É preciso saber morrer
Antes de se tornar cineasta, Hector Babenco (1946-2016) foi vendedor de jazigos em um cemitério paulistano. Seu argumento para comercializar o serviço era pragmático: 'não seria muito mais interessante para o dia que o senhor falte que já esteja tudo organizado, a família não precisando se preocupar com nada?". A lábia do futuro diretor funcionava, segundo o próprio: "fui campeão de vendas!" (relembre aqui). O argentino, criativo como todo artista, estava apenas a antecipar uma tendência que parece se consolidar agora: preparar-se para morrer. É o que sugere esta matéria que trata da aquisição de planos funerários por jovens preocupados em não criar transtornos para familiares e amigos quando o pior acontecer.
Mas logo jovens se ocupando disso? Ora, mortes podem ser repentinas e, independentemente do momento e da causa, custam caro. Deixar encaminhada questões práticas as torna um pouquinho menos penosas, e pode ser visto como uma deferência de quem parte. Deferência essa que já se incorporou aos costumes suecos. Por lá, cultiva-se a döstädning (faxina pré-morte). "[T]rata- se do ato de arrumar o que se acumulou em vida para não transformar a tarefa em fardo para familiares, amigos, funcionários. (...) É (...) se livrar dos seus excessos, de suas quinquilharias, do acúmulo, (...) para que ninguém tenha de fazê-lo mais tarde".
O mundo material pode ser imbatível em quantidade de tralhas, mas o virtual também não é modesto em despojos. Pensando nisso, convém fazer um testamento digital, indicando um administrador para sites e redes sociais. Entre outras coisas, pode-se optar pelo encerramento das contas ou por sua manutenção in memoriam, alternativa que Facebook e Twitter oferecem. E se entre as preocupações estiver a pretensão de sobreviver digitalmente, dá para deixar encaminhada a criação de hologramas, vídeos em realidade aumentada e gravações de voz para reprodução em assistentes virtuais.
Velórios e missas de sétimo dia são fartos em comentários elogiosos sobre aquele que se vai. Adjetivos como "afetuoso", "honesto" e "bem-humorado" costumam adoçar bocas e ouvidos dos mais próximos em horas assim. Por que não acrescentar um reconhecimento de que o ente querido, além de uma vida virtuosa, fez da sua morte um manifesto de cuidado com os que o cercavam? Uma atitude digna de um epitáfio assim: "Jaz aqui alguém que soube viver. E morrer".
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