Mão boba chinesa

Quem passeia pela Ribeira, no Porto, está sujeito a encontros. Se conseguir lugar para tomar um café, verá para além do cais, os armazéns de Vila Nova de Gaia. A metros de onde estiver, ouvirá uma profusão de idiomas, não raro ininteligíveis – tais c...
Mão boba chinesa

Quem passeia pela Ribeira, no Porto, está sujeito a encontros. Se conseguir lugar para tomar um café, verá para além do cais, os armazéns de Vila Nova de Gaia. A metros de onde estiver, ouvirá uma profusão de idiomas, não raro ininteligíveis – tais como o estoniano, o húngaro e o islandês. Das nacionalidades presentes, contudo, nenhuma marcará presença tão acachapante quanto a chinesa. Alegria do comércio e terror dos moradores em geral, os filhos do Império do Meio falam alto, reprimem com dificuldade o impulso de escarrar nas pedras centenárias e arrotam alheiras em surdina, conforme instruídos pelo guia. A contenção, contudo, pode se esfumar num átimo se estão com fome, se descobrem uma pechincha ou se vêem pela frente um homem gordo. 

Isso mesmo. Quem é gordo, sabe bem do que falo. Supersticiosos ao extremo, nada lhes parece trazer tanta sorte quanto tocar na barriga fornida de um gordo, parecido com o hotei, ou Buda da Abundância, que para eles é a representação da alegria e da fartura. Aprendi isso a duras penas. Lá pelos meus 30 anos, quando era apenas um sujeito cheiinho, percebi um movimento em minha direção no zoológico de Nanquim. Parei na calçada oposta ao viveiro dos pandas Xiè Xiè e Liu Liu. Pois bem, dando as costas para a grande atração, dezenas de chineses ensaiavam um jeito de passar a meu lado para esfregar a ponta do cotovelo no meu umbigo. Um deles me ofereceu um yuan para tirar uma foto consentida, com a mão sobre meu estômago. "Prease, prease, fat man...", implorou. 

Com o passar dos anos, tudo cresceu. Em progressão similar, tanto a população da China quanto a minha barriga. Mas, contrariamente aos tempos de regime fechado, os chineses hoje podem viajar pelo mundo. O que aumenta nossas chances de encontro. No final de julho, ao subir, resfolegante, a rua da Alfândega, os chineses me descobriram. A gritaria atestou a euforia. Logo estava cercado deles. Um me ofereceu cigarro, outro uma miniatura de vinho do Porto e atendi a pedidos de selfie. Tivesse cobrado um euro por foto, teria pago a hospedagem. Meu ex-editor que estava a meu lado perguntou, perplexo, a que se devia o assédio. "Meu livro saiu em mandarim, Proença. Logo não poderia mais ir a Pequim. Serei páreo para Lucélia Santos, nossa Escrava Isaura". 

Acreditem ou não, o Proença engoliu a história.         


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Quinta, 12 Dezembro 2024

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