O mundo que eu vi

Admitindo que eu esteja a dois anos de chegar aos 60, resolvi aproveitar esta manhã de segunda-feira para dividir a vida em 6 blocos de 10 e destacar os fatos isolados que mais me marcaram na vida, guiado pelo impacto combinado que tiveram em mim, no...
O mundo que eu vi

Admitindo que eu esteja a dois anos de chegar aos 60, resolvi aproveitar esta manhã de segunda-feira para dividir a vida em 6 blocos de 10 e destacar os fatos isolados que mais me marcaram na vida, guiado pelo impacto combinado que tiveram em mim, no Brasil e no mundo. É claro que nem sempre o que foi importante em minha modesta vida, foi em igual medida para o país ou a história, e vice-versa. Mas isso não invalida o esforço de síntese nem o exercício de brincar com o calendário interno e externo. Mais do que apontar fatos objetivos, a melhor parte é justamente a que lida com a captura dos estados de alma de cada época.   

Do momento que nasci até os 10 anos, o fato isolado de maiores consequências foi a destituição de Jango e a instauração de um governo militar. Como via o mundo até então pela lente de meu pai, é claro que não podia nutrir quaisquer simpatias pelo golpe, dito revolução pelos vitoriosos. Falava-se de cassações de homens de bem; de sequestro de estudantes ainda jovens; de torturas e desaparecimentos. Eu tinha primos que passaram a viver na clandestinidade ou no exílio e tudo ficou dramático com a execução do padre Henrique, capelão do Marista, achado morto num matagal da Cidade Universitária do Recife. Foi um dia triste e marcou a época.

Entre meus 10 e 20 anos, precisaria de um livro de mil páginas para sintetizar o turbilhão de emoções que me acometeu. Mas, evidentemente, nada aconteceu de tão determinante quanto visitar Paris aos 15 anos e lá ter uma primeira temporada de estudos. Mais do que as aulas no anfiteatro da Sorbonne, me encantou a liberdade de locomoção por diferentes palcos geográficos no continente. Vencida a barreira de cautelas próprias de quem vivera em certa redoma, chegaria aos 20 anos fluente em 5 idiomas; à vontade em 3 continentes e uns 30 países. A diferenciação que isso conferia à minha vida foi vital para expandir horizontes e ainda hoje sou o produto daqueles dias. Para o bem ou para o mal. 

Vamos adiante. Quando boa parte dos colegas de faculdade ainda buscava freneticamente estágios em autarquias e estatais, tive o privilégio de começar a vida numa cidade que logo aprendi a amar: São Paulo. Ademais, tive a ventura de começar a trabalhar em áreas de exportação de boas empresas, o que me permitiria cravar a marca de mais de 100 países visitados antes de completar 30 anos. O aprendizado intercultural, um dos pilares de minha vida, se acelerou acentuadamente e a circunstância profissional obrigava a que tirasse das experiências o máximo. Lamento não ter tido bons mentores mesmo porque os precedentes na área eram poucos. Mas ajudei muita gente a trilhar o bom caminho.      

Para quem tinha vivido na Alemanha e já visitara a República Democrática Alemã e alguns países do Pacto de Varsóvia, a queda do Muro de Berlim teve uma dimensão transcendente. Como podia ser verdade? Ainda lembro das cenas que via na televisão. O mundo se redesenhava e nos competia agir com urgência. Um dia, enquanto tomava banho no hotel em Manchester, Reino Unido, vi pelo espelho do banheiro a cena inusitada de um homem desafiando um tanque de guerra em plena Praça da Paz Celestial. O que estava acontecendo na Ásia? Quais seriam as consequências daquilo no mundo?  E a mim, o que competiria fazer diante daquilo?

Entre os 40 e 50 anos, o mundo externo continuou importante e palmilhei-o país após país. Mas é também verdade que se formou um vetor de reflexão interna que me levou a contrariar mais uma vez o "efeito manada". Será que eu precisava mesmo de um salário anual de 6 dígitos? Entendi então que não era movido a certas aspirações e que vivia muito bem sem os apetrechos comuns a meus amigos que estavam à frente de suas famílias e cavalgavam ambições materiais que nunca acabam e os escravizavam. Quem ganha 6, quer 7 – e assim por diante. A constatação de que precisava de muito pouco para ser feliz teve um efeito libertador. Comecei a doar as poucas coisas que tinha, menos os livros.

E dos 50 para cá? As maravilhas da revolução tecnológica levaram anos para chegar a mim e ainda me considero ilhado. Não tenho ideia de como baixar aplicativos e tenho vencido a muito custo essa fobia pela alteração de procedimentos. Seja ao embarcar num avião, seja na hora de trabalhar em grupo. De bem com certa dose de solidão, comecei a escrever compulsivamente e embora isso possa vir a ter resultados gratificantes de longo prazo, a vida sedentária me castigou a forma física. Morar em ruas ladeirosas nos últimos 4 anos foi péssima ideia. Blindado contra decepções, fui tomado por grande senso de urgência e marcada disciplina intelectual. Assim cheguei ao dia de hoje, 15 de agosto de 2016.     

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