Trabalho: de onde viemos, onde estamos e para onde vamos?

Especialistas debatem rumos do país em live organizada pelo Corecon-RS
Captura-de-Tela-2020-06-15-as-16.18.56 Um dos temas abordados foi o aumento de produtividade – que só frutificará baseado em dois aspectos: tecnologia e qualidade dos recursos humanos

Os economistas e professores Giácomo Balbinotto Neto (UFRGS), Hélio Zylberstajn (USP) e José Márcio Camargo (PUC-RJ) participaram de Live com o tema "Mercado de trabalho: de onde viemos, onde estamos, para onde vamos?" dentro do projeto "Força-tarefa: economistas falam à sociedade gaúcha", promovido pelo Conselho Regional de Economia do Rio Grande do Sul (Corecon-RS). AMANHÃ acompanhou o debate e revela os rumos do mundo do trabalho no Brasil durante e, principalmente, depois da pandemia do coronavírus.

 De onde viemos

Antes da propagação da Covid-19, os professores concordam que o Brasil vivia uma retomada gradual. "O emprego vinha crescendo. Mais no informal, mas também no formal. Lentamente o mercado de trabalho estava acompanhando a evolução, também vagarosa, do sistema econômico", resume Hélio Zylberstajn, que acredita que o momento era interessante do ponto de vista institucional. A reforma trabalhista estava produzindo efeitos: na Justiça do Trabalho, por exemplo, houve redução de até 40% de reclamações. A liberalização da terceirização estava permitindo relações de trabalho diferentes. "Trabalhadores autônomos vinham aumentando muito, terceirizados também. Mas com CNPJ, boa parte dos trabalhadores por conta própria estava registrada. Estávamos caminhando, como há muito não tínhamos caminhado no mercado de trabalho", complementa Zylberstajn. No cenário pré-pandemia, Camargo comentou que a inserção na lógica do trabalho por aplicativo, que junta oferta e demanda por trabalho, estava acontecendo de forma rápida no país, reduzindo custos de intermediação. "O desemprego diminuía gradualmente e o Brasil chegou a ter 90 milhões de ocupados", recorda. 

Onde estamos

A última divulgação do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged)  revelou que mais de 800 mil vagas foram fechadas em abril. Nesse cenário desanimador, o sistema econômico junto ao mercado de trabalho terá de tomar medidas drásticas e se readaptar. As Medidas Provisórias 936 e 927 estabeleceram o pagamento de benefício emergencial de preservação da renda, a redução proporcional de jornada e de salários e a suspensão temporária do contrato de trabalho para preservação do emprego. Para Camargo, o governo ficou hesitante com suas medidas no início, mas depois atuou bem, investindo na proteção dos mais vulneráveis. O economista ainda chamou atenção para um fato surpreendente e interessante: em partes das regiões Norte e Nordeste do país, o coronavoucher de R$ 600 fez com que demanda aumentasse com a Covid. Tanto é que, depois da crise, a arrecadação de impostos nessas regiões aumentou. Ou seja, o auxílio emergencial é um valor elevado para boa parte da população. O professor da PUC-RJ comenta que os dados recentes do Caged revelam que a maior queda foi nas admissões. Ao comparar quantidade de demissões e quantidade de admissões de março e abril deste ano com igual período do ano passado, observa-se que o aumento nas demissões não foi tão brusco. "Isso demonstra que medidas provisórias conseguiram oferecer alguma proteção do emprego", ressalta Camargo. Em abril as demissões tiveram um incremento de 17,2% e as admissões caíram 56,5% na comparação com o mesmo mês de 2019. Para Zylberstajn, as medidas não só preservaram emprego como também a renda. "Primeiro, faltava. Não bastava a suspensão de contrato. Era preciso o valor do seguro-desemprego para quem fosse suspenso, permitindo que ajustes fossem feitos por acordos individuais. Esse segundo passo por parte do governo foi fundamental", aponta o professor, que também ressaltou no debate a permissão do acordo direto. Antes, era necessário negociar a redução de salário com o sindicato – algo que agora pode ser feito diretamente. 

