Uma "China em miniatura"
Mais conhecido por ser o único país que derrotou militarmente os Estados Unidos (EUA), há 50 anos, o bravo Vietnã chegou no Século 21 em ritmo de desenvolvimento chinês, com investimentos industriais e em infraestrutura e intensa atividade comercial com os próprios EUA, China, Japão, Coreia do Sul e Hong Kong. Segundo maior produtor mundial de café, com 31 milhões de sacas previstas para a safra 2025/2026, de acordo com o Departamento de Agricultura dos EUA (USDA), nesse produto o Vietnã escanteia o Brasil no mercado asiático.
Segundo o "Perfil de Comércio e Investimentos" da ApexBrasil, de março de 2025, a participação brasileira no mercado do Vietnã, nos últimos 20 anos (2004/2023) saltou de ínfimos 0,1%, para ainda bem modestos 1,4% – que sugerem ser possível grande crescimento da relação comercial nos próximos anos. Principalmente se empresas que hoje atuam no Leste da Ásia se animarem a investir em negócios no país, cuja economia teria crescido 7% no ano passado, alcançando US$ 1,4 trilhão de PIB pela Paridade do Poder de Compra (PPP), e, segundo estimativa da Unidade de Inteligência da revista The Economist, deverá apresentar um dos maiores crescimentos na Ásia até 2029. Talvez não seja exagero definir o Vietnã como uma "China em miniatura", porque a economia do país cresceu aos saltos, desde que iniciaram as reformas, em 1986, e o crescimento da renda per capita da sua população acompanhou o ritmo veloz, a exemplo do que também ocorreu na China, a partir de 1990, conforme atestam os dados do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional, no gráfico abaixo, que projeta o índice para 2025.
Não é mesmo impactante? O PIB per capita do Vietnã teria aumentado 40 vezes, entre 1989 e 2023, com a taxa de pobreza chegando a apenas 2,2% em 2021, queda drástica dos 58% que havia em 1993. Traduzindo em gente, saíram da pobreza nesse período mais de 40 milhões de pessoas, o que possibilitou ao Vietnã atingir os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio da ONU sobre redução da pobreza antes do prazo, assim como ocorreu com a China. Mantidas as taxas de crescimento econômico projetadas para o Vietnã, é bem provável que até 2030 a renda per capita de sua população seja a mesma da brasileira. Nesse caso, os 101 milhões de vietnamitas terão um hoje inacreditável potencial de consumo equivalente ao de "meio Brasil".
Essas projeções são importantes, porque, em se tratando de Ásia, não se pode avaliar o mercado consumidor dos países com os quais temos pouca relação institucional e comercial olhando-se apenas os números atuais ou do passado recente. É fundamental analisar as tendências e cenários prováveis. O melhor exemplo disso é a China, país que surpreendeu muita gente no início dos anos 2000, porque, pouco antes, sua economia era menor que a de países como o Brasil, ultrapassado por ela em apenas 20 anos.
Comércio Brasil-Vietnã
Exportamos metade (50,1%) de toda a soja e 42,8% do milho que o Vietnã comprou em 2023, e quase 16% do algodão bruto – produto dominado pela Austrália (38,8%) e EUA (34,8%), de acordo com o perfil do país publicado pela ApexBrasil. Ou seja, repetimos com o Vietnã o padrão exportador de grãos e importador de manufaturados que temos com a China, conforme fica evidente na tabela abaixo, que mostra produtos do Vietnã importados pelo Brasil.
A principal iniciativa para alterar qualitativamente a relação comercial entre os dois países é investir na participação de indústrias brasileiras com estandes em feiras no Vietnã, como já fazemos em feiras chinesas há muitos anos. A cidade de Ho Chi Minh deverá ter 109 feiras em 2025, mais de quatro vezes o total (26) programado para Hanói, capital do Vietnã. Dessas, 100 acontecerão no segundo semestre – destaque para os meses de outubro (17), novembro (37) e dezembro (12). Provavelmente, tantas feiras nesse período é para não competirem com a grande quantidade de feiras em Guangzhou, Hong Kong e outras cidades do Sul da China, e por causa da temperatura, bem mais agradável no final do ano.
