Escândalo da FIFA: será a ponta do iceberg?

Espalhou-se pelo mundo todo a exigência de que os negócios internacionais relacionados ao futebol sejam mais transparentes depois que as autoridades norte-americanas, no final de maio, em Zurique, revelaram a existência de um esc&a...

Espalhou-se pelo mundo todo a exigência de que os negócios internacionais relacionados ao futebol sejam mais transparentes depois que as autoridades norte-americanas, no final de maio, em Zurique, revelaram a existência de um escândalo antigo de corrupção, semelhante ao da Máfia, na FIFA (Federação Internacional de Futebol) seguido de indiciamentos e prisões. O escândalo veio à tona durante a realização do 65º. Congresso da entidade que culminou com a reeleição do presidente Sepp Blatter (foto). Contudo, na terça-feira (2), Blatter anunciou que estava renunciando à presidência da entidade e pedia a convocação de novas eleições para a escolha do seu sucessor.

A administradora de cartões Visa já disse que reavaliará seus acordos de patrocínio se a FIFA não fizer mudanças, ao passo que a Coca-Cola, McDonald’s, Hyundai Motor e Adidas se disseram preocupadas, conforme informações divulgadas pelos meios de comunicação. O escândalo da FIFA também se tornou cenário de duelos políticos internacionais. O presidente russo, Vladimir Putin, apoiou a reeleição de Blatter e acusou os EUA de interferirem em áreas fora de sua jurisdição, enquanto o primeiro-ministro britânico, David Cameron, pediu a renúncia de Blatter.

Policiais suíços prenderam sete altos dirigentes da FIFA em um hotel cinco estrelas de Zurique depois de o Departamento de Justiça dos EUA ter indiciado 14 pessoas por extorsão, lavagem de dinheiro e fraude eletrônica. O FBI não citou Blatter, mas apurou que funcionários da FIFA e entidades esportivas norte e sul-americanas estão envolvidos há vários anos em subornos e propinas num total de US$ 150 milhões decorrentes de acordos de marketing e de mídia dos campeonatos de futebol. Outro dos acusados foi Jack Warner, ex-vice-presidente da FIFA e secretário da Federação de Futebol de Trinidad & Tobago. Ele foi acusado de receber US$ 10 milhões em troca do seu voto a favor da África do Sul para sede da Copa do Mundo de 2010. Ele se entregou à polícia de Trinidad & Tobago. Autoridades norte-americanas vasculharam ainda em Miami a sede da CONCACAF (Confederação de Futebol da América do Norte, Central e Caribe), uma das seis confederações regionais que compõem a FIFA.

Dinheiro demais: chamariz
“Esta foi a melhor coisa que podia ter acontecido ao futebol. Sacudiu o mundo — não apenas do futebol, mas o mundo dos negócios também. As pessoas estão se dando conta do poder desse esporte e da quantidade de  dinheiro envolvida. Nesse sentido, é preciso que haja transparência nos jogos”, disse Warren Barton, antigo jogador da primeira divisão inglesa e hoje analista de futebol da Fox Sports. Um press release do Departamento de Justiça mostra que, de acordo com a  FIFA, 70% do seu total de receitas de US$ 5,7 bilhões, entre 2011 e 2014, foi decorrência da venda de direitos de tevê e de marketing para a Copa do Mundo de 2014.

“Agora, vamos entender como esses acordos foram feitos”, isto é, depois das prisões e dos indiciamentos, declarou Andrew Brandt, analista de negócios da NFL (Liga Nacional de Futebol) da ESPN, professor assistente da Wharton na área de negócios esportivos e conselheiro do corpo docente do Projeto de Negócios Esportivos da Wharton (Wharton Sports Business Initiative). “É nesse ponto que Blatter pode ter alguma vulnerabilidade. Isto porque as pessoas vão falar, […] fazer acordos, […] protegendo-se por meio da revelação de provas, o que pode chegar até o alto escalão”, alertou.

