Semana de trabalho com quatro dias é tendência, avalia especialista em RH
A semana com quatro dias de trabalho começa a ser realidade em alguns países, inclusive, no Brasil, onde um projeto-piloto está sendo testado com 21 empresas voluntárias. Pode parecer uma grande ruptura com o modelo institucionalizado para a maioria dos trabalhadores, com jornada média de 40 horas, de segunda a sexta-feira. Mas, na história do trabalho, as duas folgas semanais também são conquistas relativamente recentes – a jornada de cinco dias foi implementada pela Ford há menos de cem anos, em 1926. "Precisamos lembrar que já se trabalhou sete dias na semana, então vieram o direito a um dia de folga e o limite de horas semanais. De seis dias, a semana de trabalho foi passando a ter cinco, as 44 horas têm virado 40. Então é natural que haja uma nova revisão, para quatro dias ou 32 horas semanais. Isso vai acabar se instaurando nas empresas de forma gradativa. É uma tendência natural para o mercado de trabalho", avalia Janine Rocha, mestre em administração e professora de gestão em recursos humanos da FADERGS.
As empresas que se candidataram a testar o modelo estão reduzindo as jornadas dos trabalhadores em 20% – de 40 horas para 32 horas semanais –, e se comprometem a manter o salário integral. Na prática, os funcionários ganham mais um dia de folga ou diminuem sua jornada diária. Em troca, devem manter a mesma produtividade em período menor. Para efetivar a equação 100-80-100 (100% do salário em 80% do tempo para 100% da produtividade), é necessário confiança mútua entre as partes e também o reconhecimento de que há muito tempo ocioso na jornada de 40 horas, especialmente com o incremento de diversas tecnologias que otimizaram o trabalho nas últimas décadas. "O que falta é uma mudança de chave. As empresas ainda são mais apegadas à presencialidade do que às entregas. Isso leva a uma má gestão do tempo, como aquela pausa estendida para o café ou reuniões longas e improdutivas", aponta Janine. Para a docente de RH, as cobranças não devem ser pelo ponto, pelo tempo destinado à empresa, mas por comprometimento, produtividade e meta. "A redução da jornada promove uma economia de tempo útil. O trabalhador vê sentido no tempo que ele dedica à empresa e isso aumenta sua satisfação com o trabalho. Isso está muito claro em países que já adotaram a medida, com redução de casos de depressão e burnout, o esgotamento causado pelo trabalho", sugere.
Apesar dos benefícios da redução da jornada, a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) permite o trabalho de até 44 horas semanais no Brasil. A legislação é referência na garantia de direitos trabalhistas, mas foi instituída em 1943, quando havia menos tecnologias disponíveis e uma população muito menor. Segundo Janine, a CLT já deveria ter sido revista. "Para além do aporte tecnológico, que já otimizou em muito o serviço, precisamos de uma mudança de mentalidade, de uma maturidade nas relações trabalhistas. O brasileiro não vê os resultados de seu trabalho como uma propriedade sua, mas algo do outro que ele tem de fazer. Isso é imaturidade profissional. E do lado da empresa, ela está no vínculo da jornada à presencialidade", explica. A reforma trabalhista já instituiu, por exemplo, o dispositivo da jornada intermitente. Futuramente, deverá ser formalizada a possibilidade da redução de jornada no sistema 100-80-100. "Hoje, como não está na CLT, não há amparo legal. Portanto, precisa ser muito bem articulado, com negociações alinhadas, entre empresas, trabalhadores e sindicatos, e contratos bem redigidos, para que as empresas não corram riscos de processos trabalhistas, pois há a premissa de aumento de produtividade em um tempo menor, mas este deve ser um acordo mútuo", destaca a professora.
A partir do projeto-piloto que entrou em implementação no Brasil, qualquer empresa poderá adotar a semana de quatro dias, em tese. "Claro que cada instituição deverá buscar sua forma de estruturar a redução de jornada, se é possível fechar um dia da semana – medida que representa ainda economia de energia e insumos – ou se deve ajustar escalas para que nunca falte funcionários, inclusive aos finais de semana, em caso de hospitais, por exemplo. Algumas empresas que participam do projeto, estão testando com setores específicos, para entender como vai funcionar", explica a especialista. Esse primeiro momento também é de intensa negociação entre empresas e trabalhadores, para definir, inclusive, se a redução da carga horária implicará no novo dia de folga ou na redução da jornada diária. "Vai depender da negociação e da flexibilidade da empresa. Acredito que, no início, tanto empregadores quanto funcionários estarão mais abertos ao diálogo, buscando o que é interessante para cada parte. É um momento de planejamento, de testes, para entender qual será o melhor sistema. O importante é que, ao final da semana, o funcionário tenha o equivalente a um dia útil livre, oito horas para resolver suas questões pessoais", sinaliza a docente.
A profissional de RH lembra que, além de tempo ocioso, a jornada das 8 horas às 18 horas gera necessidades pontuais de faltas, para compromissos que geralmente também ocorrem em horário comercial, como reuniões escolares ou consultas médicas. No novo modelo, atividades extra empresa poderão ser priorizadas no dia livre, sem gerar preocupações e tensões na relação de trabalho. "É um dia ou horário útil que o trabalhador ganha para colocar suas rotinas de saúde em dia, praticar esportes, fazer uma qualificação, mas de forma equilibrada entre vida pessoal e profissional. Com isso, ele estará muito mais disposto quando estiver no trabalho. Domenico De Masi já falava disso, a necessidade de tempo livre para poder, inclusive, produzir melhor", diz Janine, citando o sociólogo italiano que cunhou o conceito de "ócio criativo".
Ela acredita que haverá muito mais pontos positivos que negativos na redução de jornada e cita alguns, como a maior satisfação dos funcionários, o menor custo para as empresas e a diminuição na incidência de doenças psíquicas e laborais. Porém, podem haver dificuldades de ajustes ao novo modelo e da organização de escalas. "Não vejo que possa haver queda de competitividade para as empresas que façam a adesão ao sistema. Pelo contrário, elas se tornarão mais competitivas, pois os funcionários estarão comprometidos com as entregas. O que entendo ser fator preocupante é a questão trabalhista, o risco de processos pela falta de amparo legal e jurisprudência. Por isso, reitero a importância de contratos bem alinhados e firmados", entende a professora.
Mesmo com 40 horas semanais dedicadas às empresas, os trabalhadores costumam receber mensagens relacionadas a trabalho em suas folgas. É preciso estabelecer limites para que as chefias não demandem funcionários fora do horário laboral, para que o tempo livre possa, de fato, ser usufruído para descanso, físico e mental. "Esses limites precisam ser revistos urgentemente. O uso dos aplicativos de mensagens já é abusivo, e não adianta reduzir jornada e não respeitar o período de descanso. É necessária uma reeducação, tanto das empresas quanto dos profissionais, que devem se policiar para não responder, justificando que estão fora do horário de trabalho. Já há tecnologias para isso, que bloqueiam o recebimento de mensagens de trabalho durante o horário de folga", complementa a docente.
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