Syrah do DF possui até quatro vezes mais resveratrol que vinhos franceses
Vinhos produzidos no Cerrado de Altitude, no Distrito Federal, têm surpreendido especialistas do setor ao apresentarem concentração excepcional de compostos fenólicos, quando comparados com rótulos consagrados da França, Itália, Espanha, Austrália, Argentina e África do Sul. A constatação vem de uma pesquisa recente e inédita coordenada por Rafael Lavrador Sant Anna, do Instituto Federal de Brasília (IFB), em parceria com as pesquisadoras Caroline Dani e Fernanda Spinelli. A pesquisa avaliou as safras de 2022 e 2023 da variedade Syrah, uva símbolo da produção local. Os vinhos brasilienses demonstraram concentração excepcional de compostos fenólicos e antioxidantes, fatores determinantes para a estrutura, longevidade e complexidade aromática da bebida. Os dados foram comparados com padrões internacionais, utilizando protocolos reconhecidos pela Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV), sediada em Dijon, na França, responsável por estabelecer e manter padrões para a indústria vinícola no mundo inteiro.
"Os resultados foram tão expressivos que refizemos os testes. Os índices de resveratrol e outros compostos estavam acima do esperado, superando vinhos de regiões tradicionais", conta Sant Anna, coordenador do estudo. Os compostos fenólicos presentes em maior quantidade nos vinhos brasilienses também oferecem benefícios à saúde. O resveratrol atua na prevenção de doenças cardiovasculares e neurodegenerativas, enquanto as antocianinas fortalecem o sistema imunológico e a microbiota intestinal. As catequinas, por sua vez, têm ação antioxidante e anti-inflamatória, ajudando a retardar o envelhecimento celular.
As análises foram realizadas em laboratório especializado de Caxias do Sul (RS), único no país capaz de aplicar os rigorosos padrões internacionais. Os pesquisadores também destacam a importância da adaptação da Syrah ao solo do Distrito Federal, principalmente com o uso da técnica da dupla poda, que favorece o amadurecimento ideal da uva no inverno. Com essas concentrações, os vinhos do Cerrado garantem não apenas uma cor marcante e identidade varietal autêntica, mas também alta qualidade técnico-científica, com potencial para reconhecimento internacional e futura Indicação Geográficas (IG). O presidente da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal, Marco Antônio Costa Júnior, destaca a conclusão do estudo. "Essa pesquisa comprova que Brasília não apenas entrou no mapa da vitivinicultura nacional — ela já pode ser considerada referência internacional. O Cerrado brasileiro tem mostrado um potencial surpreendente", afirma.
Primeira IG técnica do Brasil
A equipe de pesquisadores já pensa na construção da primeira Indicação Geográfica (IG) brasileira com base em critérios laboratoriais e não apenas sensoriais. A ideia é utilizar os compostos fenólicos como elementos técnicos para garantir a autenticidade e rastreabilidade da produção. "Queremos que Brasília seja pioneira no país ao adotar uma IG que considere dados bioquímicos. Isso traria mais segurança ao consumidor e agregaria valor ao produto local", defende Sant Anna. A proposta já foi apresentada à Vinícola Brasília, uma das principais produtoras da região, e pode ser viabilizada com novos editais de fomento. O resultado atual é fruto de uma trajetória iniciada há mais de 20 anos. Pesquisadores mineiros identificaram no Cerrado um ambiente favorável à vitivinicultura de qualidade, especialmente com o uso da técnica da dupla poda, trazida pelo pesquisador Murilo Albuquerque Regina, da Epamig. Essa técnica permite colher uvas no inverno, em condições ideais de maturação. No ano seguinte, a FAPDF investiu no projeto Desenvolvimento de tecnologias para o fomento da vitivinicultura no DF e Ride, conhecido como Vinhas Brasília, coordenado pela professora Márcia Terezinha Longen Zindel, da Universidade de Brasília (UnB). O projeto estruturou a cadeia produtiva local e impulsionou o enoturismo, consolidando Brasília como nova fronteira do vinho nacional. A Vinícola Brasília, criada em 2019, já comercializa rótulos reconhecidos e, em 2024, inaugurou seu complexo vitivinícola. A Syrah, uva rústica e de alta produtividade, mostrou ser a mais adaptada ao Cerrado.
Destaques técnicos dos resultados
A pesquisa revelou dados surpreendentes. Com maior concentração de antocianinas, os vinhos do Cerrado garantem cor intensa e identidade varietal única, superando Syrahs de grandes regiões da França e Alemanha. O Syrah do Distrito Federal possui até quatro vezes mais resveratrol que vinhos franceses e italianos renomados, por exemplo. O estudo também comprovou que os taninos do Distrito Federal são mais concentrados que em vinhos clássicos do Vale do Rhône e Rioja, garantindo maior estrutura e intensidade. Confira.
Resveratrol (antioxidante ligado à saúde cardiovascular e longevidade):
Syrah do DF: até 12,08 mg/L
Barossa Valley (Austrália): 3,85 mg/L
Médoc/Bordeaux (França): 2,9 mg/L
Toscana (Itália): 3,2 mg/L
Catequinas e Epicatequinas (taninos que conferem estrutura e corpo ao vinho):
Syrah do DF: 49,70 mg/L
África do Sul: até 17,76 mg/L
Vale do Rhône (França): cerca de 20 mg/L
Espanha (Rioja, Priorat): entre 18 mg/L e 25 mg/L
Antocianinas (responsáveis pela cor intensa e identidade varietal):
Syrah do DF: Malvidina: 17,90 mg/L; Cianidina: 46,84 mg/L e Delfinidina: 14,92 mg/L
França (Hermitage e Côte Rôtie): Malvidina entre 8,5 mg/L e 11 mg/L
Argentina: Malvidina até 9,75 mg/L; Cianidina até 10,8 mg/L; Delfinidina até 22 mg/L
Veja mais notícias sobre BrasilNegócios do SulRio Grande do Sul.
Comentários: