Como a agilidade emocional pode nos ajudar – no trabalho e na vida
Assim como a agilidade física, a agilidade emocional é importante para a saúde, bem-estar e para as relações de sucesso no trabalho. Contudo, em um mundo onde as coisas acontecem em ritmo acelerado, como é possível alcançá-la? A psicóloga Susan Davis, professora da Faculdade de Medicina de Harvard, oferece alguns insights para isso em um novo livro intitulado “Agilidade emocional: liberte-se, abrace a mudança e seja próspero no trabalho e na vida.” A autora concedeu a entrevista a seguir onde abordou, entre outros temas, um “conjunto de habilidades críticas” necessárias para se alcançar o equilíbrio emocional.
O que é a agilidade emocional?
É a capacidade de saber conviver com nossos pensamentos, emoções e histórias. Essas coisas nos sobrevêm milhares de vezes ao dia, mas não deixamos que nos distraiam. Pelo contrário, somos direcionados intencionalmente e com um propósito para o que valorizamos em nossa vida.
A distração é uma coisa que acontece à maior parte das pessoas todos os dias ou semanalmente?
Sem dúvida. Não se trata simplesmente de se deixar levar pela ira, por exemplo. No entanto, todos temos modos pelos quais queremos viver, um jeito de exercer a paternidade, um modo pelo qual queremos cultivar nossos relacionamentos e uma maneira de nos comportarmos no trabalho. Contudo, com frequência nos deixamos nos distrair por não estarmos em um relacionamento eficaz com nossos pensamentos, emoções e histórias.
Esse livro é baseado na pesquisa que você fez nas últimas décadas e nos exemplos que presenciou em primeira mão?
Sim. Sou formada em psicologia clínica. Leciono na Faculdade de Medicina de Harvard e sou uma das fundadoras do Instituto de Coaching do Hospital McLean. Boa parte do meu trabalho é baseado nas minhas pesquisas sobre emoções e no trabalho que desenvolvo com meus clientes e nas minhas organizações.
Sei que você tem uma lista de ingredientes principais para as pessoas que pensam em tentar alcançar esse nível de agilidade emocional. Quais ingredientes são esses?
Em primeiro lugar, a agilidade emocional é a capacidade da pessoa de conviver consigo mesma de um modo corajoso, compassivo e instigante. Isso requer uma série de estratégias e de competências básicas. Uma delas consiste em ser capaz de não brigar com pensamentos e emoções. A razão pela qual digo isso se deve ao fato de que as pessoas, com frequência, têm uma experiência que as deixa desoladas no trabalho. Ou então elas não gostam do trabalho que fazem – ou outra coisa qualquer acontece no mundo delas. Em vez de superar a situação, elas vão empurrando o problema e se deixam envolver por um conflito interno: devem, ou não, pensar em uma coisa específica ou mesmo senti-la? Elas não deveriam se sentir infelizes, pois pelo menos têm um emprego. Ou então tentamos racionalizar nossos pensamentos e emoções. Sabemos que essa não é uma maneira eficaz de lidar efetivamente com o que acontece na nossa vida.
Uma coisa que você traz à tona são os valores nos quais as pessoas confiam, coisas que são essenciais para elas e a importância delas no processo.
Uma das primeiras coisas sobre a qual discorro é como uma cara zangada muitas vezes tolhe nossa capacidade de olhar para além das nossas emoções e dificuldades e nos impede de discernir os sinais que apontam para as coisas que são importantes para nós. As coisas que nos incomodam, ou que nos deixam irados, muitas vezes têm informações a respeito daquilo em que há valor. Fico infeliz com a ideia de que me roubaram, mas por trás disso, sou uma pessoa que se preocupa com questões de equidade e de justiça, por exemplo. As pessoas, muitas vezes, enfatizam essas emoções, mas com isso põem de lado a possibilidade de aprender.