O Vietnã de 2030
Dionathan Santos, fundador da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Vietnã (VBCCI), relatou ao Conexão Ásia que o Vietnã está realizando um conjunto de cinco grandes obras de infraestrutura que são estratégicas para o desenvolvimento do país, planejadas para permitir façanha significativa nos próximos anos: escapar da famosa "armadilha da renda média". Segundo ele, a primeira dessas mega construções é a rodovia Expressa Norte-Sul, que ele denomina "espinha dorsal", por integrar os extremos do Vietnã: a cidade de Lang Son, na fronteira com a China, na região norte, e a de Ca Mau, no extremo sul. Uma distância de 2.063 quilômetros entre elas e um investimento total de US$ 6,5 bilhões. Essa rodovia, na faixa litorânea do país, passará por 32 províncias, que concentram 62% da população e 66% do PIB do Vietnã. Ela conectará 16 aeroportos, com 91% dos voos, 75% das zonas econômicas e 74% dos portos marítimos. Para o dirigente da VBCCI, a construção da estrada apresenta avanços importantes, em termos de gerenciamento e geração de receita (estima-se a obtenção de US$ 1,6 bilhão com pedágio inteligente nos dez primeiros anos) que tornam o projeto sustentável desde o início da obra.
O país projeta rodovias, ferrovias e... transporte aéreo, com a construção do aeroporto internacional Long Than, que receberá um aporte de US$ 18,7 bilhões para cargas (5 milhões de toneladas/ano) e passageiros (100 milhões anuais). Uma aposta ousada, visando cacifar-se para disputar o mercado do Sul da Ásia com Hong Kong, Tailândia e Cingapura – a intenção é ser "a" entrada do Sudeste Asiático. Tantos investimentos em infraestrutura de transportes não param aí: inclui linha de metrô conectada à estação de trem de alta velocidade e rodovias de suporte.
Por último, autonomia marítima: com a construção do megaporto Can Gio, no sul do Vietnã, o país deixará de depender dos portos de Hong Kong e Cingapura para receber cargas de meganavios. Serão US$ 4,8 bilhões para construir 7,2 quilômetros de cais principal, com capacidade para navios de 24 mil TEUs, e operação anual esperada de 16,9 milhões de TEUs.Ficou fácil de acreditar, com esses quase US$ 100 bilhões de investimentos no total, que o PIB do Vietnã crescerá anualmente acima de dois dígitos até 2030?Aumentar tanto a oferta de transporte de carga e passageiros resulta em aumento do consumo de energia para os trens de alta velocidade, metrô, caminhões, carros elétricos e para todas as novas atividades econômicas que surgirão, em decorrência da integração que ocorrerá graças aos novos modais de transporte.
Esse ciclo virtuoso da economia do Vietnã será completado pela construção de usinas nucleares, para gerar a energia adicional necessária para atender às demandas criadas pelo imenso pacote multimodal ora em construção. Estima-se que para um crescimento do PIB esperado de 7% ao ano, será necessário aumentar a oferta de energia em 13% ao ano.Como o crescimento da oferta de energia sempre tem que ir na frente, o Vietnã está acelerado para dar conta de dobrar a capacidade atual de geração até 2030, e quintuplicá-la até 2050, de acordo com o seu Plano Nacional de Desenvolvimento de Eletricidade 2021-2030. Por isso, até lá deverá entrar em operação a primeira das duas usinas nucleares previstas na província de Ninh Thuan. Elas fazem parte de um plano nacional de energia que visa ofertar energia suficiente para o desenvolvimento planejado do Vietnã. Não há confirmação do valor total a ser investido nas usinas nucleares, mas o custo de uma única unidade seria de US$ 10 bilhões, razão pela qual inclusive o programa foi paralisado em 2016, pois na época não havia recursos para todos os investimentos que queriam fazer.
