Especial: O Zé do Banrisul, da Kombi – e do Unicórnio
Vermelha como uma Ferrari, ela apareceu em 2010 marcando presença em uma pista onde parecia não haver espaço para mais ninguém além de Redecard e Visanet, as gigantes que travavam uma guerra particular, só delas, no mercado das maquininhas de passar cartão de crédito e de débito. Se não tinha chance de ser líder do mercado de adquirência (captura e processamento de transações de compra e venda), a Getnet mostrava que o pódio do setor deveria ter um terceiro degrau para acomodar uma rede desafiante, e que este posto seria seu, por direito e por atrevimento. Neste depoimento a AMANHÃ, José Renato Hopf (foto), o piloto da operação que culminou com a venda da empresa ao Banco Santander, expõe os bastidores de uma história cujos primórdios não estão na Faria Lima, o centro da alta finança do país, e tampouco no Vale do Silício, mas sim em uma repartição pública – o Banco do Estado do Rio Grande do Sul, onde José Renato ingressou por concurso público nos anos 1980, aos 18 anos de idade, como programador.
Filho de militar, e descendente de alemães, José Renato cultua a disciplina – mas quando fala não é nada ortodoxo. As palavras se sucedem, inteiras ou pela metade, em um ritmo de metralhadora, a sugerir que por mais que ele diga, muito ainda ficou por dizer.
E neste caso ficou mesmo: AMANHÃ reservou para a edição impressa toda a parte da entrevista em que José Renato Hopf narra seus passos após a venda da Getnet e a construção de seu atual empreendimento, o hub de negócios digitais 4all. É uma leitura essencial a quem quiser conhecer o caminho que ele fez para entender os mecanismos da transformação digital e como se convenceu de que o futuro está na construção de negócios dentro de uma lógica de plataforma. Tudo isso, bem entendido, na edição impressa de AMANHÃ.
Por ora, deixamos aqui no Portal AMANHÃ uma amostra da vivência e das ideias de José Renato, do Banrisul à “Kombi” da Getnet – e daí para a o negócio de US$ 1,15 bilhão que fez a empresa controlada pelas famílias Stumpf e Correa protagonizar o primeiro unicórnio do país e da região. “Devo muito a estas famílias. Acreditaram em mim em um momento especial da minha carreira,” assinala José Renato.
Como se verá, foi uma boa aposta.
Não se constrói nada sozinho
Só se consegue fazer algo grande, relevante e perene se a gente consegue trazer muitas pessoas junto. Não se constrói nada sozinho. Eu realmente acredito nisso, não é um mero discurso. Em tudo o que eu consegui fazer na vida aconteceram três coisas importantes: primeiro, havia espaço para poder construir. Segundo, alguém acreditou em mim. Terceiro, eu acreditei muito nas pessoas que estavam junto comigo. Consegui juntar as pessoas, trazê-las nesse mesmo sonho. Aquilo que hoje as pessoas apresentam como um modelo para inovação (colaboração) para mim sempre foi uma condição precursora. Meu modelo sempre foi esse. Meu shape nunca foi o de um modelo organizacional como o dos anos 1990 ou 2000. Meu sistema é o de aprendizagem permanente, de troca permanente. Aprendo muito, todos os dias, na interação com as pessoas aqui da 4all.
Disrupção em um banco público: o caso Banrisul
Embora o Banrisul fosse um banco público, tínhamos uma área de tecnologia com muito espaço e autonomia – era quase uma empresa independente. E havia ali uma liderança fundamental para a construção de um novo modelo mental, o Luiz Porto Alegre Furtado. Foi o primeiro grande líder a me inspirar, a mim e a outras pessoas, entre elas o Nori Lermen e o Jorge Krug, que hoje é o diretor de Tecnologia do banco. O Banrisul foi minha primeira escola, e eu que sempre tive a inquietação de olhar e questionar tudo encontrei muito espaço para propor, sugerir, empreender, junto com esta equipe. Com pouco mais de 20 anos tive a oportunidade de atuar na liderança de uma parte importante da automação do banco. E aquela equipe provocou disrupturas importantes na atividade bancária ali entre o final dos anos 1990 e o início dos anos 2000. Pouca gente sabe disso, mas o Banrisul foi um dos primeiros bancos a ter internet banking 24 por 7. O Banrisul foi o primeiro banco a ter uma rede independente de cartões, o Banricompras. O Banrisul foi o primeiro banco a trocar toda base de cartões para cartões com chip, que hoje são uma realidade. O Banrisul foi, junto com o Banco do Brasil, o primeiro banco a ter correspondente bancário. O Banrisul promoveu várias inovações, todas vinculadas a um conjunto de projetos chamado Banco Eletrônico, através do qual fizemos uma revolução dentro do banco. Estamos falando aqui de arquiteturas tecnológicas criadas no final da década de 90 e que estão rodando até hoje. Foram projetos tão importantes, tão relevantes para a sobrevivência e a competitividade do banco que sobreviveram a pressões políticas ligadas a trocas de governo e mudança de gestores...