Ter uma percepção clara do que é importante para nós é fundamental. Os valores são sempre uma coisa meio kitsch, do tipo que penduramos nas paredes da empresa, mas nos quais não acreditamos de fato e em relação aos quais não tomamos nenhuma atitude. Contudo, é fascinante o trabalho incrível que mostra que quando as pessoas cultivam valores como algo prioritário, elas se protegem diante das transições, por exemplo. Se você está atravessando uma fase difícil no trabalho, se está no primeiro ano da faculdade, se está com dificuldades em um relacionamento, saber de que jeito queremos ser no mundo nos protege do contágio social. Ficamos protegidos de muitas comparações insensíveis que tantas vezes fazemos. É parte fundamental da nossa habilidade estarmos bem e sermos pessoas felizes e produtivas.
Muita gente já disse como é importante aprender com a negatividade.
Vivemos em um mundo em que qualquer jornal que abrimos nos diz que precisamos ser felizes. Uma amiga minha morreu recentemente de câncer de mama em estágio avançado. Ela descreveu o fato como a tirania do pensamento positivo, isto é, a ideia segundo a qual se pensarmos que não temos câncer, de algum modo ficaremos bem. Ela me disse: “Se fosse apenas uma questão de manter o pensamento positivo, as pessoas do meu grupo de apoio estariam vivas hoje. A ideia de pensar simplesmente positivo quase me faz sentir culpada pela minha própria morte.”
Vivemos, sem dúvida, em uma sociedade que nos deixa desconfiados quando as coisas não saem bem. A consequência natural é o desejo de colocar tudo de lado. A pesquisa psicológica nos diz que a própria ideia de tentar não pensar no assunto tem um efeito que se volta sobre nós mesmos. Pensamos em uma coisa umas 30 ou 40 vezes por minuto. Você tenta não pensar em bolo de chocolate porque está de dieta, e aí sonha com ele. Portanto, tentar não pensar ou tentar não resolver situações complicadas não funciona. Em segundo lugar, esse tipo de pensamento não nos permite explorar o que temos a aprender e fazer em seguida: mudanças construtivas em nossas vidas.
Você também comenta a ideia de que as emoções nos dizem muita coisa sobre nós mesmos. Elas comunicam o tipo de pessoa que somos. Qual a importância disso nesse processo?
É muito importante. Charles Darwin escreveu um livro não muito famoso chamado “A expressão das emoções nos homens e nos animais”. Na obra, ele discorre sobre a ideia de que as emoções nos ajudam não apenas a nos comunicar om outras pessoas, mas também com nós mesmos. Esse é um aspecto crítico do meu livro. Essa ideia de que podemos aprender com o que há por trás das nossas emoções, quando temos um sentimento de culpa, de ira, há sempre alguma coisa aí de instrutivo para nós. Agora, a distinção evidente aqui é que nossas emoções são dados – e não direcionamentos. Podemos aprender com elas, mas não temos de obedecê-las ou ser dominados por elas.
No livro, discorro sobre a ideia de se expor. Contudo, descrevo também as habilidades críticas que chamo de dar um passo para fora, isto é, a capacidade de experimentar um sentimento ou pensamento e praticamente pairar acima dele. Todos tivemos essa experiência: quando nos irritamos com alguém, quando espumamos de raiva com um encarregado do serviço ao cliente que mais uma vez errou na nossa conta. Essa capacidade de sentir emoção e praticamente pairar sobre ela é uma habilidade fundamental para nós e para nossos filhos. Ela nos ajuda a ser sadios e a nos sentir bem sem ignorar nossas emoções. [Uma citação frequentemente atribuída a Viktor Frankl sintetiza bem isso:] entre o estímulo e a resposta, há um espaço. E nesse espaço está nosso poder de escolha. É dessa escolha que vem nosso crescimento e liberdade.
Isso também é importante para as crianças?
