance. No mundo que vivemos hoje, qualquer board de empresa tem de tratar esse tema relevante tão bem quanto zela pelos números ou as metas a serem cumpridas. No Brasil, as companhias já passaram a prestar atenção nisso. Algumas têm servido de modelo em sua governança e gestão garantindo a priorização desta agenda, chegando até mesmo representar nosso país em discussões globais sobre essa pauta. Mas ainda há aquelas que estão tentando aprender a lidar com todos esses assuntos. A sociedade cobra que as empresas sejam responsáveis e que não apenas produzam lucro. Recentemente, nós anunciamos que vamos zerar nossas emissões de carbono no mundo até 2030. Não há razão de imprimir papel se hoje o virtual impera, por exemplo. Além do mais, a agenda não deve contemplar apenas a sustentabilidade ambiental, mas também ter um olhar mais amplo de inclusão, outro ponto relevante para a PwC em todo o mundo. A Organização das Nações Unidas (ONU) desafiou empresas a ampliarem o número de líderes mulheres no primeiro escalão em 30% até 2025 e nós, na PwC Brasil, pretendemos alcançar esse objetivo.
O conhecimento da PwC em prestar consultoria também em relações humanas será útil nesse processo?
Exato. Mas a diversidade não é uma novidade dentro da PwC. Há tempos criamos uma área com esse propósito e que reporta diretamente a mim. Tratamos disso em diferentes fóruns, pois é um assunto estratégico para a PwC e a agenda de toda a organização é levada em consideração ao tratar de inclusão e diversidade. Criamos um ambiente para que pessoas com deficiência, por exemplo, se sintam parte da companhia. Essa atitude faz com que o crescimento surja em todas as direções, pois se dá o devido respeito e tratamento com o mesmo peso para todos. No último recrutamento do programa Nova Geração alcançamos números muito impressionantes. Mais da metade das inscrições que recebemos foram feitas por mulheres e tínhamos outros 25% de candidatos negros, apenas para citar dois dados. Uma empresa precisa refletir o espelho da sociedade – e na PwC não seria diferente. Gênero, raça e etnia, orientação sexual, gerações fazem parte da pauta de inclusão de nossa firma. Estatísticas revelam que ter equipes onde mulheres lideram ou mesmo alguém de um grupo étnico diferente dos demais abre inúmeras perspectivas positivas. Com certeza, isso melhora o resultado de uma organização como um todo, mas acima de tudo, é a coisa certa que precisa ser feita.
O Sul do Brasil se destaca no cenário nacional também pela indústria, mas principalmente pela agricultura. Considerando que o agronegócio foi o principal setor responsável por reduzir os impactos negativos da Covid-19 no país, você acredita que Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul possam ter mais vigor para a retomada gradual das atividades econômicas em 2021?
O agronegócio é o superstar brasileiro. É incrível como o setor se reinventa, inova. O Brasil seguirá com essa marca diferenciada no mundo graças ao agronegócio. Não tenho dúvidas de que o setor, ainda que no meio de uma crise, conseguiu produzir e ter desempenho melhor. Hoje já tem ajudado a contrabalancear. Os estados do Sul serão elementos de propulsão do crescimento nacional ao produzirem muito, inclusive com seus hubs de inovação. Não tenho dúvida de que isso acontecerá.
O setor empresarial do Sul tem por característica ser formado por muitas empresas familiares. Há desafios diferentes para estas empresas em relação a aspectos como práticas ambientais, sociais e de governança, além da inserção na novíssima economia digital?
Empresas familiares cobrem um espectro impressionante de portes, desde pequenos empreendimentos a médios até grandes corporações. O desafio de uma empresa familiar não é muito diferente das empresas em geral, na minha opinião. Governança corporativa, transformação digital, inclusão e diversidade e ESG são importantes para a gestão de qualquer porte empresarial, ainda que tenha um adicional que é a sucessão e que vai dizer respeito à longevidade da companhia. Muitas empresas que não absorverem isso poderão deixar de crescer e frustrar o negócio.
Esta entrevista integrou o anuário 500 MAIORES DO SUL. Leia o anuário completo clicando aqui, mediante pequeno cadastro.
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