Considerando-se o planejamento realizado e o fato de as obras estarem acontecendo, é de se supor que o governo vietnamita conseguiu levantar o suficiente para bancar esse gigantesco "pacote" de investimentos, que equivalem a um quinto do PIB previsto para 2025 (pela paridade cambial) e a 7% do PIB pela paridade do poder de compra (PPP). Só que os investimentos que o Vietnã ainda precisa não se limitam à infraestrutura de transportes; há a necessidade de se preparar para os impactos das mudanças climáticas. Com 3.260 quilômetros de linha de costa para o Mar da China Meridional (ou Mar do Sul da China), sua vulnerabilidade natural não é pequena, o que levou o Ministério de Recursos Naturais e Meio Ambiente, em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (UNDP), a elaborar o "Plano Nacional de Adaptação (NAP) para 2021-2030 com uma visão para 2050", com propostas de medidas de adaptação às mudanças climáticas em 2021/2025, 2026/2030 e 2030/2050, para sete setores prioritários: 1) agricultura; 2) redução do risco de desastres; 3) infraestrutura; 4) saúde, sociedade e turismo; 5) recursos hídricos; 6) fortalecimento de políticas e recursos; e 7) biodiversidade.
Meio século depois de ter se livrado do flagelo da guerra, que destruiu o país, o Vietnã está a caminho de ter a sua população com renda média similar à do Brasil, e com infraestrutura de transporte moderna e bem mais eficaz que a brasileira. Essa soma boa nos oferece oportunidades comerciais significativas, detalhadas pela ApexBrasil em seu estudo a respeito do Vietnã, como se pode notar no infográfico abaixo.
Alcançar PIB per capita (pela paridade cambial) de US$ 7.500 até 2030 e tornar-se uma economia de alta renda até 2045, tornando-se uma potência econômica regional. Para isso, o Vietnã quer se posicionar entre os três principais países da Asean e atrair mais investimentos. Para chegar lá, o governo central atacou a burocracia e a lentidão administrativa de maneira radical e em todo o país de uma vez só.A partir de 1º de julho, todos os 696 distritos administrativos deixaram de existir, com resultados impactantes na estrutura operacional do país, que passou a ter apenas dois níveis de governo: as províncias (eram 63, foram agrupadas em 34) e as comunas (as 11.162 fundiram-se em 3.321), mudanças aprovadas por emenda constitucional. As funções dos distritos passaram para as províncias e comunas, o que resultou na extinção de 22.300 cargos públicos e em US$ 4,5 bilhões de economia nos próximos cinco anos. Com a vantagem sem preço de obtenção de maior resolutividade e rapidez no atendimento da população.
Ganham cidadãos e cidadãs em suas demandas de serviços públicos, e o meio empresarial em sua luta constante contra a "burrocracia" – de agora em diante, as empresas passam a lidar diretamente com o governo provincial, eliminando níveis intermediários. E pode-se imaginar a criação de dificuldades de todo tipo, com a correspondente oferta de facilidades agilizando a emissão de licenças e outros documentos. Objetiva-se com essas medidas radicais elevar ao máximo a eficiência administrativa, reduzir seus custos (70% do orçamento nacional) e aumentar a velocidade dos serviços graças às novas estruturas "enxutas", a exemplo do que conseguiram a Coreia do Sul e Cingapura.
Para o bem e para o mal, a concentração urbana resultante dessas mudanças deverá proporcionar maior competitividade por ganhos de escala e maior velocidade nas diversas etapas dos processos. E o país precisa ficar cada vez mais competitivo, porque os EUA, seu maior importador (US$ 137 bilhões em 2024), cravou-lhe nas costas, no dia seguinte, tarifa de 20% sobre todos os produtos exportados para o mais rico do mundo, que passa a ter tarifa zero para os produtos que exportar (US$ 15 bilhões) para o Vietnã. Além disso – como se não bastasse –, será cobrado um imposto de 40% sobre todos os produtos que os norte-americanos considerarem que são reexportação, como o aço exportado acusado de ser chinês disfarçado.
A briga promete, porque o Vietnã é o país com o terceiro maior superávit na relação com os Estados Unidos, atrás apenas do México e da China. E o governo vietnamita quer que os EUA reconheçam que o país tem economia de mercado (apesar de se declarar socialista) e retirem restrições à exportação de produtos de alta tecnologia. É o mesmo filme de 2001, quando do ingresso da China na Organização Mundial do Comércio (OMC). A China venceu, tendo se efetivado com todos os direitos na OMC em 2016. Será que o Vietnã também conseguirá vencer os EUA?
Esse conteúdo é parte integrante da edição 350 de AMANHÃ. Acesse a publicação completa clicando aqui.
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