Mentiras sinceras
Se o leitor frequenta o consultório de um psicólogo e já andou dando umas mentidinhas nas sessões de terapia, pode ficar tranquilo, pois faz parte de 90% dos analisandos. Embora imaginemos que nesses ambientes devesse vigorar a sinceridade absoluta, razões várias levam os pacientes a mentir – tal como acontece nas pesquisas de mercado.
Temor de julgamento, auto-engrandecimento, evitação de temas constrangedores, vontade de agradar. A lista de motivos é muito semelhante em uma situação e outra. E tanto analistas quanto pesquisadores devem estar preparados para identificar inverdades e, com talento e jeitinho, explorá-las.
"Explorá-las"? Sim. Afinal, uma mentira é a potencial reveladora de uma verdade, só que por outros meios. Uma resposta inventada pode ser uma idealização, um desejo escondido, um medo mal resolvido – e o que seria do marketing se não soubesse utilizá-los? Por isso, "os grandes pesquisadores são os grandes interpretadores. Do subtexto, da evasiva, da mentira", como ensina Nizan Guanaes (Valor Econômico, 09/04/24), que continua: "Muitas vezes é melhor jogar as respostas fora ou fazer perguntas sobre questões correlatas nas quais o consumidor dá bandeira sobre o que realmente pensa".
Um tipo de mentira comum em pesquisas é o chamado "álibi". Álibis são justificativas racionais e socialmente aceitas para adotar ou evitar determinados comportamentos de compra. Levados ao pé da letra, indicariam que toda grife famosa é comprada por sua qualidade, que grandes utilitários são imprescindíveis para transportar os brinquedos do filho pequeno e que mais uma peça de roupa foi adicionada ao armário porque estava-se "precisando". Não costumam ser os motivos reais, sabe-se, mas mencioná-los na publicidade e no discurso do vendedor ajuda a convencer o próprio consumidor de sua veracidade.
E quanto mais se pede para o consumidor explicar e justificar a própria resposta, bem naquele estilo psicanalítico do "conte-me mais sobre isso", maiores as chances de, na sua fala, encontrar bons argumentos escondidos.
E já que o post de hoje trata de psicologia, um conhecido representante da categoria, Adam Philips, costuma dizer que as vidas que não vivemos, e que reservamos ao plano da fantasia, são tão importantes quanto aquelas que de fato levamos, pois revelam nosso inconsciente, nossos desejos reais. Nas pesquisas é parecido.
Por isso, a melhor maneira de encarar mentiras em estudos de mercado é a máxima do poeta Mario Quintana (1906-1994): são apenas verdades que esqueceram de acontecer.
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