Barton e Brandt discutiram os desdobramentos do escândalo da FIFA para o futuro do futebol durante o programa da Knowledge@Wharton na Wharton Business Radio, canal 111da SiriusXM . “Essas pessoas e empresas envolveram-se com suborno para decidir quem pode televisionar os jogos, onde eles seriam realizados e quem comandaria a organização encarregada de supervisionar o futebol organizado no mundo todo”, disse a Procuradora Geral dos EUA, Loretta E. Lynch, em entrevista coletiva. “Eles procederam dessa maneira inúmeras vezes, ano após ano, campeonato após campeonato.” Os funcionários da FIFA usaram o sistema bancário para fazer seus acordos, disse ela. “Sem dúvida acharam que os EUA fosse um porto seguro financeiro para eles”, acrescentou. Lynch comandou a investigação no período em que foi Procuradora Geral dos EUA no Distrito Oriental de Nova York, no Brooklyn.

Barton, assim como Brandt, também acha que surgirão mais detalhes na medida em que as pessoas indiciadas se virem diante da perspectiva de ir para a cadeia. Ele disse que suspeitas de acordos desse tipo já circulam há muito tempo, “mas era preciso que houvesse provas incontestáveis”, que hoje estão disponíveis. Para ele, os malfeitos praticados e agora desenterrados são apenas “a ponta do iceberg”.

Sob pressão
Seja como for, Barton queria que Blatter assumisse a responsabilidade pelos ilícitos cometidos. “Isso está sendo prejudicial para a imagem do esporte. O futebol é maior do que qualquer pessoa”, disse. “É uma loucura imaginar que Blatter possa ser intocável. No fim das contas, se Sepp Blatter sabia ou não — e eu acho que ele sabia — foi durante seu mandato que as coisas aconteceram, portanto ele deveria ser plenamente responsabilizado.”

Brandt acrescentou: “Até o momento, nada ‘grudou’ em Blatter. Isso me diz que ele está excepcionalmente bem blindado para suportar tudo isso. No entanto, me parece um fato consumado que com toda essa gente fazendo prováveis acordos e sendo submetida aos holofotes dos interrogatórios, poderá surgir alguma coisa que possa implicá-lo.”

“Sei que muita gente acha que, no fim das contas, eu sou responsável, mas não posso vigiar todo o mundo o tempo todo. Se as pessoas decidem agir mal, elas também vão procurar esconder o que fazem”, teria dito Blatter, de acordo com uma reportagem do The Guardian. Barton também sugeriu que se analisasse novamente o processo de votação da FIFA que permitiu à Rússia sediar a Copa do Mundo de 2018 e no Catar, em 2022. Se não for comprovado nenhum ilícito, ele não vê problema algum em que os dois países sediem os eventos da Copa do Mundo. Seja como for, disse, “não parece certo” que o Catar sedie um evento no Verão como a Copa do Mundo, já que no país as temperaturas podem chegar até 51oC. (O evento foi mudado para novembro, em vez de se realizar em junho ou julho, devido às altas temperaturas). As autoridades suíças disseram que deflagraram uma investigação criminal que irá apurar de que modo a Rússia e o Catar foram escolhidos.

Táticas parecidas com as da máfia
Barton e Brandt também ficaram chocados com os métodos usados pelos responsáveis pelo escândalo de corrupção. O indiciamento detalha o alcance da conspiração. Cita o uso de acordos com os “serviços de consultoria” no intuito de “criar uma aparência de legitimidade para pagamentos ilícitos”, intermediação de banqueiros, consultores financeiros e traders para pagamentos ilícitos; empresas de fachada, contas bancárias numeradas em paraísos fiscais; ocultamento de contas bancárias no exterior; contrabandos vultosos de dinheiro; cofres etc.

Brandt caracterizou esses procedimentos como “táticas usadas por traficantes de drogas e grupos que atuam no crime organizado”. Barton acrescentou: “Parece coisa de cinema.” Ele disse que a “arrogância” levou os envolvidos na conspiração a se comportar de maneira insolente. “Soberba e arrogância”, concordou Brandt. “Por que aconteceu? Porque podia acontecer. Porque não havia controles.”

Barton se disse preocupado com o impacto do escândalo sobre o futuro da popularidade do esporte. “O futebol ficou manchado com o acontecido”, disse. “Agora as crianças estão vendo o esporte sob outra ótica.” Brandt não concorda: “A supremacia do esporte continua […] e sua popularidade parece cada vez maior.”

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Quinta, 12 Dezembro 2024

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