Inconstitucionalidade do Difal pode causar uma enxurrada de ações judiciais

A questão impacta todas as empresas que realizam operações interestaduais destinadas a não contribuintes do ICMS, principalmente as de e-commerce
Interpretação tende a gerar uma enxurrada de demandas e a movimentar os tribunais ao longo de muitos anos

Por Larissa Laks*

Em fevereiro de 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou a ADI nº 5.469, tendo decidido que o diferencial de alíquotas de ICMS nas operações interestaduais com destino a consumidor final (Difal), introduzido pela Emenda Constitucional 87/2015 e regulamentada pelo convênio 93/2015, seria considerado inconstitucional, salvo se editada lei complementar regulamentando a exigência. A decisão no sentido da inconstitucionalidade da cobrança teve seus efeitos modulados, o que significa que a declaração de inconstitucionalidade seria válida a partir de janeiro de 2022.

Para evitar perda de arrecadação e suprir a declaração de inconstitucionalidade, havia uma expectativa por parte dos estados no sentido de que nova lei fosse editada ainda em 2021, para começar a valer em março de 2022.Ocorre que a demora na tramitação legislativa acabou acarretando um atraso na publicação da nova legislação, em virtude do que a lei complementar nº 190, aprovada em 20 de dezembro de 2021, foi publicada somente no dia 5 de janeiro.

O artigo 3º da referida lei determina que o início da sua produção de efeitos seguiria dois princípios constitucionais tributários ao mesmo tempo: o princípio da anterioridade nonagesimal, também chamado de noventena, pelo qual uma nova legislação somente pode ser aplicada 90 dias após a sua entrada em vigor, bem como o princípio da anterioridade anual, também chamado de princípio da anualidade, o qual determina que a nova lei seja aplicável somente no exercício ou ano seguinte à sua publicação.

Na visão dos contribuintes, aplicam-se os princípios da anterioridade nonagesimal e anual. Dessa forma, o novo imposto somente poderá ser exigido no ano seguinte à publicação da lei que o instituiu ou aumentou e também, cumulativamente, noventa dias após a publicação da nova legislação. Nesse contexto, considerando a publicação da lei complementar 190 do dia 5 de janeiro deste ano, e considerados esses princípios constitucionais, a cobrança somente seria válida a partir de janeiro de 2023.

Contudo, em que pese o entendimento de que, em decorrência da aplicação do princípio da anterioridade, a cobrança somente possa ser realizada no próximo ano, os estados, potencialmente perdedores de R$ 9,8 bilhões em no ano corrente, vêm lançando entendimentos distintos no sentido de que não se trataria de instituição de novo tributo, uma vez que o Difal já era exigido, faltando "apenas" a lei complementar que o regulamentasse.

Assim, não haveria necessidade de observância ao princípio da anterioridade e tampouco da noventena, podendo o Difal ser cobrado a partir do momento em que fosse autorizado pelos estados, o que se deu através do convênio Confaz nº 236, o qual fixa o dia 1º de janeiro de 2022 como marco inicial de sua vigência, data inclusive anterior a da publicação da lei complementar 190. Em função do referido convênio, começaram a ser editadas diversas leis estaduais que preveem a cobrança da Difal ainda neste ano.

A questão é altamente relevante e impacta todas as empresas que realizam operações interestaduais destinadas a não contribuintes do ICMS, principalmente as de e-commerce, que remetem mercadorias a destinatários finais não consumidores de ICMS situados em estados diferentes de sua sede.

Portanto, e para evitar a situação de que as mercadorias em transporte sejam barradas nas aduanas estaduais, muitas empresas já vêm tomando medidas judicias com vistas à obtenção de liminares que impeçam a sua retenção e evitem a cobrança inconstitucional do Difal no ano corrente.

Por qualquer ângulo que se analise a questão, a interpretação dos fiscos estaduais via entendimento do Confaz, movida apenas por interesses arrecadatórios e sem efetivo respaldo jurídico, que desconsidera a necessidade de observância dos princípios tributários da anterioridade de exercício e da noventena, gera uma situação de completa insegurança jurídica.

A interpretação forçosamente equivocada dos fiscos estaduais quanto à data correta de entrada em vigor da lei complementar nº 190 marca o surgimento de uma nova importante tese no cenário tributário, que tende a gerar uma enxurrada de demandas e a movimentar os tribunais ao longo de muitos anos. 

*Mestre e Doutora em Direito Tributário. Advogada no escritório Magadan e Maltz, em Porto Alegre

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Sexta, 26 Abril 2024

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