BlackBerry, uma vítima do sucesso

Embora o Blackberry tenha menos de 1% do mercado de smartphones atualmente, houve época em que detinha mais de 50%. O que todos se perguntam é como que uma empresa tão bem-sucedida chegou em um estágio de tamanha perda de mercado. Os jornalistas Jacq...
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Embora o Blackberry tenha menos de 1% do mercado de smartphones atualmente, houve época em que detinha mais de 50%. O que todos se perguntam é como que uma empresa tão bem-sucedida chegou em um estágio de tamanha perda de mercado. Os jornalistas Jacquie McNish e Sean Silcoff respondem a essa e a várias outras indagações no livro “Perdendo o sinal: a história não contada por trás da ascensão extraordinária e da queda espetacular do BlackBerry” [Losing the Signal: The Untold Story Behind the Extraordinary Rise and Spectacular Fall of BlackBerry]. Americus Reed, professor de marketing da Wharton, conversou com McNish sobre o que os gestores podem aprender com a ascensão e queda do BlackBerry. 

Qual o diferencial do seu livro? 
Vivemos em uma era de ruptura constante.  Não importa onde você esteja, há um algoritmo ou um jeito novo de fazer as coisas que é mais eficiente, que desafia o jeito antigo de fazer as coisas. Esse período passará à história como um tempo tão importante social e economicamente quanto a Revolução Industrial. Numa era de rupturas, a história por excelência do período é a do BlackBerry. A empresa que lançou o BlackBerry em 1998 passou de companhia sem importância alguma a uma empresa de US$ 20 bilhões em menos de uma década. Passados quatro ou cinco anos, esse valor havia caído para US$ 3 bilhões e a BlackBerry estava quase sem fôlego. Não se trata apenas de uma história de ruptura. É a história também da velocidade com que se dá a corrida tecnológica atual. Nunca houve uma tecnologia que penetrasse tão rapidamente no mercado de consumo como a dos smartphones, e o BlackBerry foi quem inovou. Não se viu nada igual desde a televisão nos anos 1950. Nunca houve algo que passasse de zero para mais de 50% do mercado de consumo tão rapidamente.

Quais foram os momentos mais marcantes que precipitaram a escalada dessa marca específica rumo ao sucesso?
O momento certo é tudo. Além disso, a perspectiva de quem vem de fora é muito importante para a inovação. Na época, nos anos 1990, havia muita concorrência no segmento de handhelds [aparelhos de tecnologia portáteis]. Lembro-me do tempo em que o Palm era o que havia de mais sofisticado. Ele simplesmente sincronizava sua agenda com os contatos do seu desktop, mas era o objeto do desejo daquele momento. Outra coisa fantástica da época era o Tango, da Motorola, o pager de uma via só que podia ser usado para enviar mensagens […] mas eram muito distantes e pouco confiáveis devido à sua rede grande demais. A IBM estava tentando fazer alguma coisa. A Ericsson fez […] um celular bem-sucedido que trazia anexo um teclado muito pequeno. Para usá-lo era preciso ter dedos de esquilo. Havia uma pressa em entrar naquele espaço, basicamente com produtos já existentes. Até a Apple fez sua tentativa com o Apple Newton equipado com uma caneta stylus. Foi um desastre porque o software simplesmente não era adequado. A BlackBerry analisou esse mercado e ingressou nele com um ponto de vista muito diferente. Essa atitude é fundamental para a inovação bem-sucedida. Você não oferece apenas inovação: você desafia as regras do jogo. O que nenhum dos concorrentes entendeu foi que na época a banda larga era muito limitada para a transmissão de dados. Mike Lazaridis, fundador da Research in Motion, nome de batismo da empresa do BlackBerry, entendeu […] a limitação da banda larga da época. Ele criou então um aparelho que fragmentava em pequenas partes a comunicação de dados […] de modo que não sobrecarregasse as redes, enquanto todo o mundo queria cobrar US$ 4 mil por algo que as redes mal davam conta de transmitir. A RIM tinha um design simples e conservava os dados que transmitia. Por último, o mais notável era que as pessoas estavam usando o teclado para dedos de esquilo. Lazaridis então pensou: “E se criássemos um teclado meio curvo que permitisse às pessoas digitar usando o polegar?” Esse foi apenas um dos momentos revolucionários que ele teve uma noite. Esse é o lado da inovação dessa história.

Mas a empresa tinha ainda outros desafios.
Sim. O outro lado da história consistia em ficar vivo, já que se tratava de uma pequena empresa de Waterloo, em Ontário, que lutava para sobreviver. Na hora em que você acerta com uma coisa, como foi o caso do BlackBerry, as grandes empresas partem para cima. Havia pesos pesados nessa história desde o início. A Palm tentou comprar a BlackBerry. A US Robotics, quando fabricava modems para comunicações de dados móveis, fez um pedido colossal a BlackBerry, mas depois o retirou, e com isso quase matou a empresa, que se endividara para atender ao pedido feito […] Quem lidou com a situação foi Jim Balsillie, empresário canadense que estudara em Harvard e havia voltado ao país decidido a fazer da tecnologia a chave do seu sucesso. Lazaridis e Balsillie formaram uma dupla poderosa naqueles primeiros tempos…

Você poderia falar um pouco sobre as estratégias específicas que a empresa buscava na época?
A RIM fez uma coisa muito inovadora. Ela criou uma dessas equipes de marketing que usava táticas de guerrilha. Os funcionários da empresa jogavam caixas cheias de BlackBerrys no banco de trás do carro e iam para congressos, aeroportos etc. Nos aeroportos, procuravam especificamente quem estivesse carregando aqueles laptops grandes e pesados da época munidos de modems enormes que podiam ou não funcionar, e diziam a essas pessoas: “Olhe, experimente isso aqui.” A estratégia ficou conhecida como a Rotina da Sedução. Os funcionários da RIM diziam: “Deixe seu cartão conosco. Fique com esse aparelho durante um mês gratuitamente. Diga-nos depois se gostou.” A tática foi um sucesso. Na época, o atendimento ao público era tão acanhado que durante anos muita gente usou BlackBerry de graça porque a empresa não sabia dizer quem era seu cliente, uma vez que distribuía espontaneamente os aparelhos.