A hora de empreender
Eu sempre tive cabeça de dono, mesmo quando não era empresário. Como funcionário, eu olhava, questionava, propunha inovação e isso foi criando espaços dentro do banco. Só que chegou um momento em que eu pensei... Quero empreender, criar meu próprio negócio, não ficar mais trabalhando como funcionário. O grau de energia que a gente gastava era muito elevado, as pressões políticas eram muito fortes. Eu nunca desistia, mas em certo momento pensei, bom, já dei o que eu podia dar, contribuí com o que eu podia, está na hora de empreender e construir um negócio próprio... Eu tinha três propostas de trabalho fora do banco, mas, como eu disse, não queria ser executivo em uma outra empresa, queria ter meu empreendimento ou então ser um executivo-sócio com liberdade para criar algo do zero. Foi então que, por causa da minha atuação no projeto Banricompras, surgiu uma oportunidade e eu conheci pessoas que seriam fundamentais, a família Stumpf, mais diretamente o Guilherme Stumpf, e o Ernesto Correa. Eles tinham um cartão, uma bandeira, o GoodCard, e estavam com uma dificuldade. Eles me perguntaram: será que tem espaço para criar uma rede? Eu disse: “Olha, espaço para criar a rede tem, só que rede é custo. O que tem que fazer é botar produto dentro desta rede. Eu acho que tem espaço para abrir um mercado de cartões.”
Encarando as grandalhonas do mercado
Eles [Guilherme Stumpf e Ernesto Correa] não tinham ideia de abrir um mercado de cartões, na época. Nem passava pela cabeça deles competir com a Redecard, que hoje é Rede [Itaú], e com a Visanet, que hoje é Cielo [Bradesco e Banco do Brasil], as duas gigantes que formavam o mercado brasileiro de cartões, um duopólio. O que eles pensavam era criar uma rede para dividir custos e eu ponderei que dividir custos não é negócio; negócio é gerar receitas, é botar produto dentro da rede. Eu achava possível, e isso já de algum tempo. Eu olhava para o mercado em 2003 e pensava... não é possível que o Brasil, uma das maiores economias do mundo, e com moeda estabilizada havia quase uma década, só tivesse espaço para duas grandes empresas de cartões. Não fazia sentido aquilo. Lembro da primeira conversa com o Seu Ernesto, ele querendo saber quando tempo seria preciso para isso. Eu disse: “Entre cinco e dez anos a gente vai abrir um mercado de cartões, a gente vai ter uma rede suficiente porque vamos nos aliar com um banco estrangeiro.” Esta era uma ideia de estratégia que eu tinha, e já de algum tempo. Eu pensava: a gente tem de conseguir alguém que seja concorrente destes caras [Redecard e Visanet, à época] pra poder competir tendo o suporte de alguém com força política.
“Gosto de competir com gato gordo”
Atrair um banco estrangeiro era vital, neste caso. As grandes transformações precisam de grandes alianças. Quando a briga é de gente muito grande, tu tens que trazer o irmão mais velho para dentro da tua luta. Desde o início eu tinha em mente que abrir um mercado de cartões seria uma coisa muito difícil, mas que era essa a grande oportunidade que havia na mesa: fazer essa estrutura para concorrer com Redecard e Visanet. Já me perguntaram: “Zé, porque tu gostas de concorrer com gente muito grande?”. Porque são gato gordo, lento, acomodado. E aí vejo uma oportunidade para quem gosta de ser ágil, de ser aberto a aprender e a empreender. Eu gosto, e também gosto de criar alianças que possam construir. Eu acreditava em competição, queria competir e o caminho pra gente poder chegar lá já estava traçado. Pouca gente sabe, mas a primeira grande disruptura que a Getnet fez foi quando a gente criou uma rede... a "Rede dos Excluídos". Foi o termo que eu usei. Porque como a Redecard e a Visanet eram gatos gordos, eles não queriam atender as bandeiras pequenas, as redes pequenas. Então a gente foi andando por todas estas bandeirinhas pequenas que existiam e que eram regionalmente fortes. Fomos provocando elas pra que se juntassem à gente. A gente dizia: "Ó, o cara não te quer, mas nós te queremos. Tu tens poucos cartões, mas vem pra cá na nossa rede"... Em pouco tempo a gente já tinha mais de 20 bandeiras regionais trabalhando pra gente.
