Anjos caídos
Cinco anos atrás, uma notícia chamou a atenção do mercado de fast food. O McDonald's, líder mundial da categoria, desistira da guinada saudável e voltara aos combos gordurosos e vendedores. O motivo? Wraps, saladas e frutas mofavam nos balcões das lojas, pois o consumidor que buscava o Méqui queria o velho e bom sanduba com batatas fritas, e não lanches light concebidos por nutricionistas zelosos (relembre aqui).
A cadeia de lanchonetes dera ouvidos à opinião pública, e não ao seu público – ou, em outras palavras, aos anseios dos ideais culturais de uma época que vilanizava a má alimentação representada por seus produtos, e não às práticas culturais que os mantinham em alta conta entre parcela expressiva dos consumidores.
Creio que a marca de lingerie norte-americana Victoria's Secret esteja incorrendo em erro parecido. Semana passada ela anunciou que ativistas femininas de causas diversas serão suas garotas-propaganda, aposentando as icônicas Angels – supermodelos que desfilavam anualmente com asas de plumas e lantejoulas, em transmissão por canal aberto para toda a América. Ademais, sua linha de produtos passará a contemplar opções para todos os tipos de corpos. Foi a forma de a empresa expiar supostas culpas por incentivar padrões estéticos opressores em uma era que endeusa a autoaceitação e a valorização de todos os corpos.
Se a marca vai ao encontro do espírito do tempo, por que então estaria errada? Porque a visão de beleza e a relação de homens e mulheres com o corpo não é única. Uma delas é, sim, a do enaltecimento da "real beleza", para usar o slogan consagrado pela pioneira Dove. Mas, outra, é justamente a da idealização, que tanto pode oprimir quanto fazer sonhar – e o que é o consumo, em boa parte das vezes, senão escapismo e fantasia? "Quando a beleza é normalizada, quando se sugere que toda mulher é bonita do jeito que é, a natureza elevada da beleza se perde", lembra o pesquisador Clotaire Rapaille ("The Culture Code", 2006, p.62, tradução livre).
Embora a VS venha, sim, de vendas cadentes, permanece líder de mercado. As acusações aparentemente procedentes de misoginia e preconceito etário e racial em seu board, graves, obviamente precisavam de uma resposta, mas no terreno das relações públicas, não do marketing (relembre). Ativistas fazem barulho, mas não são a média da sociedade. Fora que ao fazer um mea culpa tardio aos olhos vigilantes deste grupo, não há retorno positivo garantido. A campanha do último dia das mães, por exemplo, foi bombardeada por uma colunista: "Repare na aura santificada, as cores suaves e, claro, a barriga impecavelmente lisa, sem nenhuma estriazinha. Que mudança de posicionamento é essa que continua reforçando estereótipos e padrões irreais?" (texto completo aqui). A VS nunca será uma marca com o DNA da chamada beleza democrática, pois dúvidas sempre irão pairar sobre suas intenções, sua autenticidade e seus compromissos.
Dois dos conceitos mais populares em marketing são targeting (definição de um segmento-alvo) e posicionamento. Ambos implicam escolhas. Produzir mercadorias do tipo A significa abdicar de fazer B; mirar o target X representa renunciar ao Y; afirmar W nas campanhas de comunicação se faz às expensas de afirmar Z. Enquanto a Victoria's Secret tenta agradar ao tribunal das redes sociais, é possível que deixe na mão as consumidoras que atendeu até aqui, abrindo brecha para uma concorrente empunhar a bandeira da beleza ideal e tremulá-la orgulhosamente quando os ventos voltarem a soprar na direção que a consagrou.
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