Negócios à parte?

Alguns negócios, especialmente no ramo de serviços, exigem mais do que conhecimento técnico, boa vontade e precisão – demandam feeling e atenção aos detalhes em nível máximo, pois lidam com sentimentos humanos dos mais nobres e, não raro, nas piores ...
Negócios à parte?

Alguns negócios, especialmente no ramo de serviços, exigem mais do que conhecimento técnico, boa vontade e precisão – demandam feeling e atenção aos detalhes em nível máximo, pois lidam com sentimentos humanos dos mais nobres e, não raro, nas piores situações. Enquanto os profissionais são diariamente tentados a apenas cumprir sua rotina de trabalho, os clientes podem estar vivenciando seus momentos mais tensos ou tristes. E, nessa hora, o que não querem é ser confrontados com a frieza de uma relação estritamente comercial.

Pegue-se o caso do setor funerário. “[A] falta de tato com a clientela é a maior falha desse tipo de negócio. (...) É o sujeito que vai enterrar o pai e o empregado da funerária aparece com uma fatura a ser paga. Ou a mulher, chorosa, que escuta um comentário prático demais do sepultador, do tipo: ‘o caixão não vai caber’”, reconhece Jayme Adissi, dono de um cemitério e um crematório em Guarulhos (SP), em seu livro “Quem quer comprar um túmulo?” (ed. Urbana, 2010, p. 14-15). “O cliente precisa ser bem atendido não apenas do ponto de vista da eficiência, mas sobretudo no lado afetivo”, continua. Por isso, Adissi instituiu algumas normas na companhia que dirige. “[S]empre chamar o corpo pelo nome” é uma delas, e nunca por “o defunto” ou “o falecido”. Entregar delicadamente a urna com as cinzas, evitando chacoalhões e gestos bruscos, é outra.

Um segundo desafio envolve atividades em que o dinheiro funciona como mediador de interações marcadas por alguma proximidade, quando não pelo compartilhamento de sentimentos e até por alguma intimidade. Aí o espectro de atividades atingidas é mais amplo, e abrange também todos aqueles que lidam com fragilidades emocionais (como a psicoterapia), extrema necessidade (cuidadores domiciliares de idosos ou portadores de deficiência) ou que, por motivos diversos, induzem a formação de laços entre as partes, como professores particulares e seus alunos. Como inserir cifras em relações que, antes de tudo, parecem humanas, e não comerciais?

“Nenhuma dessas interações íntimas sobreviveria por muito tempo sem o seu componente econômico”, assevera a socióloga Viviana Zelizer em “A negociação da intimidade” (Vozes, 2011, p. 238). No entanto, cultivamos a crença de que ambos são incompatíveis e, não raro, servem para corromper um ao outro. Novamente, obrigações recaem sobre profissionais de determinados ramos, especialmente o da saúde, forçados a cultivar a imagem de alheios a interesses econômicos. 

Mais do que pudores exagerados, sensibilidade e pecúnia servem para ilustrar uma contradição entre a ancestralidade dos sentimentos e os imperativos da impessoalidade prescritos pela vida moderna. Cobramos profissionalismo de todos aqueles que nos cercam e servem, mas, para certos ofícios, valorizamos um bocado o amadorismo – ou seja, o apreço extremado por determinada atividade a ponto de convertê-la em missão vocacional capaz de pairar acima das miudezas monetárias. Uma fantasia, sem dúvida – mas o que seria da sociedade de consumo sem elas? (Versão reduzida de coluna publicada na edição 332 de AMANHÃ)

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Sexta, 29 Março 2024

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