A China atenuará o pânico em torno de sua economia?

A preocupação com a desaceleração da economia chinesa, quefez os mercados globais de ações e de commodities desabar em queda livrerecentemente, cresce ainda mais com a opacidade e sinais conflitantes emitidospela liderança política do país e por seu ...
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A preocupação com a desaceleração da economia chinesa, quefez os mercados globais de ações e de commodities desabar em queda livrerecentemente, cresce ainda mais com a opacidade e sinais conflitantes emitidospela liderança política do país e por seu banco central. Embora os mercadostenham tido uma relativa recuperação nos dias subsequentes e o pânico, refluído,os obstáculos que a China enfrenta persistem juntamente com suas implicaçõespara a economia global. Essas dificuldades mudaram as perspectivasgeneralizadas de um aumento nas taxas de juros pelo Federal Reserve naquinta-feira (17). 

A China respondeu rapidamente ao derretimento do mercadoacionário no dia 24 de agosto, apelidado de “segunda-feira negra”. As taxas dejuros foram reduzidas em 25 pontos básicos, passando para 4,6%; as exigênciasde reservas dos bancos foram cortadas pela metade, passando para 18%, umadecisão que deverá aumentar a liquidez em 650 bilhões de yuans, ou cerca de US$ 101bilhões. Essas mudanças foram seguidas de tentativas pelo Banco Popular daChina (PBOC), o banco central chinês, de deixar que as forças de mercadotivessem um papel mais significativo na fixação do valor do yuan, do queresultou uma desvalorização surpreendente de cerca de 2%, impulsionando asexportações chinesas.

Para administrar o valor do yuan, a China pode recorrer semcomedimentos às suas reservas em divisas estrangeiras — a maior do mundo: US$3,65 trilhões em julho deste ano conforme dados do governo chinês. Contudo,Peter Conti-Brown, professor de estudos jurídicos e de ética nos negócios daWharton, se pergunta quanto dessas reservas a China poderia usar e quanto tempoduraria esse expediente. “Antes de lançar mão desse recurso, haverá muitopânico” em relação à capacidade da China de manter o valor do yuan, disseConti-Brown.

Contudo, o que mais preocupa é saber se o país será capaz demanter uma taxa de crescimento de 7% a 7,25%, isto é, o “novo normal”, depoisde anos de crescimento na casa dos dois dígitos, disse Jacques Delisle,professor de direito e de ciências políticas da Universidade da Pensilvânia ediretor do Centro de Estudos Leste Asiáticos da mesma universidade. Com asúltimas atitudes tomadas pela China para restaurar a confiança perdida, o paíspode ter chegado perto de esgotar sua munição, observou Delisle. “Trata-se deferramentas clássicas de estímulo”, disse ele. “O problema é que os chineses jáusaram demais sua caixa de ferramentas.”

Conti-Brown e deLisle discorreram sobre as decisões tomadaspela China na última crise durante o programa da Knowledge@Wharton  na Wharton Business Radio, canal 111 daSiriusXM.  “A China já baixou as taxas dejuros, permitiu que os fundos de pensões investissem em ações e pediu àsagências estatais que comprassem ações”, acrescentou Mauro Guillen, professorde administração internacional da Wharton e diretor do Instituto Lauder. “Tudoisso é remendo, é claro. A China tem de fazer reformas para se tornar maistransparente.”

Enquanto isso, uma economia fragilizada poderá deixar àvista outras dificuldades do país, observa Marshall Meyer, professor emérito deadministração da Wharton e estudioso veterano da China. “O grande desconhecidoé o grau de endividamento das empresas chinesas, sobretudo das estatais e dosgovernos locais. O  quadro pode sernegro”, disse. Além disso, “os bancos estão sendo severamente disciplinados”.

Os investidores continuam preocupados com a capacidade dogoverno chinês de gerenciar essa queda vendendo ações. O Shanghai CompositeIndex caiu cerca de 27% em oito pregões consecutivos  — passando de 3,993, em 17 de agosto, para2,927, em 26 de agosto. As quedas recentes trazem à tona também uma questãofundamental sobre “as valorizações, isto é, se estariam mesmo corretas”, disseDelisle. “O que há por trás disso é a preocupação real com o crescimento daChina, se ele desacelerou de forma permanente e se essa desaceleração foi piordo que as pessoas esperavam.” Outra dúvida é a capacidade do governo chinês decontrolar e conter essas quedas. “Um estado antes bastante capaz e determinadoparece, de repente, desajeitado, sem saber muito bem que política adotar em respostaà situação, mandando sinais confusos”, observou Delisle. “Isso mina aconfiança.”

