"O Novo Agora", o livro de Marcelo
1 – Li "O Novo Agora", que acaba de chegar às livrarias, e que já desponta como um dos livros mais vendidos, na cola do sucesso de "Ainda Estou Aqui", do aclamado Marcelo Rubens Paiva. Era uma leitura urgente? Não! Será que eu precisava me impor o dever de ser dos primeiros a lê-lo? Tampouco. Por outro lado, pensei que vocês gostariam de ter aqui, em primeira mão, uma modesta resenha. Vocês me dão tanto... Por que não posso de vez em quando retribuir com um presente?
2 – Gosto de Marcelo. É um homem de bem. Ademais da decência, tem seus méritos como escritor – de peças, de roteiros e, evidentemente, de memórias. Não é um Emanuel Carrère, que, nessa mesma pisada, escreve com esmero, cunha pérolas a cada três páginas e não descuida de um certo rigor – tudo em favor da beleza e da contundência. Marcelo não tem esse estofo. Por outro lado, fala do nosso mundo – do Sumaré, da Vila Madalena, do velho Bar Mercearia e da Praça Roosevelt. Tem a cara de São Paulo.
3 – O eixo central do livro são os filhos, dois meninos com pouca diferença de idade entre si, cujo cotidiano é fartamente documentado pelo pai bissexto. Na sequência, uma separação conjugal turbulenta, relatada com sinceridade. O outro eixo é a vida em família durante a pandemia, num condomínio. Depois, o envolvimento com o bloco carnavalesco do Baixo Augusta, que vira bandeira. Por fim, a sensação de desalento quando um borra-botas assumiu a Presidência e desmoralizou a Nação.
4 – Num pai coruja, perdoa-se tudo. Ainda assim, é enfadonho acompanhar os progressos pedagógicos das crianças em instituições alternativas, dessas que levam muito a sério a missão de mudar o mundo. Um momento deliberadamente ruim do livro é quando ele esmiúça os conceitos de "gaslighting" quando fala de pendengas conjugais, puxando para si a pecha de intempestivo e impositivo. Creiam ou não, ele impõe ao leitor um decálogo americano de como ser "fofo" no quebra-pau.
5 – Isso é imperdoável na literatura, mesmo que se restrinja a 1% do total do texto, se tanto. Em igual medida, é imperdoável fazer atualizações – forçosamente a posteriori, com o livro pronto –, enxertando cacos sobre a premiação da obra anterior quando os originais já estavam prontos para rodar. Isso se percebe e destoa. No mais, não há um certo "déjà vu"? Forçosamente, sim. Marcelo está em todas. Recontar a história de Eunice e Rubens pai é inevitável, mas já não surpreende.
6 – Nem tudo foram flores na vida de Marcelo. Ademais do acidente que o deixou paraplégico – que, segundo ele diz lindamente, está longe de ter sido o fato mais determinante da vida dele –, há pouco mais de 10 anos as patrulhas do politicamente correto estavam no seu encalço nas aparições públicas. O rótulo de "machista" – tido na época como uma grande ofensa, passível de "cancelamento" – o perseguia nos eventos culturais. Ele suou sangue para sair desse corner, fato perceptível para quem o acompanhava.
7 – A vida financeira estava dificílima. Ter duas crianças em instituições escolares de ponta, cuidar delas com o carinho com que ele próprio foi cuidado, arcar com as despesas advindas de sua mobilidade limitada e, ainda por cima, ver seus contratos suspensos por conta do ódio pessoal que o novo presidente tinha por sua família – história que vale ser conhecida, lá de Eldorado, terra daquele traste, onde o avô de Marcelo tinha uma fazenda –, foi uma provação à sua fibra, que é imensa e multiplamente comprovada.
8 – A leitura flui. São bons os momentos em que ele descreve o primeiro parto da mulher. Os bastidores do Baixo Augusta onde ia tomar suas biritas e confraternizar com as equipes de teatro. A politização inexorável de quase tudo na vida, com uma preocupação obsessiva pela correção, pela justiça e pelo igualitarismo. No mais, tenho bastante dificuldade de ler um autor que não se refere a um ônibus como ônibus – apenas como "busão" – uma fórmula local, que, acho eu, se pretende engraçada.
9 – Quando o casal implode, nos meses que antecederam a pandemia, ele abre uma janela interessante sobre o vício iracundo da esposa no Instagram. Ali ela descortinava um mundo de sonho de que ela abdicara muito cedo. Como passar férias na Croácia com a galera, se já tinha dois filhos? Como retomar a vida profissional, se a família a subtraíra do universo transadinho de Pinheiros? Mas ela foi à forra. Casou com um ator pernambucano numa filmagem no Cariri e os garotos ganharam uma irmã.
10 – "All´s well that ends well." Bem está o que bem acaba, como diz Shakespeare. O novo livro de Marcelo vai render ao nosso querido escritor as merecidas glórias. E, espero eu, se o anterior valeu um brutal desafogo financeiro, este baterá o milhão de cópias sem dificuldade. Marcelo é o alento de minha geração. Eu, que também me acho escritor, sofro para vender 3 mil exemplares. Portanto, saúdo-o e ao livro com alegria genuína. Agora, forme sua própria opinião. Se você chegou até aqui, é porque gosta de ler.
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