Fale um pouco sobre a marca BlackBerry e do papel dela no cálculo estratégico da empresa.
A empresa cresceu tão depressa que, na minha opinião, eles nem sequer deram atenção à marca. Isso é fabuloso e só foi possível porque dispunham de tecnologia para tanto. Seus principais clientes, aquelas pessoas que mais importavam, eram as operadoras. Era preciso convencê-las a vendê-lo. Foi então que a empresa entrou nesse novo mundo em que se ofereciam descontos sobre os smartphones, o que realmente impulsionou as vendas e colocou o aparelho nas mãos de uma porção de consumidores. Isso foi uma vantagem nos primeiros tempos. Mais tarde, porém, quando as coisas começaram a ruir, muita gente achava que um dos principais problemas da empresa era que ela não sabia exatamente quem eram seus clientes porque tinha de passar muito tempo deixando as operadoras felizes. O relacionamento era muito restrito porque, conforme já dissemos, no tempo da banda larga limitada, as operadoras eram muito rigorosas com o que permitiam. Tanto que Steve Jobs disse durante anos: “Jamais farei um smartphone.” Ele chamava as [quatro grandes] operadoras [norte-americanas] de os “quatro orifícios”. Era impossível introduzir qualquer coisa em seu fluxo de distribuição sem o seu consentimento. Só quando viu o sucesso do BlackBerry, que dominou imediatamente o setor com 58% do mercado de smartphones, foi que ele passou a dar atenção a esse mercado acabando por reinventá-lo de acordo com seus próprios termos.

Qual o principal equívoco das pessoas em relação à história da BlackBerry?
Muita gente acha que Mike e Jim e o pessoal do alto escalão da BlackBerry foram arrogantes e por isso não entenderam o iPhone, dedicando-se exclusivamente ao BlackBerry. Há um pouco de verdade nisso. Sim, eles perderam a vez, mas isso aconteceu em um momento em que a empresa que antes valia zero naquele momento valia US$ 20 bilhões. Ela crescia a uma taxa trimestral de 25%. Qualquer pessoa da área de negócios lhe dirá que isso é uma impossibilidade. A empresa estava crescendo na Indonésia e na Índia e em outras partes do mundo. Ela estava enorme, mas não conseguia atender à demanda, por isso havia feito parcerias para construir fábricas novas por toda parte para dar conta dos pedidos. Imagine agora um sujeito reunido com a diretoria da empresa ou com os acionistas, já que se trata de uma empresa de capital aberto, dizendo o seguinte: “Sabe essa história de BlackBerry? Provavelmente será coisa do passado em alguns anos. Vamos parar de fabricá-lo. O melhor é nos reagruparmos e começar uma coisa nova e totalmente desconhecida.” Isso é muito difícil de fazer quando as coisas estão indo bem demais.

Sem dúvida. Você se torna vítima do seu sucesso sob alguns aspectos.
Exatamente. Na empresa de capital aberto, suas opções são muito limitadas. Além disso, eu diria que eles passaram por uma série de eventos infelizes. Aconteceu de tudo: desde uma batalha de patente horrorosa e mal administrada nos Estados Unidos até os três dias em que o sistema esteve fora do ar em 2009, o que levou as pessoas a questionarem a confiança que tinham no produto. Todos nos lembramos onde estávamos naqueles três dias. Depois disso veio o Playbook e outros telefones. Foi um desastre depois do outro e é assim que as empresas entram em colapso. A princípio, a coisa é lenta, mas depois ganha uma velocidade incrível.


John Chen hoje está encarregado da difícil tarefa de reverter essa situação. De modo geral, quais seriam os princípios e as lições que você considera fundamentais depois de escrever o livro?
A conclusão a que chegamos é que a disputa é cada vez mais acentuada. Ela não termina nunca. As pessoas que hoje lideram certamente passarão para o grupo dos liderados amanhã porque é extremamente difícil permanecer na frente. É tão fácil inovar hoje em dia […] Nos velhos tempos, tínhamos a fábrica da GE, uma fábrica de automóveis ou uma fornecedora de peças. Havia enormes barreiras de entrada porque gastavam-se montanhas de dinheiro com fábricas. Tinha-se a garantia de que não haveria competição em excesso. Hoje, isso desapareceu. Há uma porção de jovens se formando em Stanford, na Universidade de Waterloo, há inúmeras empresas de tecnologia. Tudo o que eles precisam fazer, se tiverem um cartão Visa, é alugar tempo em um servidor, montar um escritório e conseguir gente com experiência em códigos. As barreiras de antes não existem mais. Atualmente estamos apenas a um algoritmo de distância da concorrência mais séria. Veja o que a Apple está tentando fazer com o sistema de pagamentos. Não é uma boa hora para abrir um banco. São muitas as rupturas, e o pior erro que se pode cometer é achar que somos melhores, que podemos ser mais fortes do que eles, comprá-los ou lidar bem com a concorrência. Não acho que isso seja possível.

*Serviço gratuito disponibilizado pela Wharton, Escola de Administração da Universidade da Pensilvânia, e Universia, rede de universidades que conta com o apoio do Banco Santander.  

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Sexta, 26 Abril 2024

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