O amigo Colméia aos 66 anos

Diante de um profissional de tamanha estirpe, como posso eu dar um palpite?
Antes mesmo de estrearem oficialmente a nova aliança, ele se desculpará com a finalista preterida e dirá que 2021 vem aí, enfim, e que ele assumirá um compromisso de "teste clínico" com outra

De Paris (França)

Um amigo que mora num gostoso bairro do Rio de Janeiro, me anunciou ao telefone, sábado último, a natureza de seu grande dilema. Namorador profissional, desses de dar e receber tudo a que têm direito, está indeciso entre uma pretendente de 48 anos, um broto, convenhamos, e outra de 74 que, longe de se deixar abater pelas três quartas partes de século vividas, está empolgada em incutir no amado um acendrado amor à vida e, como não, à sensualidade. O que recomendar?

Minha primeira inclinação foi para que cravasse opção dupla. "Deixe a de 48 para as trilhas, os safaris urbanos e as noitadas. E, nos intervalos, passe tempo de qualidade com a madurinha. Então veja seriados de televisão, levem e façam massagens nas articulações um do outro, escreva você suas memórias e discuta política. Afinal ela é egressa, em tese, de uma geração que ainda sabe das coisas. Isso, é claro, se morarem longe uma da outra. Se tiverem os mesmos hábitos, ferrou. Vai ter de optar."

É interessante que o Facebook dá uma dimensão bem real dos ciclos a que cada um obedece. Especialmente no caso dele que, em seus rasgos de sinceridade e meticulosidade, disseca um namoro pelo verso e reverso e, como tal, também emite os primeiros sinais de que o trem está descarrilando. Cá comigo, pesco na entrelinha o desgaste de material e penso: hum, Colméia (seu apelido, por ser doce) está fechando o ciclo. Batata: 10 dias depois, vem o comunicado oficial do desenlace.

O comunicado, aliás, não é fortuito. Não. Segue um sinuoso protocolo, com um rigor e apuro que só se vê na nobreza europeia. "O Príncipe de Málaga e a Duquesa da Baixa-Silésia informam de comum acordo que a partir desta data não mais constituem um casal. Reiteram os termos dos laços de gratidão e amizade que os unirão para sempre e, de seu retiro na Cornualha, ela tira férias com os filhos e um certo cavaleiro Pointer-Sexter, o novo instrutor de hipismo da família."

Gosto mesmo é quando ele entra na chamada fase de acasalamento. No começo do outono, ele emite o chamado alerta laranja. Em abril, vem o desenlace. Em maio, solidão, fotos, checkup, ajuste no ácido úrico ou a fisioterapia no pé esquerdo. A triagem da nova musa corre frenética nos bastidores. Música em casa, recolhimento, perda de três quilos, enfim, os alvos estão esquadrinhados. Na entrada do inverno, se ainda estiver solteiro, faz evento de grande visibilidade para fisgar as finalistas.

É nesse ponto que se vê o traço do caçador experiente. Ele isola uma parte da mata, ateia fogo nos galhos secos, acoa as presas em dois discretos quadrados e, feroz, ruge para que todo o entorno perceba que ali reina um macho-alfa. A uma dirá que o predador anda à solta, que o aguarde, que ele está chegando. Em uniforme de campanha, chega à outra e pede mais um tempinho. Ambas pensam: uau, ele está limpando esse terreno todo só para mim, só para nós.

No São João, bem à época das espigas, ele se sente atrasado em seu cronograma. A Covid-19, por exemplo, vem retardando a entrada em acasalamento. As vistas diariamente fotografadas parecem paisagens vãs. A quem apresentar seu estúdio, seus hobbies, o minucioso decálogo que rege seu credo? Para quem preparar seu café inconfundível, e quem iniciar nos labirintos da feijoada autoral? Ele estará a um passo de desfechar o golpe de misericórdia. O envelope já está na mão.

Antes mesmo de estrearem oficialmente a nova aliança, ele se desculpará com a finalista preterida e dirá que 2021 vem aí, enfim, e que ele assumirá um compromisso de "teste clínico" com outra. Então, na virada do exercício semestral, o anúncio já estará em algum ponto do computador. "Colméia e Filomena, após minuciosa e criteriosa deliberação, resolvem de comum acordo informar que doravante passam a dividir suas vidas como se unas fossem." Espocam rolhas, Mazal Tov, e "vocês merecem".

É uma forma de dizer à numerosa bancada de suplência que está na hora de darem um tempo, que a chamada janela de transferência está fechada. Então, os amigos do novo casal, que nascerá com atestado de eterno, saberão das muitas virtudes dela. Da trajetória, do calibre humano, das aptidões de companheira, de militante, de mãe exemplar. Enfim, ela será tudo menos comum, falha, normal. Não, sem a distinção da excepcionalidade, onde ficará o diferencial? Então vem o enlevo da primavera.

Na primavera, não somente ela será quase íntima de boa parte de seus amigos e amigas, quanto também seus parentes serão importantes para ele. Importantes, não. Imprescindíveis. Muito antes das "lives" entrarem em moda, ele já as fazia com cunhados, agregados, primos e enteados. Sentimental, tem de ver as luzes de Natal em boa companhia, curtindo o verão em animado safári urbano. No Carnaval, bate a PMA. – que ainda não é grave.

PMA? Sim, a Primeira Melancolia Amorosa. Então, ela pode dizer alguma coisa que não lhe soará muito bem, algo de conteúdo algo rançoso, que lhe faça pensar pela primeira vez que a chegada do outono talvez peça uma pausa para reflexão. Essa parte já vimos. Nada de um banal "subimos no telhado". Apenas, uma pausa para reflexão. O que antes se chamava separação de corpos. A essa altura já foi visto em cafés do bairro entrelaçando dedos para tomar a temperatura alheia. Colmeia é muito táctil.

Diante de um profissional de tamanha estirpe, como posso eu dar um palpite? Quando ele perguntou entre a de 74 anos e a de 48, o que eu disse? "Poxa, Colméia, o ideal seria uma de 61, que seria a média aritmética das contendoras." Sei que ele vai verificar no banco de dados se tem alguma candidata na faixa, só por desencargo de consciência. Onassis dizia sobre as idades num casal: ela tem de ter metade da sua mais quinze. 66 dividido por 2 mais 15? Dá 48, Colméia. Na cabeça.

Mas ele tem muitos outros truques e critérios. E aliados fortes como...Obama. Mas essa já é outra história. Bom inverno, Colméia. 

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Terça, 23 Abril 2024

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