Conti-Brown apontou outras dificuldades que enfrenta ogoverno chinês para administrar a queda. “O processo de planejamento dapolítica econômica no estado chinês é tão inescrutável, tão difícil dedeterminar, e muito difícil até de conseguir dados precisos que não podemosdizer se o modelo do Banco Popular da China tem por base o modelo de bancocentral tradicional ou se seu objetivo é agradar ao Partido Comunista”, disse.“Isso é que torna tão empolgante e tão angustiante estudar o funcionamento dobanco central na China.”

 A crise lançou dúvidas sobre o modelo de crescimento daChina, observa Conti-Brown. “Nas últimas décadas, a China despontou comoalternativa às democracias capitalistas do Ocidente e ao estado totalmentecentralizado”, disse. “O entusiasmo com o crescimento robusto da China levou àideia de que o governo pode tudo, até mesmo administrar de forma quaseindependente uma moeda estimulando ao mesmo tempo o crescimento a taxasextraordinárias. As vendas que observamos, e as quedas, bem como as respostasdadas pelo Banco Popular da China, deixam algumas dúvidas sobre essa ´TerceiraVia´, isto é, se ela seria possível.” Conti-Brown acrescentou que 7% do crescimentodo PIB previsto para a China depois dos ajustes para menos ainda é umpercentual “bastante significativo” e “aponta para o que esperamos do PartidoComunista e da China”.

Guillén disse que a principal dificuldade da China é que ataxa de crescimento do PIB de 7% “não é suficiente para acalmar o público epara continuar a tirar as pessoas da pobreza”. Sem dúvida, é “muito difícil”sustentar uma taxa de crescimento de 10% ou 12% por muito tempo, explicou.“Portanto, a China tem de reformar sua economia e mudar o sistema: deexportações para consumo interno.”

Principaispreocupações e soluções
De acordo com Delisle, a resposta da China à inflação éoutro desafio que o país enfrenta. “A inflação antes do regime atual eraterrível e os chineses deram uma resposta leviana aos picos de inflação nosanos que se seguiram desde então”, recordou. Outra preocupação diz respeito àsuperexposição dos bancos locais aos empréstimos de amortização duvidosa.Delisle alertou que nem todos os empréstimos feitos pelos bancos chineses têmpor base um bom histórico de crédito, e que é comum as empresas estatais terempreferência. Nesse cenário, a redução das exigências de reservas dos bancospoderia gerar problemas se alguns desses empréstimos entrarem para a lista das amortizaçõesduvidosas, advertiu.

Conti-Brown observou que Zhou Xiaochuan, presidente do BancoPopular da China, liderou a recapitalização do banco há cerca de 12 anos. Eletambém é conhecido pela dureza que dispensa aos empréstimos de amortizaçãoduvidosa e por suas crenças nos mecanismos de mercado. “Em relação à suabiografia, o banco central chinês mantém os olhos bem abertos”, disseConti-Brown. “Os chineses sabem exatamente quais riscos correm com o fracassodos seus bancos e com a ruína do sistema bancário.” Nesse contexto, o bancocentral deve estar correndo um risco calculado, recorrendo a ferramentas como aredução das exigências de reservas, acrescentou.

Meyer sugere um programa de cinco pontos para as reformas,de modo que a China volte aos trilhos e recupere a confiança dos mercados. Emprimeiro lugar, ele aconselha os chineses a criar um “governo de unidade”, ouuma coalizão entre os diferentes interesses políticos. “A facção de Jiang Zeminnão deve mais ser alvo de tiroteios”, disse. Meyer se referia às tentativas doatual governo de minar a influência do ex-presidente Jiang Zemin. “Em segundolugar, é preciso interromper a campanha anticorrupção”, disse Meyer. “Elaparalisou o governo em todos os níveis, e ele precisa agir agora.” Em terceirolugar, Meyer diz que é preciso colocar em prática políticas e estratégias delongo prazo para a China em áreas como saúde pública (poluição, qualidade dosalimentos e da água), saúde, seguridade social, reforma educacional e hukou(permissão para moradia).

Meyer disse ainda que é necessária uma “reforma séria daterra” que incluiria a propriedade privada e também impostos sobre apropriedade para aumentar as receitas e deter a escalada da especulação. Porfim, ele sugere que a China adote um programa de independência de energia.“Isto está relacionado com a reforma da terra e com a reforma do mercado decapitais — ambos necessários para a criação de uma classe de empreendedores quefaçam na China o que foi feito nos EUA”, declarou.

Reservas estrangeiras
Ao mesmo tempo, na medida em que a China procura controlaros danos por meio de suas reservas em divisas estrangeiras, são muitos osdesafios. Meyer disse que as reservas “já estão em queda devido a investimentosexternos e à fuga de capitais”. Ele descreveu essa diminuição comosignificativa e chamou a atenção para a necessidade de evitar essa fugaacelerada de capitais.

