Ponto de vista
Em entrevista coletiva dia 31 de janeiro, Lula disse querer "transformar o Brasil num país de classe média". Exceto por uma referência à Suécia como modelo, o presidente não deu mais detalhes do que seria uma nação assim – e a vaguidão acerca do conceito não é exclusividade sua.
A expressão 'classe média' pode assumir várias conotações. Do ponto de vista estritamente econômico, designa o conjunto de cidadãos que se situa na faixa intermediária da distribuição de renda. Se este for o critério, Lula já pode comemorar: mais da metade dos domicílios brasileiros detém este status, segundo levantamento recente.
Ocorre que o conceito de classe, na sociologia, envolve mais do que a renda momentânea, abrangendo também a profissão e a propriedade do imóvel de residência. Ambas oferecem uma perspectiva a respeito de um cidadão e de sua família; quanto maior a educação formal, mais condições de ocupar bons empregos e conservar ou melhorar a posição social. E, se dono do imóvel em que mora, menos ameaçado por uma crise circunstancial.
Há uma terceira forma de encarar essa definição, que é pela autopercepção. E nesse aspecto reside a maior curiosidade. Se depender dos cidadãos, não apenas o Brasil, como talvez todos os países sejam de classe média, uma vez que é com esse grupo que a população se identifica.
Motivos não faltam. Em nações pobres ou de renda intermediária, como o Brasil, pode-se associar o ingresso na classe média à superação da carência material básica. A despeito de as condições de vida continuarem difíceis, deixar para trás preocupações com alimentação e moradia abre novos horizontes ao sujeito. Ser pobre, então, torna-se sinônimo de não ter acesso aos bens; tê-lo à prestação ou economizando meses a fio já o retira do andar mais baixo da classificação social.
Há, além disso, um viés psicológico. Dizer-se pobre pode ser constrangedor ou humilhante; e rico, temerário e privilegiado. Localizar-se no meio cumpre a tarefa de conservar a dignidade e evitar comprometer-se, seja com a culpa pela carência alheia, seja com uma hipotética luta coletiva.
Finalmente, a autodeclaração é sempre comparativa. Domicílios com renda acima de R$ 25 mil mensais são considerados de classe A e estão no topo da pirâmide social brasileira. Seriam ricos, portanto? Em contraste com aqueles que ganham menos, talvez sim. Mas se perguntados sobre como se sentem, tendo de arcar com despesas particulares de saúde, educação, previdência, transporte e segurança, dirão que não. E se cotejados com as classes médias europeias e norte-americana, que desfrutam de todos esses serviços gratuitamente e têm acesso facilitado a tantos outros, a resposta negativa se repete.
Diante dessas condicionantes todas, fico com uma definição que ouvi certa vez: pobres ocupam-se de sobreviver a cada semana; a classe média, a cada mês; e ricos, a cada ano – ou nem se preocupam.
Veja seu horizonte de preocupação e descubra em qual classe você se encaixa.
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