A inovação que fez bombar o caixa
O que ajudou a Getnet a crescer muito rápido foi ter feito a recarga de celular se tornar digital, eletrônica. Em 2003, a recarga de telefonia no Brasil em 2003 era assim: tu tinhas que pegar um cartão físico, raspar e então inserir o código dentro do teu celular. Era físico o cartão... Imagina que ineficiência! O ladrão, quando chegava numa farmácia, o que ele roubava? Roubava o dinheiro, o Viagra e o cartão de telefone, porque aquilo era dinheiro. Ele chegava na rua e vendia. Aí uma pessoa que trabalha comigo desde esse tempo que é o Manoel Cardoso, um grande amigo, uma pessoa por quem eu tenho uma admiração enorme, chegou pra mim e disse: ‘Ó, vamos fazer o seguinte, vamos comprar uns lotes, vamos raspar estes cartões, botar [os códigos] dentro do sistema e vamos com a nossa POS [Point of Sale], nossa maquinha, lá na tele, pra provar que isso é viável.” E assim começou a recarga eletrônica de telefonia celular no Brasil. Então a Getnet cresceu de tal modo que dois anos depois já estava movimentando mais de R$ 4 bilhões por ano em recarga de telefonia, 40% da recarga de telefonia no Brasil passava pela Getnet. Assim se construiu o primeiro grande negócio que a gente conseguiu fazer pra gente poder transformar um grande mercado e criar uma rede que fosse relevante pra que a gente pudesse conversar com bancos estrangeiros e dizer: "Ó, eu tenho uma rede mínima aqui pra que a gente possa estar abrindo o mercado e concorrendo com a Redecard e a Visanet.” A gente precisava dar corpo à rede para competir.
E la Kombi va...
A Getnet começou com essas conversas com as famílias Stumpf e Correa. A gente se construiu junto, trocando muitas ideias, alinhando estratégias. Eles, como investidores, me davam muita autonomia, o que gerava uma situação dupla. Por um lado, eu pensava puxa, que legal a confiança que eles tinham em mim, mas por outro lado ... olha a responsabilidade que vinha com toda esta autonomia. Quando a gente começou a Getnet, vi logo de cara que eu precisava de empreendedores, não de empregados. Então eu busquei um conjunto de pessoas que tivesse essa dinâmica, esse modelo mental de trabalhar, de fazer esforço, de pensar a longo prazo e não a curto prazo. E aí começamos com um grupo de nove pessoas. A gente até brincava de dizer “a Kombi da Getnet”, porque cabia todo mundo numa Kombi. Meu braço direito era Cristian Cavalheiro, um cara que foi fundamental para que a Kombi ganhasse velocidade e direção. O Seu Ernesto me disse: “Zé, começa lá em Campo Bom... Eu não sei o que tem lá, mas tudo o que eu construo lá dá certo...” Bom, quem sou eu pra duvidar do que o senhor Ernesto Correa está falando? E assim começou a Getnet lá em Campo Bom, em uma área de mais ou menos 100 metros quadrados que ele possuía no município. Era uma estrutura remanescente da época das fábricas de calçado que ele tinha em Campo Bom. Então eu saía de Porto Alegre, onde mora minha família, e ia todo dia para Campo Bom. E não é que havia, mesmo, uma energia diferente, um ambiente muito bacana naquele lugar?
