A mentira das verdades

Vargas Llosa e suas leituras de economia política
Mario Vargas Llosa, falecido no último dia 13 aos 89 anos, tinha motivos suficientes para se gabar da própria obra

"Os outros que se jactem dos livros que escreveram. Eu me orgulho daqueles que li", dizia Jorge Luis Borges (1899-1986). Sem a falsa modéstia de seu homólogo argentino, o peruano Mario Vargas Llosa, falecido no último dia 13 aos 89 anos, tinha motivos suficientes para se gabar da própria obra, tanto que multipremiada, o que não o impediu de prestar tributo aos Cervantes, Faulkner e Flaubert que perfizeram sua formação de ficcionista. Mas foram os Mises, Hayek e Friedman que devorou em sua transição de marxista para liberal que moldaram o perfil do intelectual público e polemista que se tornaria na segunda metade de sua carreira.

Se aquilo que absorveu dos grandes romancistas parece inconteste, o que aprendeu com os clássicos da economia política (Smith, Mill e Aron) e os nem tanto (as escolas austríaca e de Chicago) é alvo de controvérsia. Vargas Llosa é acusado de, a fim de fundamentar sua guinada ideológica, ter investido numa leitura enviesada dos primeiros, marcados pela moderação, e acrítica dos segundos, eminentemente panfletários. Com isso, caracterizou-se menos como um intelectual disposto a debater ideias do que um apóstolo a pregar dogmas e convicções, de acordo com alguns observadores.

Aqui, importa menos a pertinência das acusações acima do que a hipótese de que obras de não-ficção sejam alvo de interpretações diversas, condicionadas pelo espírito e pelo momentum de quem as consome. Ideias, afinal, despertam paixões e atendem a uma necessidade emocional de enxergar sentido no mundo e descobrir nele uma "verdade" subjacente. Toda obra de humanidades é, a partir de determinado ponto, um exercício de imaginação, e sua utilização a posteriori, como fundamento da luta política, uma consequência tão parcial e particular quanto as diferentes camadas de leitura de um conto ou romance.

Vargas Llosa dizia não fazer análise para que pudesse cultivar as próprias neuroses e não desperdiçar seu poder criativo. É bem plausível que as tenha recrutado enquanto percorria tratados da vida em sociedade, uma vez que o leitor era o mesmo – não se separa o inventor de histórias do inventor de uma versão da História quando com um livro nas mãos.

Em "A verdade das mentiras", Vargas Llosa percorre a literatura internacional do último século para mostrar que, em meio a personagens, cenários e situações fictícias, reinava algum fundo de veracidade: o contexto social e pessoal do autor que conduziu à produção de cada título. Involuntariamente, o peruano parece ter comprovado que o contrário também é possível: extrair mentira das verdades – e torná-las tão críveis quanto uma boa novela.

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Terça, 22 Abril 2025

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