O brasileiro no cinema

Confesso que tenho enorme curiosidade de ir ao cinema em países como a Índia ou a China. Ainda que mais não fosse, só para sentir a reação do público em lugares onde se espremem colossais formigueiros humanos. Na falta de ter podido preencher essa fa...
O brasileiro no cinema

Confesso que tenho enorme curiosidade de ir ao cinema em países como a Índia ou a China. Ainda que mais não fosse, só para sentir a reação do público em lugares onde se espremem colossais formigueiros humanos. Na falta de ter podido preencher essa fantasia até o momento, me contentei com o que me coube. Assim, vi pessoas aplaudindo finais felizes na Itália, juvenis plateias entretidas com pipoca nos Estados Unidos e, cúmulo do cúmulo, intervalo no meio da sessão em Portugal para as pessoas irem ao banheiro e comprar guloseimas de um rapaz uniformizado, que nos impunha 15 dolorosos minutos de pausa, quebrando o encadeamento do filme dentro do espectador.  

De todos os públicos, admito que gosto muito de ir a cinemas na França onde observam-se pequenas normas que garantem o entretenimento. Salvo pelas salas de projeção dos shoppings, onde normalmente grassa a exibição de blockbusters quase sempre meio banais, não se ouvirão em salas de Montparnasse adolescentes comendo pipoca e/ou fazendo comentários sobre uma determinada cena. Muito menos estaremos sujeitos ao brilho incandescente de telas de celulares que devassam uma das magias da Sétima Arte, que é justamente a escuridão da sala de projeção e a emoção compartilhada, sentida, mas silenciosa, entre pessoas que não se conhecem. 

Muito teria a contar de experiências nesse campo. Mas sendo aqui em São Paulo a cidade onde mais vou ao cinema, é aberrante a clivagem que há entre o público da Reserva Cultural, por exemplo, e o de salas como as do Kinoplex, no Itaim. No primeiro, à exceção de pessoas que possam estar em adiantado estado de senilidade, o silêncio é total a partir do momento da projeção do filme. Os últimos comentários cessam durante os trailers, e mesmo assim são apenas sussurrados. Apesar da boa comida que é servida no restaurante e na padaria, ninguém ousaria pensar em entrar nas salas sobraçando quiches untuosas ou potinhos de pães de queijo. Atrasos, nem pensar.

Já no Kinoplex, a coisa é outra, assim como em outras salas mais confortáveis, dessas que atraem um público de bom poder aquisitivo. Pois bem, no domingo mesmo o cheiro rançoso de manteiga de pipoca chegava à garagem. Começada a sessão, as pessoas se comportam como as vejo proceder em lounges do aeroporto de Guarulhos: fazem como se estivessem na sala de casa. "Que judiação". "Coitadinho". "Sabia que eu já fiz a mesma coisa?" "Ela agora vai chamar o cara para ir pra cama, quer ver?" "Nossa, que vestido lindo". Você olha feio, balança a cabeça, pede silêncio, mas a trégua não dura. Aquele estar à vontade integra a educação (sic) de quem se acha dono do mundo. 

Meu falecido tio Pipe foi dono do cinema Eldorado, de Garanhuns. Se alguém sussurrava, só se ouvia um autoritário "psiiiiiiiiiu" de advertência, vindo do fundo da sala. Se houvesse recorrência, ele acendia as luzes e expulsava o infrator. Também na minha terra, bem fazia o saudoso médico Wilson Neves que, para evitar contrariar-se com ruídos ou odores que lhe pudessem desagradar, ia ao cinema Veneza e via a fita ao lado do projetor, na pequena cabine por trás do mezanino. Quem viu "Cine Paradiso", pode imaginar facilmente a cena. O Kinoplex é um bom retrato de uma certa elite brasileira que faz aqui o que não ousaria pensar em fazer em Miami, com o perdão pelo clichê. 

No domingo, saí do cinema cheirando ao travo da manteiga e perdi metade dos diálogos do filme graças à sonoplastia das vizinhas de trás. Àquele cinema, asseguro, não volto mais.   

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Sábado, 14 Dezembro 2024

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