O CV que interessa – Coeficiente de Viração
Fomos montando a empresa a partir desse grupo de nove pessoas, e na hora de buscar outros colaboradores eu ajudei muito na seleção. Sempre dei muita importância a isso de escolher pessoas. Acho fundamental buscar pessoas com alinhamento de cultura. E pessoas com CV... Eu brincava dizendo que o CV que me importava não era o Curriculum Vitae, mas o Coeficiente de Viração... [risos]. Claro que o conhecimento é decisivo. Agora, conhecimento sem iniciativa é nulo. Ok, também é verdade que iniciativa sem conhecimento é uma desgraça. Então a gente precisa conhecer pessoas que tenham conhecimento, mas também tenham iniciativa. Eu faço, de brincadeira, uma analogia com o crocodilo [risos] para dizer que aquele cara com boca grande, que fala demais, mas tem braço pequeno, não serve pra gente. Pessoas muito preocupadas com vaidade geralmente não constroem junto com os outros; são muito voltadas para a questão individual. A gente precisa é de pessoas que tenham a capacidade nata de entender que a empresa depende de colaboração, que é preciso construir e somar com os outros. E botar a mão na massa. Eu sempre soube o nome das pessoas e faço questão que as lideranças internas conheçam as pessoas. E na fase de expansão fui procurando fazer com que a estrutura crescesse do modo mais horizontal possível e que as vagas fossem sendo oferecidas a pessoas de dentro de casa. Primeiro, para dar oportunidade. Segundo, para manter a cultura, a alma, da empresa, formando novas lideranças com nosso espírito. Assim foi crescendo a Getnet, de forma horizontal, sem corporativismos, sem disputas de beleza e sem silos organizacionais.
O que pesou na escolha pelo Santander
Quando atingimos um certo tamanho, saímos em busca de uma aliança com um grande banco. Negociamos com City, com HSBC, com Santander. Conseguimos avançar bem com todos eles: os três queriam construir um negócio conosco. Mas optamos pelo Santander porque o banco tinha uma coisa muito importante para nós, o alinhamento de cultura. O Santander, apesar de seu gigantismo todo, era um "cara" muito determinado pelo Emilio Botín. E o Botin, acionista controlador, efetivamente impunha uma cultura de dono na organização. Além disso, no Santander eu acabei conhecendo uma pessoa fantástica chamada Mario Luis Cantero Brandes. Foi um cara que me ensinou muita coisa. Houve uma empatia muito grande entre nós. E os negócios são feitos entre pessoas, não é? Mais do que entre empresas. O Mario acreditou em mim e na equipe. Acreditou na Getnet. E a gente começou a construir o negócio. Eu fui mais de 20 vezes a Madri pra construir o negócio com o Santander.
“Negócios dão problemas. O nosso também deu”
Olhando para trás, hoje eu digo que um grande negócio depende de um tripé. Em primeiro lugar, um sonho grande com um bom planejamento. Muito esforço, muito trabalho, com o envolvimento de uma equipe de pessoas empreendedoras. E, ainda, investidores estratégicos – aqueles que te ajudam com recursos e com cultura; que estão próximos e confiam em ti. Esse tripé é decisivo para um negócio vingar e perdurar. Porque os negócios dão problema. A gente enfrentou dificuldades, óbvio. Acontece com quem cresce. Aconteceu de tomarmos decisões erradas, e é nestas situações que a gente aprende. Decisões erradas podem acontecer. O que não pode é a gente repetir erros. E se tu tens alguém que está contigo, está pegando junto e está comprometido, esse alguém vai estar contigo na hora da dificuldade. Quando houve a crise de 2008/2009, a gente tinha um fluxo positivo de caixa em recarga. Éramos o maior fornecedor de recarga de telefonia do Brasil. Só que, do dia para a noite, em meio àquela crise tremenda, as teles mudaram a lógica do negócio com a gente. Até então a gente vendia, recebia o pagamento e depois é que pagava as teles. De repente, elas mudaram o fluxo, e deveríamos pagá-las do dia para a noite. Como a gente movimentava R$ 4 bilhões por ano em recarga, repentinamente precisamos de até R$ 90 milhões de capital de giro para continuar com o negócio. Claro que aquilo nos assustou. E então foi essencial termos o Seu Ernesto Correa e o Guilherme Stumpf para bancar um capital de giro e segurar a Getnet, e assim conseguimos continuar operando no segmento de recarga de telefonia. Eles entenderam que aquela situação não decorreu de um erro estratégico nosso. Era uma necessidade imposta pelas teles. Não podíamos prever aquilo, como o mundo não podia prever a crise global de 2009...
A venda para o Santander: o primeiro unicórnio
E assim, na confiança, a gente começou a operação de adquirência a partir desta aliança estratégica. Getnet e Santander abriram o mercado brasileiro de cartões em março de 2010. A Getnet cresceu muito. A gente começou a capturar mercado porque tínhamos diferenciais estratégicos muito importantes. Trouxemos inovações, como o conceito de oferecer uma conta bancária junto com uma maquininha – esse processo todo a gente introduziu e ajudou o banco a construir este modelo que depois virou referência dentro do mercado brasileiro. Mas aí houve o falecimento do senhor Emilio Botín, em 2014. A filha dele, Ana Botin, assumiu o Santander e decidiu que o banco deveria ser o proprietário de alguns ativos estratégicos globalmente. E como boa parte do crescimento orgânico do banco dependia da parceria com a Getnet, o Santander fez uma oferta de aquisição e houve uma decisão das famílias - porque eles eram os controladores - pela venda da companhia. E então foi feito o primeiro unicórnio da América Latina. A Getnet foi a primeira empresa de tecnologia a ser vendida por um valor total de US$ 1,15 bilhão, mais um valor adicional. Foi uma honra ter podido construir e liderar um negócio desses junto com estas duas famílias cofundadoras a quem tanto admiro e devo, e ao lado de uma equipe fantástica.