"A validação de acordo individual representa uma ruptura muito grande. Certo, foi feito agora em situação atípica, mas e depois?", questiona, Zylberstajn 

Para o economista, a medida poderia ser postergada, fato que ditaria novos rumos para a economia do trabalho no Brasil. "Está sendo um desastre, está. Mas a coisa poderia ter sido pior se não fossem as duas MPs. Melhor perder de um a zero do que de sete a um. Ainda podemos virar no segundo tempo", crê.As MPs têm dimensões enormes: a transferência de renda alcança mais de 50 milhões de brasileiros e a suspensão de contrato de trabalho atinge 8,6 milhões de trabalhadores. "Medidas de acordo individual foram acertadas. Mantivemos empregos de 25% do setor formal privado e 40% da renda dos trabalhadores", calcula Zylberstajn. Quanto ao retorno, o professor da USP acredita que o conceito de cadeias produtivas poderia estar sendo levado mais em conta. O especialista aposta na ideia de interligação. "Critérios para flexibilização utilizados pelos governos estaduais são coerentes, levam em conta as vagas em UTIs e o avanço do contágio. Porém, acho que está faltando um critério econômico mais aprofundado. Falta pensar em cadeias produtivas: não adianta voltar à fábrica se a loja está fechada. O fabricante não vai produzir sem vender", diagnostica."É um momento de incerteza. O PIB vai depender do período de isolamento e uma saída desordenada pode piorar a situação", ressalta Camargo. Nesse sentido, o economista avalia como positivas as soluções encontradas por governadores para começar a flexibilização da quarentena, mas de forma ordenada. "É positivo tanto do ponto de vista da pandemia em si, quanto da economia, que seja uma saída com controle e cuidados", alerta ele.

Para onde vamos

Camargo ressalta a importância de as medidas serem provisórias, já que o custo é alto. Traçando um paralelo, o orçamento anual do Bolsa Família gira em torno de R$ 30 bilhões, já a politica de auxílio emergencial significa um desembolso de R$ 50 bilhões em apenas um mês. "A iniciativa tem de acabar até o final de 2020, pois não é sustentável estender. O Brasil vai terminar este ano com uma dívida de quase 100% do PIB. E vai ter de respeitar teto de gastos", avalia Camargo. Para ele, aumentar o teto de gastos teria consequências negativas, pois não permitira manter o baixo nível da taxa de juros. "Antes tínhamos dígitos de duas casas na taxa de juros. Agora temos digito de uma só, similar ao resto do mundo", compara Camargo, que entende ser necessário substituir o sistema de transferência de renda por um programa de reinserção das pessoas no setor produtivo. Segundo ele, grande parte das pessoas contempladas no auxílio é informal, ou seja, precisarão de crédito para reestruturar seu capital e voltar ao trabalho. "Um programa robusto e forte de microcrédito para substituir essa política de renda seria ideal", sugere.Em termos de futuro, Zylberstajn atenta para o termo emprego. "Não sei se vamos ter emprego por muito tempo. Vamos ter trabalho e vamos ter gente ocupada, mas não empregada", adverte (leia aqui reportagem especial sobre o tema, também baseada no debate promovido pelo Corecon-RS). Outra questão relevante, na visão do professor, é a fonte e o período de retorno do investimento ao país. "O Estado não vai ter condição de investir. E o governo sempre puxou o crescimento no Brasil. Mas para que isso aconteça, precisamos ter condições políticas e reconstruir a imagem do país. As pessoas lá fora estão preocupadas com o Brasil, tanto no lado da pandemia como da política", complementa.Outro tema abordado pelos especialistas foi o aumento de produtividade – que só frutificará baseado em dois aspectos: tecnologia e qualidade dos recursos humanos. Os professores acreditam que é necessário modernizar e transformar o ensino, permitindo formação mais prática, interconectada com empresas, como acontece na Alemanha e na Coreia do Sul, por exemplo. 

"Infelizmente as empresas com baixa produtividade vão ser destruídas. Mas também há o lado um pouco feliz disso: essa nova economia, seja lá o que significa isso, pode sair muito mais produtiva do que a que a gente tinha antes, nos oferecendo um efeito colateral positivo na retomada", projeta Camargo.

Quanto ao aumento de carga tributária, Camargo avalia que talvez possa vir a ser aplicado, mas não resolveria o problema do teto de gastos. "Ao flexibilizar o teto de gastos e aumentar impostos, até se consegue evitar o déficit publico, mas se acaba com a política fiscal. Isso significa que os investidores vão perceber o Brasil como sendo um país pouco sério do ponto de vista fiscal", resume. O economista citou a Argentina como um exemplo dessa situação. O país vizinho, depois do início da guerra comercial entre Estados Unidos e China, viu sua inflação disparar juntamente com as taxas de juro. Esse era o padrão do Brasil no passado, mas graças a uma política de âncora fiscal, o país conseguiu baixar sua inflação, enquanto a Argentina não. "A saída é tornar alguns gastos discricionários e otimizar o uso dos recursos. Aumentar a carga tributária não resolverá o problema", sentencia o professor.

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Sexta, 26 Abril 2024

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