Não venham a Florença

Durante muitos anos, esta bela cidade toscana ficou ao largo de meus trajetos profissionais. Se as estadas em Milão, Veneza e Roma aconteciam periodicamente, não escondia uma ponta de frustração por não conhecer Florença. Há uns 15 anos, contudo, apa...
Não venham a Florença

Durante muitos anos, esta bela cidade toscana ficou ao largo de meus trajetos profissionais. Se as estadas em Milão, Veneza e Roma aconteciam periodicamente, não escondia uma ponta de frustração por não conhecer Florença. Há uns 15 anos, contudo, apareceu uma boa ocasião. Ao final de um longo e tortuoso processo de negociação em São Paulo (que me roubara todas as energias), aluguei de um amigo um lindo apartamento de sua propriedade, localizado a apenas cinco minutos do Ponte Vecchio, do lado em que a cidade é mais calma e sóbria. 

Lembro que era inverno. A primeira semana aconteceu em torno da lareira natalina e os primeiros dias de janeiro trouxeram rajadas de neve que embelezaram a paisagem idílica. Se é certo que havia bom movimento nas cantinas em torno do Duomo, à época respiravam-se ares decididamente solenes. Florença era estilosa e austera, clássica e encantadora e, de cada detalhe – fosse das vitrines ou dos monumentos –, aflorava um toque de bom gosto e refinamento. Os estudantes que lhe davam alma eram gentis e prestativos, e não havia quem viesse aqui e não pensasse em viver na cidade uns meses. 

O tempo passou. Há uma semana estou na Itália, em mais uma viagem das que faço anualmente à Península. Há muito tempo não voltava a Florença, é verdade, e sequer contava em passar por aqui desta feita. Se tivesse que vir à Toscana, Siena e San Geminiano seriam o alvo natural mesmo porque um passeio de carro pelas vinícolas é sempre uma pedida tentadora. Mas é importante saber fazer concessões quando em grupo. Nesse contexto, não pude ficar indiferente ao apelo de um amigo que parecia ansiar, legitimamente, por respirar os ares da terra dos Médici. 

E, no entanto, à parte um hotel de ótima relação custo-benefício que achei, todo o mais na cidade tem se revelado decepcionante, quando não degradante. Privada do inverno e resplandecente sob um céu primaveril, o Centro mais parece um camelódromo a céu aberto. Sob a abóboda de templos imponentes, abrigam-se centenas de ambulantes a vender todo tipo de badulaque. Contrariamente àquela temporada de tempos atrás, tudo recende hoje a vulgaridade e mau gosto. O turismo "low-cost" que chega por Pisa toma de assalto as ruas e a gritaria é insana. 

Nesse contexto, os becos cheiram a urina, as cantinas próximas aos monumentos servem uma comida asquerosa – a palavra é esta – e os vendedores do comércio e de serviços parecem ter se acostumado a uma massificação sem limites, o que faz com que subestimem a inteligência e negaceiem as leis básicas da hospitalidade. A língua franca da cidade é o inglês, não o italiano, e poucas vezes vi na Itália tanto empenho em aumentar o valor dos serviços faturados. Táxis cobram tarifas exorbitantes e até os camelôs africanos e orientais são agressivos e maliciosos. 

Espero não ter de voltar a Florença, salvo em circunstâncias profissionais. Mesmo assim, se isso acontecer, que seja numa estação em que o grosso dos turistas esteja bem longe porque eles são sem dúvida a parte mais aberrante do que um dia considerei uma pérola. Até em se tratando de compatriotas brasileiros, dos muitos com quem cruzei caminhos em Milão, Roma, Bolonha e Verona, foram os daqui os mais mal-educados e os mais rasos em suas aspirações de consumo. Decididamente, das belas cidades italianas, eis uma que você pode riscar do mapa sem piedade. 

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Quinta, 21 Novembro 2024

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