Bilionários sem propósito

Parece que foi Balzac quem disse que por trás de toda fortuna havia um lastro de crime. Antes que a "boutade" do escritor francês possa virar slogan do PSOL ou de alguma outra sigla maniqueísta, é bom enfatizar que foi o líder comunista Deng Xiao Pin...
Bilionários sem propósito

Parece que foi Balzac quem disse que por trás de toda fortuna havia um lastro de crime. Antes que a "boutade" do escritor francês possa virar slogan do PSOL ou de alguma outra sigla maniqueísta, é bom enfatizar que foi o líder comunista Deng Xiao Ping afirmou que "enriquecer é glorioso". Sem emitir maiores juízos de valor, certo é que a possibilidade de geração de riqueza é fator determinante de prosperidade e bem-estar dos povos. Se, por outro lado, alguns poucos se empavonam em ostentar, o problema não decorre do dinheiro em si, mas do que ele representa para certas pessoas. Muitas delas não estavam prontas para o usufruto de grande fortuna, o que as leva a resvalar para o ridículo, no afã de se mostrar a si mesmas à altura. A crônica recente atesta, ademais, que os verdadeiros bilionários procuram manter perfil baixo e não tiram do dinheiro os prazeres fundamentais da vida que são, na verdade, gratuitos. 

Mas a propósito do quê abordo esse tema na boca do fim de semana? Acaso é meu desejo voltar às diatribes de Eike Batista e afirmar o quanto ele foi infantil ao lidar com um aceno espasmódico de que poderia vir a se tornar um bilionário sustentável? Não. Não é de meu feitio espezinhar quem deve estar sofrendo demasiado pelos maus passos. Queria sim falar do monarca saudita que desembarcou na Indonésia essa semana, à frente de uma família estendida de mais de mil pessoas e com meio milhão de quilos de bagagem. Trata-se da primeira escala de um longo périplo. Caso típico dos mandatários que saíram do camelo e tomaram assento no Rolls Royce em menos de um século, há de se ressaltar que a ostentação no mundo dito árabe não se confunde com o conceito de "nouveau riche" consagrado em algumas partes do Ocidente. Nas teocracias, o dinheiro abundante pode sinalizar simplesmente que Alá reconhece no governante um homem virtuoso. E resolveu compensá-lo.

Comentando tempo desses o dia a dia dos bilionários com uma amiga, ela relatou algumas das extravagâncias risíveis protagonizadas pelos russos nas grandes estações de esqui da Europa. Numa delas, na Suíça, o programa noturno consiste em comer "fondue" num chalé-restaurante que fica na parte mais alta do sítio. Ora, essa rústica e deliciosa iguaria helvética custa, em qualquer lugar, não mais que 50 francos, se tanto. Como forma de adubar a conta, eis que o gerente do local resolveu transformá-lo em experiência. Assim, os comensais são agraciados com um bisonho passeio de trenó de seus apartamentos até o restaurante e vice-versa. Ao final, devidamente embriagados, não hesitam em pagar até 1.200 francos por cabeça. Indagado se não se sentia constrangido em perpetrar tal abuso, o hoteleiro mostrou a longa lista de espera que tinha para aquela noite. Nessa ocasião, a amiga viu um russo pagar 3.000 francos pelo melhor par de esqui profissional do mundo para presentear um principiante. É total falta de senso de proporção.    

Voltando às monarquias do Golfo, as histórias que correm à boca pequena em Genebra são pródigas em detalhes. Como, por exemplo, a da princesa saudita que foi à loja da Cartier e não encontrou o anel de safira que procurava. Ofereceram a mesma opção de "design" em rubi e esmeralda, mas não era o que ela queria, pois tinha uma festa naquela mesma noite. Alguém então disse que o anel estava disponível em Londres e poderia chegar no dia seguinte. Mas ela teve melhor ideia. Mandou chamar a tripulação e partiu para a Inglaterra de imediato a bordo de um enorme 747, só para si e um pequeno séquito. No cair da tarde, estava de volta à Suíça, pronta para a noite de gala. Já o pessoal do Kuwait, sabendo o quanto é trabalhoso acomodar no avião uma limusine blindada de forma a que não comprometa a segurança do voo, manda distribuir gorjetas de 40 mil francos para a equipe responsável pela operação, geralmente formada por cinco pessoas.  

Entre todas essas histórias que poderia citar às dezenas, poucas são mais grandiosas e fanfarronas do que a festa que o Xá do Irã ofereceu em Persépolis para celebrar os 2.500 anos da dinastia persa. O cardápio foi confiado ao Maxim´s de Paris. Consistia em ovos de codorna recheados com caviar Imperial do Mar Cáspio regados a Champagne Grande Dame. A segunda entrada era mousse de cauda de lagosta com um Château Haut-Brion branco, safra de 1964.  Na sequência, cordeiro com trufas. O vinho era um exclusivo Château Lafite Rohschild 1945. Como sobremesa, um "sorbet" de Champagne Moët Chandon, safra de 1911. Depois era a vez do pavão assado ornado com as próprias penas na cauda, recheado de "foie gras", escoltado por uma salada de trufas. O vinho era um Comte Georges de Vogüé, 1945. Para finalizar, figos frescos com creme, sorvete de champanhe de framboesa e Dom Perignon rosé, ano 1959 – um vintage, portanto. Após o café, talvez jamaicano, Cognac Prince Eugène e charutos. Depois disso, alguém pode se espantar com a chegada dos aiatolás ao poder? 

Por hoje é só. Qualquer hora dessas falaremos dos bilionários com propósito. Gente como Bill Gates que dedica parte importante de seu tempo a causas humanitárias da maior relevância em lugares onde o dinheiro pode sim fazer toda a diferença. De risíveis, já adianto, eles nada têm. Mas, ao fim e ao cabo, enriquecerão muito mais a crônica da vida humana na Terra.     

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Quarta, 11 Dezembro 2024

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