A face escura da lua

O ativismo de Roger Waters
Roger Waters não ofereceu qualquer caminho para canalizar a indignação que, supostamente, pretendia despertar na plateia

Roger Waters orgulha-se de ser um artista militante. Tanto que, antes de seus shows na recente turnê sul-americana, projetava no telão uma mensagem exortando os fãs descontentes com suas manifestações políticas a "vazar para o bar". Mas será que o ativismo do ex-Pink Floyd é efetivo - isto é, capaz de mobilizar o público a agir em prol das causas caras ao cantor? A julgar pelo que dizem especialistas, não. E por motivos bem simples. Primeiro, porque os alvos da indignação do músico são assuntos amplamente conhecidos: guerras, fome, discriminações, violência policial. Chamar a atenção para eles só faria sentido se fossem uma novidade para a opinião pública, o que obviamente não é o caso. Segundo, porque parte dos temas escolhidos, como o conflito Israel x Hamas/Palestina, é controverso. E colocá-los sob o holofote pode ter efeito contrário ao esperado.

O que funcionaria para atrair a participação concreta das pessoas? Convocá-las a agir, dando preferência a objetivos que sejam específicos (conservar micos-leões dourados, por exemplo, e não "salvar a natureza", genericamente), mostrando como o problema será resolvido (abrigando os animais num santuário) e apontando como colaborar (doando dinheiro, no caso mais comum). Dois pesquisadores explicam o motivo: "As pessoas precisam ver como suas iniciativas ajudarão a resolver o problema. Chamados à ação que deixam nas pessoas a sensação de que elas não irão fazer grande diferença tendem a resultar em desengajamento ou inação".

Ou seja, coisas do tipo "assine nossa petição", "siga-nos nas redes sociais" ou "clique aqui para mais informação" de nada adiantam, assim como as imagens e palavras que Waters projetou nos telões ao longo de suas apresentações. Iniciativas como a da cantora Ariana Grande, por outro lado, são melhores. Na intenção de mobilizar os jovens a evitar a reeleição de Donald Trump, incentivou-os a tirar o título de eleitor em tendas do TSE norte-americano disponíveis em cada show de sua turnê de 2020.

Waters fez o contrário. Lançou mão de chavões vagos ("resistir ao fascismo e à guerra", "imposto para os ricos", "parem com o genocídio", "todos nós precisamos de direitos") e não ofereceu qualquer caminho para canalizar a indignação que, supostamente, pretendia despertar na plateia. O público aplaudiu, sentiu-se com a consciência tranquila e... voltou para casa do mesmo jeito que fora para o estádio. Um caso típico de dois dos mais recentes fenômenos da sociedade digital: sinalização de virtude, de parte do cantor, e de ativismo preguiçoso, do lado daqueles que se sentiram engajados (se é que alguém experimentou essa sensação). "Um teste definitivo pra você ver se uma crítica social é de brinquedo é ver se ela cabe na publicidade. Se couber, esqueça", escreveu Luis Felipe Pondé (Folha de S. Paulo, 20/09/20). Pode-se adicionar: se virar mensagem em show de rock, também.

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Quinta, 21 Novembro 2024

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