A superfície e as profundezas da economia
Ascondições do mercado de crédito, do lado da oferta e da demanda, serãoimportantes elementos para a volta cíclica do crescimento. Instituiçõesfinanceiras sólidas e com confiança para conceder crédito, por não sedefrontarem com risco elevado de insolvência de empresas e consumidores, serãoingredientes necessários para a futura retomada da economia.
Dolado da demanda de crédito, o quadro é desafiador – seja para as pessoas oumesmo empresas. Na pessoa física, a taxa de inadimplência bancária está baixa(3,7%), ainda reflexo da retração da oferta de crédito nos últimos anos e ocomportamento mais conservador do consumidor. A demanda de crédito recua e oconsumidor se esforça para reduzir lentamente, o endividamento e a dívidabancária em atraso. Como proporção da renda anual, o índice de atraso está emtorno de 4,2% ante o pico de 4,9% ao final de 2012.
Masas boas notícias param por aí, pois há sinais de deterioração da situaçãofinanceira no bolso dos brasileiros. A inadimplência não-bancária está em altaexpressiva, segundo a Serasa. O índice relativo ao crédito não-bancário cresceu25% em julho (no total anual) e os protestos cresceram 32%, contra 16% nocrédito bancário. Vale citar que a relação entre crescimento da inadimplênciabancária e não-bancária costuma ser inversa, o que sugere que a pessoa escolheentre honrar uma delas conforme as condições que tem. No entanto, em períodosde crise como a de agora, as duas estão subindo juntas.
Comisso, se entende que piorou a qualidade do crédito. No segmento livre, ocrescimento das concessões é puxado por cartão de crédito e cheque especial –justamente os segmentos com taxas de juros e inadimplência mais elevadas. Nasdemais modalidades, mais dependentes da decisão dos bancos de emprestar, hárecuo moderado. Indicadores antecedentes sugerem que a inadimplência já deveriaestar crescendo de forma expressiva. As taxas de atraso (entre 15 e 90 dias) ede inadimplência (acima de 90 dias), somadas, já poderiam estar em torno de11,5% contra o 9,3% efetivo, próximo das mínimas históricas.
Oaumento da renegociação de empréstimos, representando 2,3% das concessões ante1,7% ano passado, pode estar ajudando a conter a alta da inadimplência, porenquanto. O quadro inspira cautela para os consumidores. O atraso nospagamentos é maior do que parece na superfície. Ele tem peso elevado na rendapessoal, está concentrado em itens com maior taxa de juros e pode ainda crescermais, dada a piora em curso das condições econômicas. Preocupação ainda maior écom as empresas. No crédito livre, a soma entre atraso no pagamento einadimplência bancária cresce e já atinge 7,2%, um índice histórico. Ainadimplência bancária costuma ser a ponta do iceberg, pois antes de dever paraos bancos, os empresários já estão inadimplentes com seus fornecedores, asinstituições não-bancárias e o fisco. Esse parece ser o caso agora.
Osindicadores da Serasa apontam inadimplência não-bancária crescendo em ritmomais elevado: 23% (na soma anual) contra 4% para o crédito bancário, em julho.Já os protestos crescem 15%. Não é à toa que a arrecadação associada aodesempenho das empresas tem retraído tanto (-9,5% em termos reais de janeiro ajulho para IRPJ e CSLL). E não faltam relatos de setores com atraso nopagamento aos fornecedores, o que acaba travando a atividade econômica. Asondagem da indústria da CNI aponta situação financeira frágil e pouco acessoao crédito.
Naturalmente,o quadro é ainda mais desafiador para as pequenas e médias empresas, com taxade inadimplência de 3,9% em dezembro. As grandes tiveram um índice de 0,4% e aPessoa Jurídica (PJ), no total, 1,9%. A qualidade do crédito também piora paraa PJ. No segmento livre, as categorias que puxam a concessão de crédito estãoassociadas às dificuldades financeiras das companhias, como cheque especial ecartão de crédito rotativo (+4,8% nos últimos 12 meses até julho). Linhas decrédito como aquelas que antecipam receita sofrem por conta do ciclo econômico(-34%). Já do lado da oferta de crédito, o quadro é mais favorável, especialmentepara bancos privados. De forma geral, os indicadores mostram que os bancosajustaram suas estratégias diante dos riscos do cenário econômico e à tendênciade aumento da inadimplência. Eles reduziram o volume concedido elevandoprovisões e spreads.
Épossível que bancos de menor porte estejam em posição menos favorável – algunsdependendo de aporte de capital e venda de ativos. No entanto, não há risco decrise bancária. Indicadores de liquidez, de provisão e de alavancagem, emvárias métricas, estão em patamar adequado e, em muitos casos, até melhorando.Além disso, o avanço se mostra, de formal geral, disseminado entre asinstituições financeiras. O Índice de Basiléia [que estabelece exigência de capital dos bancos], por exemplo,atingiu 16,7% (o limite é 11%).
Emjunho, os bancos privados nacionais estavam no grupo mais blindado, com índicede 7% de provisão de inadimplência. Nos públicos esse número chegava a 3,9% enos estrangeiros era de 5,4%. Enfim, se de um lado os bancos privados poderãocontribuir para a retomada econômica, de outro a difícil situação financeira deempresas e consumidores poderá impedir a recuperação da economia. Afinalesse cenário poderá retardar decisões de consumo e investimento e produzirá umambiente pouco propício ao aumento da oferta de crédito pelos bancos. O quadroé mais sério e a crise mais profunda do que sugerem os indicadores bancários,portanto.
Umareflexão final: caso houvesse maior segurança jurídica quanto às garantias dosempréstimos, será que a contração da oferta de crédito bancário não seria menossensível à crise, ajudando a suavizar o ciclo econômico?
*Economista-chefeda XP Investimentos.
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