Meyer também destacou o que considera “um problema pior,embora mais sutil”. O PBOC, que guarda as reservas chinesas em dólares, recolheas divisas estrangeiras nos bancos comerciais trocando-as pelas chamadas notasde esterilização, que são de longo prazo, notas de juros reduzidos denominadasem dólares americanos. “Se o PBOC começar a gastar esses dólares, não poderácobrir as notas de esterilização  e oaumento do seu passivo com o dólar diante do yuan”, disse. “Não tenho certezadas consequências, mas duvido que sejam boas. Se o PBOC vender muitas notas doTesouro americano, as taxas de juros dos EUA subirão, não importa o que faça oFed.” Guillén observou que a China já usou cerca de US$ 200 bilhões paradefender sua moeda, acrescentando que com esse tipo de atitude o yuan “nãodeverá cair acentuadamente”.

Enquanto isso, a desvalorização do yuan poderá afetar asempresas chinesas com dívida denominada em dólar, observou Delisle. Osexportadores chineses que montam seus produtos usando bens importados tambémserão prejudicados, acrescentou. Delisle disse que tais medidas de impulso àsexportações não garantem uma solução sustentável de estímulo ao crescimento.“Não se pode ser a maior economia do mundo e ao mesmo tempo crescer rapidamentecom exportações.”

Ferramentas maldirecionadas?
Tanto Delisle quanto Conti-Brown se disseram preocupados coma flexibilização das exigências de reservas dos bancos para estimular aliquidez e o crescimento. Conti-Brown afirmou que as políticas monetárias dosbancos centrais tendem a priorizar a gestão das taxas de juros, em vez de mudaras exigências de reservas. “Reduzir as exigências de reservas dos bancosintroduz uma instabilidade financeira drástica”, alertou. Conti-Brownquestionou também a justificativa para a China usar “ferramentas abrangentes efortes” como os cortes das taxas de juros, flexibilização das exigências dereservas e desvalorização, tudo ao mesmo tempo, para impulsionar o crescimento.“A resposta tradicional consiste em suportar a situação — baixar as taxas dejuros até que as coisa se estabilizem.”

Delisle acrescentou que a China parece estar usando “todasas ferramentas de gestão ao mesmo tempo […] sem uma priorização óbvia”. Elecomparou as atitudes tomadas com o ato de “ora pisar no acelerador, ora nofreio”, o que, segundo ele, resulta em ambivalência. Delisle chamou a atençãopara as atitudes do PBOC há duas semanas, quando deixou que as forças demercado determinassem o valor do yuan interferindo apenas quando  a extensão da queda se tornava indesejável.Ele apontou também atitudes conflituosas semelhantes nos meses anterioresquando os mercados chineses desabaram. Comparou ainda o gráfico do índice deXangai ao de “um criminoso sendo interrogado por meio do polígrafo — haviapicos o tempo todo”.

Circulam várias teorias sobre o raciocínio por trás dasmedidas tomadas pela China. “Uma delas diz que os especialistas sabem que aeconomia tem vários outros problemas que desconhecemos e é por isso que vemostantas respostas desesperadas e dispersas”, conta Delisle. A segunda teoriaafirma que as autoridades chinesas “talvez sejam volúveis demais. Talvez aindanão tenham se acostumado com a ideia de que a economia está passando por umtrecho acidentado”. Uma terceira explicação diz que as autoridades chinesas“têm mania de controlar tudo e, por temperamento, ainda não estão prontas aabrir mão disso”, comentou Delisle.

Para confundir tudo isso temos a opacidade em torno dessasações. Embora o Partido Comunista chinês tenha se comprometido, há dois anos, amigrar para um sistema de maior consumo doméstico e fazer disso a alavancaprincipal do crescimento econômico, suas ações recentes “colocam em dúvidaparte desse compromisso”, disse Delisle. Ele reiterou ainda que muitosespecialistas em China não previram que Xi Jinping pudesse ser tão forte quantotem demonstrado. “Boa parte do poder de decisão foi tirado das mãos daburocracia e dos especialistas e transferido para esses pequenos grupos que sãomuito mais opacos e potencialmente mais políticos.”

Toda essa incerteza sobre o crescimento chinês levou muitosespecialistas, inclusive o ex-secretário do Tesouro, Lawrence Summers, aalertar o Federal Reserve para que não suba as taxas de juros em sua próximareunião. A elevação das taxas seria um “erro sério”, escreveu Summers em artigorecente no Financial Times. “Uma vez que não há ameaça de inflação, subir astaxas não é uma coisa boa agora para a economia mundial, especialmente para osmercados emergentes”, disse Guillén. “Acontece que a tarefa do Fed é zelarpelas condições dos EUA, e não do mundo.” Meyer acrescentou que ele ficariapreocupado com outra “bolha de ativos alimentada pelos juros nulos”. Contudo,em sua opinião “não parece ser a hora certa de constranger a economia”.

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Sexta, 22 Novembro 2024

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