Por volta de 2030, acredita-se que a depressão deva ser a causa exclusiva de desabilidade no mundo todo, ultrapassando o câncer, as doenças cardíacas. Esse aumento da enfermidade psicológica nas crianças é simplesmente assustador. Em um mundo em transformação, as crianças precisam realmente desenvolver um conjunto de habilidades que lhes permita navegar por suas emoções de maneira eficiente e aprender que essas emoções não são maiores do que elas, e que há estratégias e habilidades à sua disposição. Dediquei um capítulo inteiro do meu livro à descrição desse conjunto de habilidades necessário às crianças em termos bastante práticos.
Existe uma diferença geracional na forma pela qual os millennials agem hoje em comparação com a forma como os baby boomers de 30 ou 40 anos se comportavam?
Há estratégias específicas que as pessoas usam só por estarem mais à mão. No livro, faço referência a emoções que pomos de lado, como se as tivéssemos esmurrado para longe – e também àquelas nas quais nos demoramos mais, que remoemos. No caso das primeiras, a pesquisa não parece indicar que haja diferenças geracionais.
Contudo, algumas das diferenças geracionais que se evidenciam surgem quando crescemos em um mundo que nos diz que podemos consertar qualquer coisa e que há um aplicativo para tudo. Podemos começar a aprender ou a receber mensagens que nos dizem: se não gostar de suas emoções, podemos simplesmente consertá-las. Sabemos que há coisas que não podem ser consertadas. Há coisa que precisam ser carregadas, e de modo eficaz. A fragilidade da vida é inseparável da sua beleza, e sua beleza é inseparável da sua fragilidade. Para os millennials, há uma prioridade aqui: ajudar as pessoas não apenas a consertar as coisas de um modo superficial, mas ajudá-las a rotular e a compreender – e também saber discernir que aquilo que é importante para elas é de fato fundamental.
E quanto às diferenças entre homens e mulheres?
Há diferenças realmente interessantes. Reitero que isso não significa que todos se encaixam nessas categorias. Contudo, sabemos com certeza que os homens tendem a fazer mais daquilo que chamamos de “engarrafar” as emoções. Essa é a ideia por trás do conceito de colocar de lado. Tenho um projeto que preciso realizar, portanto vou levá-lo adiante e ignorar o incômodo que sinto e que minha equipe sente, ou minha falta de afeição e insatisfação.
As mulheres tendem mais a “remoer”, conforme eu digo no livro, ou remoer em parceria. Você remói uma coisa quando a analisa, pensa sobre ela e insiste em refletir: “Por que estou sentindo o que estou sentindo?” Remoer em parceria é refletir intensamente sobre uma questão na companhia de alguém. É quando você vai almoçar na companhia da sua melhor amiga e conversa com ela sobre seu problema. Remoer e “engarrafar” o problema são coisas muito diferentes. Em uma delas você ignora as emoções; na outra, você passa e repassa o que sente. No entanto, ambas estão interligadas de maneira interessante com os níveis mais baixos da capacidade de lidar com o stress, de ser produtivo e de resolver problemas.
De vez em quando, as pessoas ficam mal-humoradas. Como solucionar isso?
Uma coisa importante é reconhecer que, às vezes, as dificuldades e as emoções negativas que experimentamos realmente nos ajudam. Sabemos graças a pesquisas nessa área que quando estamos mais bem-humorados, esse estado nos ajuda a lidar melhor com tipos específicos de pensamentos: pensamentos criativos, questões importantes, solução de problemas etc.
Entretanto, um humor mais negativo nos ajuda a analisar, a contingenciar um plano, a editar. Por exemplo, no caso de alguém que esteja fazendo a publicidade de um produto para um cliente, a ideia de como um estado de espírito positivo pode ajudar aquela pessoa ser criativa no sentido de como se conectar e se relacionar de modo eficaz com um cliente é realmente importante. No entanto, esse modo negativo pode nos ajudar a contingenciar um plano, a pensar a respeito do que pode dar errado em um projeto. O primeiro aspecto disso consiste em ser capaz de estar com nossos pensamentos e emoções em vez de brigar com eles.