A lista dos imexíveis
Quando a Getnet foi vendida, eu passei ao Santander uma lista de 88 pessoas que mereciam uma atenção especial, que não poderiam ser perdidas no processo de transição. Eram líderes internos, pessoas-chave na organização. Tinham o tal Coeficiente de Viração... Naquela época em que construímos a Getnet, eu usava pouca terceirização. Acreditava que, fazendo parte da empresa, as pessoas teriam maior aderência. Hoje, o mundo digital está um pouco diferente, mas naquele período o modelo de terceirização não levava a um comprometimento. Inclusive a lei trabalhista era muito ruim sob o ponto de vista da utilização de trabalho terceirizada, dificultava muito para você ter pessoas de outras empresas, pois poderia haver vínculo trabalhista. Um troço muito antigo, bem revelador do Neandertal que o Brasil é nestas questões, a ponto de uma legislação da primeira metade do século passado estar valendo até hoje. Coisa completamente jurássica, que a pretexto de proteger o trabalhador só o desprotege, porque inibe a criação de empregos. Então, não protege ninguém, a não ser sindicatos. Além de criar feudos equivocados, de gente que não sabe o que é trabalhar. No Banrisul, lembro bem... Eu trabalhando até dez da noite, varando madrugada, trabalhando em fim de semana, dando meu gás, junto com meus colegas, para fazer o banco ter competitividade, e os caras do sindicato me xingando lá do outro lado. Certa vez um jornalzinho da categoria afirmou que eu era um agente infiltrado do Itaú para facilitar a venda do Banrisul ao banco.
Teimosia ou resiliência?
Em qualquer processo de inovação não é justo personalizar, porque quase nunca é uma pessoa só – e no meio digital isso é ainda mais verdadeiro. Vejamos o caso do Banricompras, por exemplo. O Jorge Krug, entre outras pessoas, foi fundamental. O Krug foi o primeiro cara a me ensinar, a me explicar o que era a indústria de cartões, porque eu não conhecia o negócio. A partir daí coloquei nisso minha liderança e minha resiliência. Se bem que tem aquela brincadeira sobre resiliência, não é? Quando dá errado, o sujeito foi teimoso. Quando dá certo, ele foi resiliente... [risos]
A importância de ter um Plano A, mas também um B e um C
Naquela fase em que a gente precisava de um banco estrangeiro para fechar uma aliança com a Getnet, eu queria trabalhar com três opções. Por que se tu tiveres unicamente um Plano A, tu estás ferrado. Acredito muito naquela máxima: “Pense em... Trabalhe para... Não conte com...” Então a gente negociou com o Santander, o HSBC e o Citibank. Os três queriam, e eu pude jogar com isso na negociação. Porque eu tinha opção, e com isso eu me senti mais seguro de negociar. Eu lembro de uma reunião em Madri. A coisa ficou mais séria, eu peguei o telefone: “Ó, seu Ernesto, eu vou dar um all in, mas tá difícil a negociação, pode ser que eles arrepiem. O senhor está de acordo?” Ele me disse: “A decisão é tua. Tu estás aí dentro, tu sabes melhor do que eu a decisão que tem que ser tomada, o quanto tu podes alavancar.” Aí eu banquei e consegui fechar 50 a 50 numa operação nossa junto com o Santander. Foi decisivo termos três opções em vista. Nosso Plano A era o Santander. Sempre foi. Apetite muito maior. O Citibank não entendeu bem o negócio, não era um banco de varejo no Brasil. Mas se tivéssemos só uma opção ficaríamos fragilizados na negociação, não teríamos como ser um pouco mais agressivos. Claro, nem sempre podemos agir dentro do que é o ideal. Por exemplo, não é recomendável que tu tenhas um cliente que represente mais de 20% de tua receita, mas se estás começando um negócio vais recursar um grande cliente só porque naquele momento ele representa 80% da receita? Claro que não.
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