No livro, falo também sobre como criar estratégias que nos ajudem a superar essas emoções e nos livrar delas. Por exemplo, muitas vezes uma pessoa estressada diz: “Estou estressada.” No dia seguinte lhe perguntamos: “Como foi seu dia?” Ela diz: “Estou estressada.” O interessante é que há uma diferença entre estressado e com raiva, estressado e irritado e estressado e desapontado. Sabemos que nas pessoas que conseguem ser mais precisas, que são capazes de rotular com exatidão seu stress, isso faz com que seu potencial de prontidão se altere. Em outras palavras, de uma perspectiva neurológica, é importante que desenvolvamos estratégias e formas de resolver problemas. Essa ideia de ser capaz de rotular uma emoção já é em si mesma incrivelmente transformadora e poderosa.
Quando você diz que a depressão vai aumentar nos próximos anos, de que maneira isso se relaciona com as mídias sociais? Nosso filhos não serão capazes de se relacionar socialmente por causa da tecnologia?
Há razões muito complexas para as mudanças estatísticas que estamos observando. Em parte, elas têm a ver com identificação. Contudo, há outros motivos que indicam efetivamente que quando vivemos em uma sociedade em que há muita mudança, muita tecnologia e um volume imenso de ambiguidade, é quase como se nosso cérebro não tivesse evoluído para tolerar e lidar com essas mudanças da maneira de que precisamos que ele lide.
Mas há outros aspectos nessa questão. Fala-se muitos nos tais pais helicópteros, como se os pais agissem assim de propósito. A maior parte deles, porém, quer ajudar os filhos a se sentir melhor. Quando uma criança volta da escola e se sente rejeitada, a maioria de nós, sem intenção nenhuma de nos comportamos como pais helicópteros [que estão o tempo todo em cima de seus filhos, buscando estimulá-los, supri-los, fazê-los felizes, levá-los a mil e uma atividades], mas com a intenção de consolá-la e de lhe dar acolhimento. Diremos a ela: “Tudo bem. Como posso ajudar? Vamos fazer uns cupcakes juntos.” O que fazemos nesse contexto, embora façamos com a melhor das intenções é, com frequência, privar nossos filhos da capacidade de lidar com suas emoções, reconhecer que elas passam, ser capaz de rotulá-las e criar estratégias para elas.
Sob alguns aspectos, acho que a resposta é muito complexa. Mas, certamente, sabemos que se alguém está no telefone o tempo todo não está criando conexões reais. O apoio social é uma defesa importante para o stress em que as pessoas vivem, portanto eu acho que há razões complexas e interligadas aqui que são realmente importantes.
Quando as pessoas estão em um emprego, às vezes elas estão pensando em sua carreira; porém, muitas vezes não estão. Você fala sobre a necessidade que as pessoas têm de continuar a pensar na carreira.
No meu livro, “Agilidade emocional”, falo sobre a ideia de que todos desenvolvemos narrativas. Algumas delas foram escritas em um quadro mental da terceira série; outras, em nosso primeiro emprego. Essas narrativas são poderosas. Elas nos ajudam a interpretar o mundo. De uma perspectiva psicológica, servem a um propósito crítico.
No entanto, começamos a entrar no que descrevo no livro como um compromisso cognitivo prematuro. É a ideia de que decidimos prematuramente que há um emprego específico que realmente gostaríamos muito de ter, mas não fomos talhados para ele. Ou que há um projeto no qual não nos envolvemos devido a alguma narrativa ou raciocínio interno. Descrevo essa necessidade crítica de reconhecer nossa história e nossa narrativa, mas não podemos permitir que ela nos controle. Podemos escolher decididamente navegar outra vez por aquela narrativa porque somos mais do que uma história apenas. Temos muitas histórias. Às vezes, todavia, uma história começa a ocupar o centro dos nossos relacionamentos no trabalho ou em qualquer outra coisa de que tomamos parte de maneiras que não nos servem e não atendem aos nossos valores ou quem desejamos ser no meio em que trabalhamos.
*Serviço gratuito disponibilizado pela Wharton, Escola de Administração da Universidade da Pensilvânia, e pela Universia, rede de universidades que tem o apoio do Banco Santander.
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